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26 de junho de 2012

Vacina contra esquistossomose teve IFSC como “braço direito”

Quando a solução para acabar com uma doença parasitária, que faz 200 milhões de vítimas no mundo é encontrada, a excitação é geral. Não é a toa que, na semana passada, quando a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) anunciou que foi desenvolvida a vacina contra a esquistossomose, a mídia entrou em polvorosa e anunciou a novidade nos quatro cantos do mundo.

SchistosomaA esquistossomose, segunda doença que mais faz vítimas no planeta (depois da malária)*, é causada por parasitas do gênero Schistosoma, entre eles o Schistosoma mansoni. Mais conhecida por “Barriga d´água”, é transmitida por caramujos (que hospeda o parasita temporariamente) e penetra na pele de humanos quando estes, por sua vez, entram em contato com a água habitada pelo caramujo contaminado. Diarreia, febre, cólicas, dores de cabeça, sonolência, emagrecimento, endurecimento ou aumento do volume do fígado e hemorragias que causam vômitos são os sintomas mais comuns, causados pela doença.

Embora não seja o país com maior de número de vítimas da doença (papel desempenhado por países do continente africano), o Brasil tem, em média, mais de dois milhões de pessoas com esquistossomose – para se ter uma ideia, o câncer atingiu uma média de 500 mil pessoas, o ano passado.

Os danos à saúde, no entanto, não são o maior problema. Pessoas infectadas pela esquistossomose conseguem conviver com a doença (em média, somente 1% dos infectados morre). Mas, aqueles que sobrevivem a ela têm uma péssima qualidade de vida e sua capacidade de contribuição social, intelectual e financeira é quase nula. “Como são, geralmente, populações de países pobres as maiores vítimas da esquistossomose, a colaboração dessas pessoas para o desenvolvimento do país é obsoleta. Ou seja, a doença não mata, mas traz consequências muito graves para a sociedade”, declara o docente do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), Richard Charles Garratt.

A cura possível

Consciente, mas, sobretudo, preocupada com essa grande problemática social, a pesquisadora da Fiocruz, Miriam Tendler, dedicou 30 anos de seus estudos ao Schistosoma mansoni, e, depois de muitas observações e análises, encontrou no próprio parasita a solução para – ao que tudo indica – eliminar a doença. A SM14 (como foi batizada por Tendler), é uma das moléculas encontradas no organismo do parasita e é responsável pelo transporte de lipídeos. Mas, uma vez no organismo humano gera uma resposta imune, incitando a produção de anticorpos. “O hospedeiro [organismo humano] é capaz de reconhecer essa molécula e montar uma resposta imune contra ela. Então, se ele entrar em contato com o parasita, o sistema imune já está pronto para reagir contra ele”.

Tal descoberta abre inúmeras possibilidades, que vão muito mais além da produção de uma vacina contra esquistossomose. Essa é a primeira vez que todo processo de desenvolvimento de uma vacina é feito, integralmente, no Brasil.

Mas, para percorrer esse caminho e “encontrar uma luz no final do túnel”, vários colaboradores estiveram envolvidos na trajetória, entre eles o próprio Richard, que não só colaborou com a pesquisa, mas também foi o “braço direito” de Mirian, quando “emprestou” seus conhecimentos em biologia estrutural para fazer os estudos de modelagem da SM14, identificando as regiões mais importantes da molécula para gerar a resposta imune. “Esse é um exemplo muito claro de como a ciência básica e a aplicada podem, e devem andar em conjunto. Todo cientista sabe que é fundamental investir nessas duas frentes, pois a pesquisa básica traz os fundamentos. Mas, investir somente na ciência básica não gerará produtos. O segredo, portanto, é encontrar o equilíbrio entre elas”, destaca Richard. “Se a Miriam [Tendler] não tivesse a preocupação de entender melhor a molécula que ela tinha em mãos, o projeto teria tido outro percurso”.

Conhecer a estrutura da molécula é importante por diversos motivos, entre eles saber se a vacina não criará anticorpos contra o próprio organismo, uma vez que temos moléculas muito parecidas com a SM14 (que carregam lipídeos). “Poder identificar as diferenças significativas entre as proteínas de parasitas e seres humanos reforça, novamente, a importância da pesquisa básica, pois é preciso saber se uma molécula que cria anticorpos no organismo humano não será prejudicial a ele próprio”.

Outra docente do IFSC, Ana Paula Ulian Araújo, também em conjunto com Tendler, está trabalhando na criação de uma ferramenta capaz de avaliar o grau de eficácia da vacina em cada indivíduo. “Cada pessoa reage de uma forma diferente à mesma vacina, pois os genes de cada ser humano são diferentes uns dos outros. Por isso, seria muito interessante ter uma ferramenta que permitisse o acompanhamento da vacina”, explica Richard.

Ciclo_de_contaminao_do_Schistosoma_mansoni

Durante o caminho para o desenvolvimento da vacina contra a esquistossomose, os pesquisadores tiveram mais uma surpresa: a SM14 gera uma reação cruzada com outro parasita, o Fasciola hepática, que afeta, principalmente, bois e ovelhas. Ou seja, o Fasciola, que se tornou uma dor de cabeça, principalmente nos países que têm sua economia baseada na criação de ovelhas (como a Holanda, por exemplo), também poderá ser combatido pela vacina. Por exemplo, ovelhas já receberam as vacinas e elas ficaram protegidas contra o Fasciola. “Isso é o que chamamos de vacina bivalente. Novamente, é algo que teve um apoio muito importante do IFSC, com o papel de estudar a estrutura da molécula e explicar melhor esse acontecimento”, conta Garratt.

Passo a passo até o acesso total

No atual momento, a pesquisa finalizou a fase um (razão da “euforia” da mídia em torno do assunto), que testa a segurança da vacina. Nela, vinte homens saudáveis receberam a vacina e não apresentaram reações ou efeitos colaterais. “Essa fase deve ser realizada, obrigatoriamente, no país onde a molécula – que é o princípio ativo da vacina – foi encontrada. Portanto, a fase um foi feita no Brasil”, conta Richard. “Mesmo assim, a manufatura das vacinas foi feita nos Estados Unidos”.

Na fase dois, prevista para ter início já no próximo semestre, o número de voluntários para receber a vacina aumenta, passando de vinte para mais de duzentos. Os voluntários devem ser moradores em áreas endêmicas, ou seja, com alto risco de serem contaminados pelo parasita. No caso da esquistossomose, certamente voluntários de países africanos participarão da fase dois.

Falar sobre a fase três já é algo mais indefinido, pois ela depende da segunda. Contando que esta seja bem sucedida, e nenhum dos voluntários apresente reações negativas, mais pessoas (de mais países) participarão da terceira fase.

Na fase quatro, finalmente a vacina já estará acessível a todos e só restará aos pesquisadores fazer o acompanhamento e análise dos resultados , buscando, sempre que possível e necessário, os devidos aperfeiçoamentos.

TendlerNo caso da vacina contra a esquistossomose, completar todas essas fases, de acordo com Richard, levará, em média, quatro anos. Mas, muitos fatores podem influenciar essa referência temporal. “Dependemos de financiamento para produção, aprovação da ANVISA**, toda parte burocrática e logística deve estar finalizada. Portanto, pode demorar um pouco mais do que o tempo previsto, mas tudo dependerá do andamento das fases anteriores”.

Até o momento, a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) tem arcado com os custos da pesquisa. Mas a empresa “Ouro Fino Agronegócio” já está envolvida diretamente no financiamento e desenvolvimento da vacina. Outras, como a Gates Foundation, também já estão sendo consideradas.

Mesmo não podendo dizer, agora, com certeza, se a vacina será eficaz em populações humanas, Richard aposta nas probabilidades favoráveis. Ele afirma que, de todos os projetos de cunho aplicado, voltados a projetos tropicais, dos quais ele participou e participa, o da esquistossomose é o que tem caminhado melhor e com as melhores perspectivas para finalizar com um produto.

Se isso for comprovado, milhões de pessoas serão gratas. Não somente aquelas que diariamente correm o risco de contrair a doença, mas também as que se preocupam com a melhor qualidade de vida da população humana e com o desenvolvimento efetivo dos países do globo.

*dado fornecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS)

** Agência Nacional de Vigilância Sanitária

Assessoria de Comunicação

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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