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23 de agosto de 2022

Sobre o campo magnético criado pela Terra, pelo homem e pelas estrelas

 

Figura 2 – (a) O polo norte geográfico está situado sobre o gelo, no Oceano Ártico. Como o gelo se move rapidamente, não existe uma estação permanente que marque a posição exata do polo norte geográfico verdadeiro. (b) O polo sul geográfico está situado sobre o gelo que cobre a superfície do continente. Como esse gelo se move apenas alguns metros por ano, os EUA construíram um marco (a estação Amudsen-Scott) que indica a posição verdadeira do polo sul geográfico (Crédito: [1]Por: Prof. Roberto N. Onody *

Por: Prof. Roberto Onody

 

Todo planeta tem um par de polos norte e sul geográficos (que estão contidos ao longo do eixo de rotação do planeta) mas, nem todo planeta tem um par de polos norte e sul magnéticos. Veja por exemplo, o planeta Vênus. Como a Terra, Vênus tem também um núcleo metálico e líquido (composto, basicamente, por ferro), mas, sua velocidade de rotação em torno do seu eixo é tão baixa (1 dia venusiano corresponde a 243 dias terrestres!) que inviabiliza a geração de corrente elétrica e, consequentemente, a criação de um campo magnético.

 

Os polos norte e sul geográficos correspondem aos dois pontos onde todos os meridianos terrestres se encontram.  O polo norte geográfico está em pleno Oceano Ártico e o polo sul geográfico se localiza em pleno continente Antártico (Figura 2). Os 12 países que assinaram o Tratado Antártico de 1959 “dividem” o continente Antártico (o Brasil está incluído). O continente é aberto aos pesquisadores científicos. Até 2022, somente 10 pessoas tinham nascido na Antártica [1]!

 

 

Por outro lado, os polos norte e sul magnéticos da Terra são criados pela combinação dos efeitos da sua rotação, composição química e temperatura do seu núcleo.

Como sabemos, a estrutura da Terra é formada por 4 camadas. A primeira, a crosta, tem espessura entre 30 e 70 km. Ela está dividida em placas tectônicas que se movimentam sobre a camada superior do manto.

O manto tem espessura de cerca de 3.000 km. Ele é composto, principalmente, por ferro, silício e magnésio. É denso e quente. A camada superior do manto (astenosfera) está a uma profundidade de cerca de 100 a 200 km da superfície terrestre e sua temperatura é alta o suficiente para derreter as rochas, formando o magma. Esse magma pode chegar à superfície terrestre por meio dos vulcões.

A terceira camada é o núcleo exterior. Ele tem cerca de 2.000 km de espessura (com profundidade de cerca de 3.000 a 5.000 km). É composto por Níquel e Ferro no estado líquido.  Esse líquido em alta temperatura é muito turbulento, com fortes correntes de convecção. Essas correntes de convecção produzem cargas elétricas que, ao rotacionarem junto com a Terra, geram o campo magnético terrestre. A Terra é (quase) um grande imã!

Figura 3 – As posições dos polos norte e sul magnéticos mudam com o tempo. O polo norte magnético migra de 20 a 40 km por ano, no sentido noroeste. Os polos magnéticos nem sequer são antípodas – eles não estão ligados por uma reta que passa pelo centro da Terra. Em 2020, as latitudes e longitudes dos polos norte e sul magnéticos eram (86,5 N; 162,9 L) e (64,1 S; 135,9 L), respectivamente (Crédito: [2])

Finalmente, na última camada, temos o núcleo interior. Com forma esférica e raio de cerca de 1.300 km, ele é composto por Ferro e Níquel no estado sólido. A pressão aí é altíssima – milhões de vezes a pressão atmosférica na superfície terrestre. A temperatura é de aproximadamente 5.400 oC, similar à da superfície do Sol.

Como o campo magnético terrestre é gestado no turbulento núcleo da Terra, as posições dos polos norte e sul magnéticos não são fixas, elas variam com o tempo (Figura 3) [2]. Hoje, o polo norte magnético se encontra a cerca de 500 km de distância e ao sul do polo norte geográfico. Uma bússola colocada no polo norte geográfico indicaria, incorretamente, a direção sul.   É importante observar que os polos norte e sul magnéticos, não são antípodas, isto é, eles não estão em posições diametralmente opostas.

Hoje sabemos, que os polos norte e sul magnéticos se alternam de tempos em tempos – O polo norte vira polo sul e vice-versa. É a chamada reversão temporal. Estima-se que a última reversão ocorreu há cerca de 770.000 anos atrás.

No mundo em que vivemos, os polos magnéticos norte e sul sempre aparecem aos pares, juntos e inseparáveis. Mas, nas equações de Maxwell, a imposição de uma dualidade eletromagnética, propõe a existência de monopolos magnéticos – cargas magnéticas livres.

Paul Dirac demonstrou (no contexto da eletrodinâmica quântica) que se os monopolos magnéticos realmente existirem, então, as partículas elementares terão cargas elétricas que serão múltiplos inteiros da carga “e” do próton e do elétron. Por outro lado, no Modelo Padrão, essas cargas podem ser fracionárias, “+2e/3” e “-e/3” (carga dos quarks).

As massas previstas para os monopolos magnéticos são muito altas, de dezenas a centenas de Teraeletronvolts (Tev). Talvez, os monopolos magnéticos tenham existido logo após o Big Bang. No acelerador de partículas do CERN, o LHC (que comprovou, há 10 anos atrás, a existência do bóson de Higgs), a busca pelos monopolos magnéticos continua. Outra vertente experimental, tenta encontrar os monopolos magnéticos através do mecanismo de Schwinger, onde campos magnéticos muito intensos podem criar monopolos magnéticos [4]. Até agora, também não obteve sucesso.

Certamente, do ponto de vista linguístico, podemos chamar o campo magnético da Terra de, simplesmente, campo geomagnético.  Mas, é necessário um certo cuidado, pois o termo geomagnético é também utilizado num outro contexto. Muitas vezes, o termo campo geomagnético, se refere a um modelo teórico que aproxima o campo magnético terrestre por um imã (dipolo magnético) situado no centro da Terra. Claro, neste caso, os polos norte e sul geomagnéticos são antípodas. Em grandes altitudes, este campo geomagnético coincide com o verdadeiro campo magnético.

Figura 4 – Imagem artística das duas camadas do cinturão de Van Allen. Elas têm a forma toroidal (rosca). A mais interna, oscila entre 1.600 e 13.000 km acima da superfície terrestre e a mais externa, entre 19.000 e 40.000 km atingindo, portanto, as órbitas dos satélites geoestacionários (do GPS, por exemplo) (Crédito: Karl Tate/Space.com)

O campo magnético terrestre envolve continuamente a Terra (interior e exterior) e se estende por todo espaço. Ele forma um manto protetor (a magnetosfera) que blinda e preserva a vida de plantas e animais contra os efeitos nocivos do vento solar (prótons e elétrons ejetados pelo Sol) e raios cósmicos (prótons e núcleos atômicos extremamente energéticos, oriundos de fora do sistema solar e de outras galáxias). Juntos, a atmosfera e o campo magnético terrestre, formam uma bolha, um escudo que permite a vida em nosso planeta.

Figura 5 – Aurora Austral em tons de rosa e amarelo, na Baía Nublada, Tasmânia (Crédito: Shutterstock)

Em 1958, a espaçonave norte-americana Explorer 1, foi lançada ao espaço tendo a bordo um detector Geiger-Müller de radiação. Foi a primeira observação do cinturão de radiação de Van Allen (Figura 4) [3]. Ele é composto por prótons e elétrons de alta energia, que são armadilhados pelo campo magnético terrestre. O cinturão de Van Allen é composto por, basicamente, duas camadas. A primeira, mais exterior, nos protege das partículas vindas do Sol; a segunda, mais interior, nos protege das

Figura 1 – A intensidade do campo magnético terrestre varia de um ponto a outro na superfície da Terra (e também no tempo). A América do Sul tem, hoje, o campo magnético mais fraco. No mapa, a escala utilizada é de nanotesla (0,00001 gauss). O campo magnético médio na superfície da Terra é de cerca de 0,5 gauss. À guisa de comparação, o campo magnético médio do Sol não é muito maior, cerca de 1 gauss (chegando a 3.000 gauss próximo das manchas solares) (Crédito: ESA/DTU/Space)

partículas (muito energéticas) dos raios cósmicos.

Os efeitos produzidos por essas partículas altamente energéticas podem ser, simultaneamente, feéricos e nefastos.  Nas altas latitudes dos hemisférios norte e sul, ao colidirem com átomos da atmosfera (ionizando-os), irradiam luzes multicoloridas que formam o fabuloso espetáculo das auroras boreal e austral (Figura 5). Porém, quando aumenta a atividade do Sol (com ejeções de massa coronal), a Terra é atingida por uma enorme onda de partículas carregadas, que alteram e ondulam o cinturão de Van Allen.  Os prejuízos tecnológicos, causados por correntes elétricas e grandes variações nos campos magnéticos, não são pequenos.

As tempestades solares provocam, na Terra, enormes tempestades geomagnéticas. Recentemente, em fevereiro de 2022, elas destruíram 40 satélites da Starlink, um prejuízo de quase 50 milhões de dólares. Erupções solares ocorridas em 1989, originaram tempestades geomagnéticas que danificaram usinas hidrelétricas na região de Quebec, deixando-a sem energia elétrica por 9 horas. Em 2003, foi a vez da Suécia ter blecaute. Em 2006, outra tempestade geomagnética interrompeu os sinais de rádio de GPS por 10 minutos. A mais antiga tempestade geomagnética conhecida, foi registrada pelo astrônomo Richard Carrington, em 1859. Ele detectou um enorme movimento das manchas solares, seguido da perda de sinais telegráficos. Carrington recebeu também informações de que a aurora boreal tinha sido observada muito mais ao sul, na região do Caribe.

A intensidade do campo magnético (mais rigorosamente, do fluxo magnético) medido na superfície da Terra, não é uniforme (veja Figura 1). Ela oscila entre 0,25 e 0,65 Gauss e foi medida pela primeira vez em 1832, por Carl Friedrich Gauss. Nesses quase 200 anos, a intensidade média do campo magnético terrestre diminuiu cerca de 10%. Localmente, o valor do campo magnético terrestre é muito influenciado pela presença, na vizinhança, de rochas contendo materiais magnéticos.

Figura 6 – Hoje em dia, a liga de neodímio-ferro-boro é o imã permanente mais forte disponível. Ele é utilizado em larga escala industrial. O fluxo magnético gira em torno de 1 a 1,3 Tesla (10.000 a 13.000 gauss) (Crédito: Science Photo Library)

Os melhores e mais utilizados materiais magnéticos para produzir imãs comerciais são as terras raras (grupo dos lantanídeos, na tabela periódica). O adjetivo “raras” se deve ao fato de ser um material de difícil extração e purificação. O neodímio e o samário são os metais preferidos para produzir imãs. A China é o maior produtor mundial de terras raras. O Brasil, que talvez tenha a maior reserva mundial, é apenas décimo produtor devido aos custos de extração e separação industrial.

Pensando em imãs permanentes comerciais, devemos nos referir ao fluxo magnético, que nos indica o quão magnético um determinado material é, ou poderá vir a ser. O máximo da densidade de energia armazenada num imã (medida em gauss–oersted; 1 GOe = 0,0079 joule/metro cúbico), é uma boa medida do poder desse imã – quanto maior, melhor.

Até o início da década de 1980, o imã permanente mais utilizado comercialmente, era a liga de samário-cobalto (densidade magnética máxima igual a 28 milhões de GOe´s). Nessa época, o cientista japonês Masato Sagawa formulou uma nova liga ainda mais forte, composta de neodímio-ferro-boro (densidade magnética máxima igual a 42 milhões de GOe´s). Por esse seu trabalho, ele foi laureado, em 2022, com o prêmio Rainha Elizabeth para Engenheiros. O imã de neodímio-ferro-boro é largamente utilizado e fundamental em carros elétricos, telefones celulares, tomografia por ressonância magnética, discos duros de computadores, aviões, turbinas eólicas etc. (Figura 6).

Para se obter campos magnéticos ainda mais forte, utilizam-se os eletroímãs (bobinas) com fios supercondutores. Até agora (2022), o recorde para campos magnéticos gerados em laboratório, foi de 45,5 Tesla (455.000 gauss) [5].  Embora este valor seja um milhão de vezes maior do que o campo magnético na superfície da Terra, ele é irrisório quando comparado aos campos magnéticos gerados pelas estrelas de nêutron.

Figura 7 – Imagem feita (no comprimento de raios-x) pelo telescópio espacial Chandra em diferentes épocas. No zoom à esquerda, o buraco negro supermassivo da nossa Via-Láctea com o magnetar SGR 1745-2900 quiescente (2005-2008). No zoom à direita, a mesma região do espaço em 2013, com o magnetar ativo (Crédito: NASA)

Quando explode uma supernova, dependendo da massa da estrela em colapso, poderá se formar um buraco negro ou uma estrela de nêutrons. As estrelas de nêutrons são objetos pequenos, com diâmetro girando em torno de 10 a 20 km, mas, extremamente densos. Um cubo, com aresta de 1 cm, pesaria mais do que todos os 8 bilhões de seres humanos existentes na Terra! O campo magnético típico de uma estrela de nêutron é de cerca de 100 milhões de Tesla (mais de um milhão de vezes o maior campo magnético já criado pelo homem).

Na nossa galáxia, foram detectadas e confirmadas (até agora), pouco mais 3.000 estrelas de nêutrons, mas, acredita-se que existam milhões de estrelas de nêutrons na Via-Láctea. Uma estrela de nêutrons, que gira muito rapidamente (centenas de voltas por segundo!), é chamada de pulsar. Um pulsar emite ondas eletromagnéticas de rádio que emergem dos seus polos magnéticos. Um verdadeiro farol espacial! A maior parte das estrelas de nêutrons conhecidas são pulsares.

Estrelas de nêutrons que giram mais lentamente (algo em torno de uma volta a cada 2 a 10 segundos), mas que têm campos magnéticos absurdos de 100 bilhões de Tesla, são chamadas de magnetar (Figura 7). São os maiores monstros magnéticos do universo. Até julho de 2021, eram conhecidos um total de 24 magnetares (e uma dezena mais, esperando confirmação) [6]. Um magnetar passa por explosões de atividade com intensa emissão de raios-x e raios gama. Em 2004, uma dessas explosões gerou um pulso de energia que derrubou, por um décimo de segundo, as comunicações com satélites e aviões. O magnetar responsável foi localizado a 50.000 anos-luz de distância da Terra.

*Físico, Professor Sênior do IFSC – USP

e-mail: onody@ifsc.usp.br

 

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(Agradecimento: ao Sr. Rui Sintra da Assessoria de Comunicação)

Referências:

[1] Antarctica Map and Satellite Imagery [Free] (gisgeography.com)

[2] Magnetic North vs Geographic (True) North Pole – GIS Geography

[3] Van Allen Probes | NASA

[4] Search for magnetic monopoles produced via the Schwinger mechanism | Nature

[5] 45.5-tesla direct-current magnetic field generated with a high-temperature superconducting magnet | Nature

[6] Magnetar – Wikipedia

Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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