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19 de abril de 2012

A Física do Futebol

 Pela primeira vez, desde que foi criado, o programa “Ciência às 19 Horas” abordou um tema que é muito querido para todos os brasileiros: o futebol. Essa abordagem não se deu através de aspectos esportivos, competitivos ou técnicos, mas sim utilizando a Física como forma de explicar inúmeros conceitos inerentes a como marcar o golo perfeito, como fazer a bola descrever um ângulo em sua trajetória, ou a forma como reduzir as chances de um goleiro defender um pênalti.

Esta interessante palestra, que decorreu no dia 17 de abril, a partir das 19 horas, no Auditório Prof. Sérgio Mascarenhas (IFSC-USP), esteve sob a responsabilidade da Profa. Dra. Emico Okuno, pesquisadora e docente do Instituto de Física da USP, ao apresentar o tema “A Física do Futebol”. Com bacharelado em Física na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, em 1960, e doutorado na mesma área e universidade, em 1971, a Profa. Okuno fez pesquisa científica em Raios Cósmicos com o Prof. Cesare Lattes, entre 1959 e 1962, tendo estagiado com o Prof. Masatoshi Koshiba (Prêmio Nobel da Física 2002). Experiente na área de Física-Médica – efeitos biológicos das radiações ionizantes e não-ionizantes, proteção radiológica, e biomecânica, e de outras temáticas relacionadas com desastres e acidentes nucleares, Emico Okuno é autora e co-autora de seis livros, entre os quais se conta aquele que deu o título a esta palestra – “A Física do Futebol” –, uma obra escrita em parceria com o Prof. Dr. Marcos Duarte, igualmente docente da USP.

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De trato muito fácil, extraordinariamente alegre, ativa e atenta, a Profa. Okuno sente-se como peixe na água ao falar de Física, a ponto de, por vezes, esquecer que já está aposentada compulsoriamente há cerca de cinco anos: Como eu continuo a dar aulas regularmente, por vezes esqueço que já estou aposentada faz tempo. Mas dou aulas com muito prazer, porque gosto de ensinar, gosto de formar jovens. Tanto Okuno como Marcos Duarte dão aulas a alunos que não pertencem à área da Física – biólogos, farmacêuticos, biomédicos, etc –, ou que simplesmente não gostam dessa área do conhecimento: Esse é o aspecto mais curioso desta nossa postura, devido ao fato de sempre termos apostado – e vamos continuar apostando – na formação dos estudantes. Temos que os atrair para esta magnífica área do conhecimento que se encontra presente em tudo na nossa vida – refere a Profa. Okuno.

A ideia de se falar sobre a Física do Futebol nasceu porque o futebol é a paixão nacional e mundial, sendo que o único país que não se sente tão atraído por este esporte é os Estados Unidos. Até no Japão o futebol é, agora, uma paixão. Os conceitos da física, no futebol, são muito complexos e variados e encontram-se sempre presentes nos jogos. Okuno dá o exemplo da marcação de um pênalti: Você calcula a força do chute do jogador, a intensidade e direção do vento, humidade no ar, o impacto da chuteira na bola e da bola na grama, a velocidade e o tempo que ela percorre até ao goleiro: impossível defender, a não ser por uma questão de sorte, que é o que acontece habitualmente. Repare que muitos goleiros fixam o olhar na coxa de quem vai rematar, tentando adivinhar para que lado é que a bola vai, quando deveriam olhar exatamente para a bola, pois é nela que os efeitos da física acontecem. Geralmente, o posicionamento do corpo de quem remata a gol não indica para que lado vai a bola – muito pelo contrário. Se repararmos com atenção, na grande maioria dos pênaltis os goleiros saem do gol antes dos remates: portanto, como eu já disse, é uma questão de sorte eles pegarem a bola. Por outro lado, quando você vê a bola de futebol descrever uma curva após um remate ou um cruzamento, essa trajetória não é ocasional; o jogador treinou bastante tempo para dar esse particular efeito na bola, ou seja, treinou diversos componentes da Física, sem sequer se aperceber disso. Imagine se ele tivesse estudado um pouco de Física e pudesse aplicar esse aprendizado no jogo: ele seria, possivelmente, muito mais perfeito e eficaz no seu desempenho em campo. Se ponderarmos sobre isso tudo, se essas equações fossem aplicadas nos treinos dos jogadores, acredito que eles aumentariam substancialmente seu desempenho – refere nossa entrevistada.

Os conceitos da física no futebol não passam apenas por aquilo que foi referido acima; eles também passam pela própria estrutura da bola. Antigamente, as bolas de futebol tinham 18 gomos, depois passaram a ter 12 e, seguidamente, apresentaram 32 gomos. Na última copa do mundo, a famosa Jabulani tinha pouquíssimos gomos e tudo isso tem uma influência drástica em termos da física, explica Emico Okuno: Essa questão da Jabulani foi bastante debatida nessa copa, quando muitos jogadores reclamaram da bola, já que eles tiveram bastantes dificuldades, quer no domínio da bola, em passes, cruzamentos, remates, porque ela se comportava de forma estranha, tomava trajetórias diferentes ao que o jogador queria, escorregava e saltitava nas mãos dos goleiros, tudo isso devido à sua composição estrutural.

Quando se realizou o lançamento do livro que deu título a esta palestra do programa “Ciência às 19 horas” – A Física do Futebol – a Profa. Okuno esperava que apenas comparecessem à cerimônia alunos e colegas da USP, mas, de fato, apareceu muita gente ligada ao esporte e ao futebol, em particular, alguns técnicos de futebol e profissionais ligados à área da educação física. No exterior utiliza-se já a ciência para melhorar aspectos competitivos, incluindo o futebol; então, questiona nossa entrevistada, porque não fazer isso também no Brasil, que é o país do futebol?

Para a nossa entrevistada, não é só no futebol que os conceitos da física se fazem presentes, mas sim em todos os esportes que utilizam – ou não – uma bola. Daí que, na opinião da pesquisadora, se todos os atletas tivessem uma formação básica na área da física, eles iriam apresentar um maior desempenho competitivo.


Assessoria de Comunicação

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22 de março de 2012

Prof. João Calixto (UFSC) dissertou sobre Pesquisa e Inovação em Medicamentos

O programa “Ciência às 19 horas” retomou sua atividade neste ano de 2012, recebendo a visita do Prof. Dr. João Calixto, docente e pesquisador do Centro de Ciências Biológicas – Departamento de Farmacologia da Universidade Federal de Santa Catarina-, que proferiu a palestra intitulada “Pesquisa e Inovação em Medicamentos no Brasil: os desafios para reduzir nossa dependência externa”, evento que decorreu pelas 19 horas, no auditório Prof. Sérgio Mascarenhas (IFSC-USP), no dia 20 de março.

Sabendo-se que o Brasil está entre os dez maiores mercados mundiais na área de medicamentos, existe algo contraditório, já que as empresas farmacêuticas nacionais ainda dependem da importação de princípios ativos, principalmente vindos da Índia, China e Coreia, na maior parte das vezes de origem laboratorial duvidosa. João Calixto concorda com essa afirmação, acrescentando que essa é uma questão que não é só aplicada à área dos medicamentos, um problema que acontece em diversas áreas relacionadas também com a média e alta tecnologia:

São problemas que ficam claros quando se observa o déficit comercial brasileiro em quase todas essas áreas. Quanto à área dos medicamentos, que é considerada um bem essencial, envolve uma tecnologia altamente complexa e importante. As grandes empresas que fabricam medicamentos encontram-se sediadas, basicamente, em seis países, mas isso não justifica que o Brasil tenha ficado para trás nessa corrida ou nessa disputa. Extrair petróleo do fundo do mar é mais fácil do que fazer um medicamento: então, porque é que um dá certo e outro não? É tudo uma questão de política de Estado. Principalmente a partir da época do governo militar, foram definidas algumas estratégias consideradas como prioridades do Estado – Petrobrás, Embraer e Embrapa – e que duram até agora, com sucesso. Nesse período, quer a área de medicamentos, quer algumas áreas dedicadas à eletrônica não foram entendidas como prioritárias. Curiosamente, a ciência evoluiu bastante e hoje o Brasil ocupa uma posição estratégica em nível mundial, na área científica, mas não conseguiu acompanhar esse ritmo de desenvolvimento. Por outro lado, as empresas brasileiras, embora tenham parques fabris importantes, ainda têm um peso excessivo de empreendedorismo familiar, ou seja, trabalham em nichos de mercado, sobrevivendo, em grande parte, dos designados medicamentos genéricos, que foram criados há dez anos – refere o pesquisador.joaoifsc500

 Com efeito, e segundo a opinião do Prof. João Calixto, o Brasil possui grandes empresas farmacêuticas – principalmente no Estado de São Paulo -, com capital nacional, mas elas não possuem laboratórios de pesquisa, fazem pouca inovação e quase não se articulam com o meio acadêmico. Sabendo-se que o mercado brasileiro de medicamentos ocupa o sétimo ou oitavo lugar no mundo, é curioso verificar que existe um déficit – recorde-se que o medicamento é um bem essencial, de caráter estratégico. A população vai envelhecendo, vai necessitando de mais cuidados, e o Brasil está com déficit na balança comercial na ordem dos US$ 11 bilhões nas áreas médica e hospitalar. Em comparação, a Índia continua a dar cartas, como explica o pesquisador:

Porque é que a Índia exporta toneladas de princípios ativos? Em 1996/97 houve uma pressão internacional muito forte através da lei de patentes e, nessa época, o Brasil tinha uma dívida externa monumental, quase impagável, e essa questão da lei foi negociada de forma quase impositiva, no nosso país. O Brasil aceitou a pior lei de patentes que se podia imaginar, com implantação imediata, mas retroagindo. Por sua vez, a Índia também foi pressionada, mas ela conseguiu condicionar a sua participação na lei até 2006, ou seja, ela ficou copiando formulações, chamou especialistas do exterior e teve tempo para se modernizar, transformando-se, por fim, num polo importante, jogando o Brasil lá para trás. Daí que tenha sobrado para as empresas brasileiras o conhecido medicamento genérico, mas de uma forma algo desarticulada, sem se ter tido determinados cuidados com sua fabricação. O Brasil importa os princípios ativos, mas depois existem problemas de qualidade do produto, incertezas nas dosagens, variação de preços, etc. Estamos numa situação difícil; somos a sexta economia mundial, um dos países no topo do desenvolvimento científico e, por outro lado, temos estes descompassos – comenta o palestrante.

As relações entre empresas e universidades

Ao longo dos anos e até o atual momento, as universidades e as empresas continuam de costas voltadas, cada uma falando seu idioma: não há uma interação, não há diálogos, apenas monólogos, fato que também tem contribuído para uma espécie de estagnação no setor. João Calixto não sabe se esse problema é uma causa ou uma consequência do que foi referido acima. Na opinião do pesquisador, para algumas pessoas a justificativa poderá estar no fato da ciência brasileira ser ainda muito jovem, mas, segundo ele isso não é justificativa, já que a ciência pode ser jovem, mas nascer moderna.

No Brasil, a ciência virou uma mercadoria de luxo, uma plataforma para enriquecer currículos, um status, em que as pessoas olham para o seu próprio umbigo e não estão nem aí para o país. Dizem, apenas “eu sou um cientista”: isso não existe em nenhum outro país. O cientista tem que estar inserido socialmente onde vive. A ciência não tem pátria, mas o cientista tem: ele tem um compromisso para com seu país, que o está financiando. Essa falta de relacionamento e de diálogo entre universidades e empresas teve origem no falso conceito de que o cientista era dominado pelos interesses econômicos e produtivos das empresas; não há muito tempo atrás, qualquer grupo de pesquisa que trabalhasse com empresas era imediatamente rotulado por seus colegas como “mercenário” e isso é uma ideia completamente retrógrada. O mundo mudou e a visão tem que ser abrangente, moderna, flexível e temos que deixar de construir clones de nós mesmos (alunos). Todo mundo quer estudar para fazer concurso público, para ter um emprego estável, ninguém quer ser inovador, ninguém quer arriscar; o próprio cientista não quer arriscar. E, não tendo riscos, esta nova geração de estudantes, de doutores, vai trilhar os mesmos caminhos de seus mestres e esses caminhos a gente sabe onde vão dar – a uma ciência sem inovação. Para que as ideias, projetos e ações não fiquem amorfos, sempre tem que existir a crítica, salutar e pertinente, construtiva. Já reparou que nosso modelo científico e tecnológico não tem crítica há longos anos? Parece um clube onde seus membros só querem ter elogios, onde todos querem dinheiro mas ninguém fala que é necessário mudar o rumo da ciência do país, que é preciso mais comprometimento, mais e melhor avaliação, mais inserção social, necessidade de ter o setor produtivo do lado dos cientistas. O que todo o mundo quer é ter uma zona de conforto, escrever “papers” ou ver seu nome inserido em alguns, para falsamente engrossar seu currículo: só isso não basta – desabafa João Calixto.

A burocracia do Estado

A burocracia das agências de fomento à pesquisa é um apêndice da burocracia do Estado e, por isso, muita coisa no Brasil foi feita para não funcionar. Esta humorística afirmação de João Calixto foi feita simultaneamante com um sorriso de tristeza, ao exemplificar, de seguida, um caso verdadeiramente estranho:

Vou dar para você um exemplo relacionado com biodiversidade, onde os cientistas recebem dinheiro do Estado para desenvolver pesquisa e que, na sequência, esses mesmos cientistas estão proibidos, por lei, de aplicá-la. Temos casos de indústrias que foram recentemente punidas pelo Estado, porque fizeram experimentos sérios na área de biodiversidade, desenvolvendo produtos inovadores, na sequência de pesquisas subsidiadas. Assim não dá! Então, o Estado paga para não se aplicar a pesquisa? Por outro lado, a burocracia do Estado cobre e protege muita incompetência de todo esse processo; contudo, a burocracia não é culpada de tudo o que acontece. Há no Brasil uma série de leis que justificam aquilo que não devia ser justificado e a burocracia é uma delas. Não se pode reclamar que não existe dinheiro. Existe e muito! Só que o dinheiro que é investido não é proporcional aos resultados que se obtém; não há uma verdadeira estratégia nacional, uma política de Estado para as áreas de ciência e tecnologia – pontua João Calixto.

O futuro

Já que o Brasil não possui centros capazes de fazer inovação, o Prof. João Calixto foi desafiado pelo governo federal para ajudar a neutralizar o grande gargalo que existe na área de medicamentos, através da criação e construção de um centro, com padrão internacional, que seja capaz de fazer essa ligação. O desafio foi aceito, o centro está praticamente pronto, mas o pesquisador se confronta agora com algo inusitado:

Você não imagina o quão difícil está sendo apetrechar o centro com recursos humanos de alta qualidade. É um drama! Você chega à conclusão que, apesar do Brasil formar milhares de doutores, não existe gente altamente qualificada nas áreas de ponta, ou seja, o país é obrigado a trazer especialistas de fora. As pessoas ficam assustadas, mas o certo é que se o país nunca fez medicamentos, como é que se resolve esse problema? Trazendo especialistas de fora para nos ensinar, para nos atualizar e modernizar. Isto é sério! Os cientistas perdem a noção da realidade, pois não saem de dentro da universidade e perdem o compasso – refere João Calixto.

Para o nosso entrevistado, o futuro não vai ser fácil, até porque o país está adiando muitas decisões que já deveriam ter sido implantadas há pelo menos dez anos. Para o nosso entrevistado, o Brasil está formando doutores clones de seus mestres e a tendência é perpetuar procedimentos:

A área de Ciências Exatas está em déficit no país e isso é altamente prejudicial ao desenvolvimento nacional. O país tem que alterar rapidamente o rumo, mas essa mudança de quadrante não vai agradar a muita gente, especialmente aos políticos. Estamos enviando milhares de estudantes para o exterior, através de bolsas de estudo, por forma a se capacitarem, e isso é extraordinariamente positivo, mas levanta uma questão: para que universidades é que esses estudantes e pesquisadores estão indo? Elas são de qualidade? Quando esses estudantes e pesquisadores regressarem, qual será o retorno desse esforço nacional? Não seria mais eficaz e mais barato trazer gente de fora, altamente capacitada, para nos ensinar – como fez a China, Índia e Coreia? Só que os espaços que existem para se fazer estas discussões e reflexões são muito pequenos, ou simplesmente não existem. O futuro está difícil.

 

Assessoria de Comunicação

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