Um biossensor que diagnostica a pré-disposição de desenvolver câncer de próstata muito antes do surgimento dos primeiros sintomas? E que detecte o câncer de próstata em apenas 1 hora, ao custo de R$4,00 por exame?
Isso pode se tornar realidade em muito curto prazo como resultado de uma pesquisa desenvolvida por pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), Embrapa Instrumentação e Hospital de Amor de Barretos.
O câncer de próstata é o mais comum em homens e o segundo mais letal, superado apenas pelo câncer de pulmão. É responsável por 20% dos casos totais de câncer, com estimativa de incidência de 1.392.727 de novos casos em 2020 e taxa de mortalidade de 27%, segundo dados da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC). Neste cenário, o diagnóstico precoce é determinante para a sobrevivência do paciente. Contudo, os exames de custo elevado são oferecidos apenas na rede particular de saúde, limitando o acesso da população a tais exames de detecção precoce.
Pesquisadores do IFSC/USP, da Embrapa Instrumentação e do Hospital de Amor de Barretos, desenvolveram um biossensor que pode, num futuro próximo, ser empregado em exames – similares aos testes de glicose de farmácia – para detectar a pré-disposição do paciente em desenvolver o câncer de próstata. O exame não será invasivo, usando uma gota de sangue ou, preferencialmente, urina do paciente, com a detecção de um novo biomarcador (PCA3-Prostate Cancer Antigen 3).
Um exame com PCA3 poderá eliminar a necessidade de toque retal e de biópsias nos estágios iniciais de diagnóstico. Isso será possível porque o PCA3, diferentemente do PSA, indica somente a presença da pré-disposição para o desenvolvimento do câncer de próstata. Ou seja, ele não se altera com inflamações, como a prostatite, que hoje geram falsos positivos nos exames de PSA, ou seja, confundem-se com sinais de câncer.
O biossensor é composto por uma sonda de material genético, imobilizada em eletrodos de ouro, que detecta a presença do material genético complementar indicador do surgimento do câncer de próstata. Amostras de urina ou de sangue poderão ser gotejadas sobre o eletrodo e em cerca de uma hora é possível saber se o paciente possui aquele material genético em suas células. Desta forma, o paciente pode iniciar a prevenção da doença precocemente, anos antes de o câncer se manifestar, o que aumenta as chances de cura.
Devido à sua simplicidade, rapidez do diagnóstico e de seu baixo custo, espera-se que este biossensor possa ser implantado no Sistema Único de Saúde no começo da cadeia de exames para diagnóstico do câncer de próstata. O biossensor está em processo de patenteamento pela Agência USP de Inovação e pela Agência de Inovação do Hospital de Amor de Barretos. A disponibilidade do teste para a população depende do interesse de empresas que licenciem a tecnologia, podendo demorar cerca de cinco anos para chegar ao mercado.
O aspecto mais inovador desta pesquisa foi a fabricação de um biossensor com princípios de detecção simples, ou seja, medidas elétricas ou eletroquímicas, que detecta um novo biomarcador de câncer de próstata (PCA3). A detecção foi possível porque a equipe do Hospital de Amor de Barretos desenhou uma sequência de DNA que se hibridiza com o biomarcador. Isso pôde ser demonstrado não apenas em amostras com o biomarcador em solução, como em células de pacientes com câncer de próstata. Com métodos de visualização de informação, por exemplo, foi possível distinguir células cancerosas de células sadias. O biossensor pode ser de baixo custo e o exame demora uma hora no máximo.
Destaque-se que o PCA3 é mais específico que o antígeno PSA, permitindo detectar a pré-disposição de homens ao câncer de próstata. Isso pode vir a dispensar o exame de toque retal e até mesmo a biópsia. A triagem com base no exame de PSA e de toque leva a cerca de dois terços de biópsias desnecessárias.
O biossensor desenvolvido pelas equipes do IFSC-USP, Embrapa Instrumentação e Hospital de Amor de Barretos, utiliza técnicas eletroquímicas e elétricas, e é inédito para a detecção de PCA3. Já há alguns poucos relatos na literatura de detecção de PCA3, mas sempre com técnicas sofisticadas e dispendiosas, como a PCR (polymerase chain reaction). Esta é a razão pela qual o exame com PCA3 ainda não está disponível nos sistemas de saúde, como o SUS.
O custo de cada unidade sensorial (biossensor) é de aproximadamente R$3,00 a R$4,00, com perspectiva de que cada exame possa custar muito menos do que as técnicas de PCR, cujo custo é muito elevado e pouco acessível pela população em geral.
Andrey Coatrini Soares, Valquíria Rodrigues Barioto e Juliana Coatrini Soares, foram os pesquisadores responsáveis pelos trabalhos desenvolvidos no Grupo de Polímeros “Bernhard Gross” (IFSC/USP), liderado pelo Prof. Osvaldo Novais de Oliveira Junior, tendo manifestado sua satisfação pelos resultados alcançados. “Foi muito gratificante este trabalho de parceria, em que se detectou o biomarcador PCA3, um gene que só aparece em quem tem tendência para desenvolver câncer de próstata”, relata Juliana. Para Valquíria, este poderá ser um grande auxiliar para os médicos. “O biossensor, ao detectar o PCA3, não deixa qualquer dúvida – é sinal de pré-disposição para o câncer de próstata, já que ele não detecta outro tipo de câncer ou mesmo inflamações.
Andrey Coatrini Soares ressalta a parceria com os médicos e pesquisadores do Hospital de Amor de Barretos, já que foram eles que deram início a este trabalho. “Os médicos de Barretos constataram que houve um substancial aumento das ocorrências relacionadas com câncer de próstata. Como eles tinham em seu poder a sequência do PCA3 (sequência de DNA), o caminho ficou mais fácil para levarmos em frente esta pesquisa conjunta. Criamos, assim, um biossensor que fosse fiel na detecção precoce da doença, rápido na leitura dos resultados (60 minutos) e barato, tendo em vista sua futura utilização pela população, através do SUS”, acrescenta Andrey.
Para a equipe de pesquisadores e médicos do Hospital do Amor de Barretos, esta pesquisa abre novas portas para enfrentar a problemática do câncer de próstata.
O Prof. Osvaldo Novais ressalta que “o nosso trabalho demonstra ser possível fazer a detecção de PCA3 em células, a um custo potencialmente baixo. Ainda não se provou que a detecção ocorrerá em urina ou sangue, e nem que a detecção de PCA3 eliminará a necessidade de biópsias ou exames de toque retal. Demonstrar essas possibilidades, que podem ser revolucionárias para a detecção e tratamento de câncer de próstata, deve ser objetivo de pesquisas futuras, em nosso time de pesquisadores e em outros lugares do mundo a partir da divulgação do presente artigo.”
Quanto tempo demora para chegar no mercado?
A tecnologia já está em processo de patente pela Agência USP de Inovação, com a colaboração do Escritório de Inovação do Hospital de Amor de Barretos. Para chegar ao mercado, é necessário testar o biossensor em fluidos biológicos, como o sangue, e desenvolver protótipos que sejam reprodutíveis em testes de grande escala, sem falsos positivos ou negativos. Estima-se que se uma empresa estiver interessada em licenciar a tecnologia, o exame de PCA3 pode estar no mercado em alguns anos.
O artigo científico deste trabalho foi assinado por Juliana Coatrini Soares, Andrey Coatrini Soares, Valquíria Cruz Rodrigues, Matias Eliseo Melendez, Alexandre Cesar Santos, Eliney Ferreira Faria, Rui M. Reis, André Lopes Carvalho e Osvaldo Novais de Oliveira Junior.
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Rui Sintra – Assessoria de Comunicação – IFSC/USP