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1 de junho de 2012

O que temer?

Há alguns dias, um automóvel foi roubado no Rio de Janeiro. A ocorrência seria considerada comum e não traria tanta preocupação, não fosse por um pequeno detalhe: o carro roubado transportava, no porta-malas, um equipamento com material radioativo, de elevado risco à saúde humana.

RadiaoO fato foi motivo de tumulto e abriu discussões antigas, não somente sobre o transporte de materiais radioativos, mas sobre a segurança e a ética em torno da energia nuclear. Mas, quais são os verdadeiros riscos que esse tipo de situação oferece ao meio ambiente e à sociedade?

No caso do automóvel roubado na capital carioca, esse risco foi eliminado pois o material estava lacrado, evitando, assim, que qualquer pessoa tivesse contato direto com a fonte, que guardava Selênio-75, material com radioatividade média. Mas, caso esse lacre fosse violado, a história seria outra. “O problema da radioatividade é a proximidade com a fonte”, afirma o docente do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP) e pesquisador do Grupo de Ressonância Magnética (RMN), José Fabian Schneider. “Se alguém retirasse a blindagem do equipamento que estava no porta-malas do carro roubado, numa distância de poucos metros a radioatividade poderia causar queimaduras, e isso nem seria a consequência mais grave. O problema da radiação é que ela cria defeitos ou problemas em escala molecular”.

Ou seja, se uma pessoa é atingida por radioatividade justamente quando seu DNA está sendo replicado, por exemplo, e um fóton de alta energia interfere nesse processo, ligações químicas podem ser quebradas e um defeito pode ser transmitido ao DNA. Algumas vezes, esse defeito pode ser irrelevante, porém pode também ser muito grave, chegando ao ponto de “acordar” células cancerígenas.

Assim foi no acidente nuclear, ocorrido em Chernobyl (Ucrânia), em 1986. A nuvem de radioatividade dissipada atingiu diversos países e um número ainda maior de pessoas, fazendo vítimas imediatas e, em médio prazo, poderá causar câncer na tireoide de algumas crianças e adultos que foram expostos à radiação do Iodo radioativo (I-131) dissipado na explosão. “Alguns sintomas podem demorar dias, meses e até anos para se manifestar. A exposição à radiação pode trazer consequências que só poderão ser medidas algum tempo depois”, explica o docente.

A ética em torno da energia nuclear

As discussões sobre energia nuclear são antigas e recentes. Quem tem acompanhado os acalorados debates em torno do enriquecimento de Urânio, no Irã, sabe que algo muito delicado e perigoso está por trás disso tudo, mesmo que não compreenda muito bem o assunto.

Radiacao-5E talvez seja esse um dos problemas. A construção de usinas nucleares causa espanto. Porém, o que muitos não sabem é que há leis rígidas que regem tais construções, bem como o manuseio de materiais radioativos. E se todas essas leis, regras e recomendações forem seguidas de maneira correta, com exceção de algumas fatalidades, os riscos são obsoletos. “Há diversas centrais nucleares operando normalmente por um longo período de tempo e nunca houve inconvenientes. O problema é quando acontecem coisas fora do padrão”, afirma Schneider.

Dois exemplos de casos atípicos podem ser citados. Um deles mais recente, ocorrido no Japão, em 2010, onde um terremoto causou o vazamento de 8,5 toneladas de água radioativa. Ou, há 25 anos, em Goiânia (GO), quando o vazamento de Césio-137 fez centenas de vítimas e foi considerado o maior acidente radioativo brasileiro.

O dano causado pelo vazamento de material radioativo no ambiente (na atmosfera ou em corpos de água) está justamente no fato de dispersar a fonte da radiação. “Onde este material estiver passando ou se fixar, haverá emissão de radiação e, consequentemente, dano a qualquer organismo”, explica o docente.

Para entender melhor como uma fonte de radiação atua sobre o seu entorno, Schneider sugere uma analogia: imaginar que uma fonte radioativa seja como uma lanterna. Tampada (blindada), a luz (radiação) será bloqueada. Destampada, por onde a luz (radiação) passar, o local será iluminado (atingido). Se a lanterna sai de um ambiente e passa a iluminar outro, o local anterior já não mais estará sofrendo os efeitos da iluminação/radiação. “Jogar, em um rio, uma fonte blindada de material radioativo, por exemplo, em longo prazo pode causar problemas, na medida que ocorra corrosão e o material radioativo acabe se dispersando na água, espalhando-se”, explica Schneider. “Se você mantém a fonte radioativa blindada, não há problema. Mas, se o material radioativo sair da fonte, a radiação afetará os organismos que estão em volta”.

Cuidado com o que você toma

Radiações perigosas parecem morar apenas em usinas nucleares. Mas, radiações comuns, como a ultravioleta, emitida pelos raios de Sol, podem ser bem prejudiciais, como já é sabido. Da mesma maneira, radiações de raios-X que, em casos extremos, podem causar queimaduras no corpo.

As mais energéticas, no entanto, continuam sendo as radiações gama, emitidas pela desintegração espontânea de certos núcleos atômicos instáveis, os isótopos radioativos, tais como o Césio-137, Selênio-75 e muitos outros, e que, geralmente, protagonizam conhecidas catástrofes. “No caso de Chernobyl, o material radioativo dispersou-se na forma de cinzas e contaminou a atmosfera, água, solos e, consequentemente, pessoas”, elucida Schneider.

Radiacao-6No entanto, até mesmo materiais com alto nível de radiação decaem com o tempo. No caso do Selênio-75 são centenas de dias. Mas, dependendo do isótopo, o processo de decaimento até níveis considerados seguros pode levar milhares ou milhões de anos. O Selênio-75, do episódio do carro roubado no Rio, por exemplo, representa alto risco para o organismo. “Se a pessoa tocasse a fonte, ou ficasse muito perto dela, correria risco de morte em médio ou longo prazo, dependendo do tempo de exposição”, afirma Schneider.

Mas, como já dito no começo da matéria, diversas leis colocam, literalmente, cada equipamento ou material radioativo no seu devido lugar. Existem instruções muito específicas para produção e manejo desses materiais. “Toda fonte radioativa, aqui no Brasil, está identificada e registrada. Quem lida com o manuseio e transporte dessas fontes deve ser pessoal certificado, que recebeu capacitação específica para fazer isso tudo de maneira correta”.

No final da história e depois de tanta informação sobre fontes radioativas, o maior perigo mora no próprio ser humano, já que é necessária muita cautela e, principalmente, muita ética. Pois, como quase tudo que nos rodeia, fontes e materiais radioativos podem ser muito bons ou muito ruins, tudo dependendo do uso que se fará deles.

Assessoria de Comunicação

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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