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28 de março de 2011

Profa. Lygia da Veiga Pereira (IB-USP) aborda aspectos políticos da ciência no Brasil

Lygia da Veiga Pereira: carioca, 43 anos de idade, cientista do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) formou-se em Física pela PUC e fez doutorado em Genética Humana Molecular no Mount Sinai Medical Center, em Nova York. Esta pesquisadora brasileira é mundialmente conhecida por ter sido pioneira nas pesquisas sobre células-tronco, já que sua equipe foi a primeira a conseguir extrair e multiplicar células-tronco retiradas de embriões congelados em clínicas de fertilização de São Paulo.

Diversas vezes convidada para participar em entrevistas e debates nos mais consagrados jornais, rádios e canais de TV nacionais e internacionais, Lygia Pereira é uma pessoa que, além do seu profundo conhecimento científico, se mostra descomplicada no diálogo, incisiva e pragmática. Talvez por isso tenha sido convidada para desempenhar as funções de consultora dos atores na novela O Clone, apresentada pela Rede Globo. Lygia Pereira integrou também, e por diversas vezes, inúmeras comitivas de cientistas que se deslocaram a Brasília para conscientizar as autoridades sobre a importância de se prosseguirem os estudos com embriões no Brasil.

Foi com esta mulher e cientista extraordinária que tivemos o prazer de conversar, num diálogo essencialmente voltado à política científica do Brasil.

Quando questionada sobre o crescimento da ciência brasileira na última década, Lygia Pereira mostra-se cautelosa, referindo que só poderia falar em relação à sua área de pesquisa, já que para abordar a ciência, em termos globais, teria que abranger outras áreas do conhecimento, como psicologia ou sociologia, que estão fora do seu escopo. Contudo, a cientista refere que o que aconteceu nos últimos anos foi que a ciência brasileira teve um apoio muito consistente do Governo Federal, embora sublinhe que o Estado de São Paulo seja um caso à parte:

De fato, o Estado de São Paulo tem a FAPESP, que possui um nível de excelência extraordinário e que se mantém inalterável. Foi por causa da FAPESP que eu troquei o Rio de Janeiro por São Paulo, em 1995, e não é fácil para uma carioca dizer isto. Para fazer ciência eu teria que vir para São Paulo, depois de ter passado um período de tempo na “Disneylândia” dos cientistas – Estados Unidos. Então, a FAPESP é uma organização que segue aquele nível de excelência que todo o pesquisador procura. Na verdade, o que eu notei na última década foi que existiu uma maior consistência nos financiamentos oriundos do Governo Federal, principalmente na área das células-tronco. Por outro lado, onde notei que não houve avanço algum foi na burocracia instalada, principalmente na questão da importação de material e de reagentes. Por exemplo, 95% dos reagentes que os cientistas utilizam em seus laboratórios são importados e, em ciência, você precisa ter agilidade: ou seja, se você tem uma idéia nova, uma nova hipótese ou caminho para um trabalho experimental que está sendo desenvolvido, em que é necessário utilizar novos reagentes, é fundamental haver agilidade. Se eu quero fazer ciência de “gente grande” – como se faz nos EUA e na Europa – eu tenho que ter agilidade. Os pesquisadores europeus e americanos têm os reagentes necessários no dia seguinte a fazerem o pedido. Mesmo com o dinheiro na mão, eu só consigo em dois meses – e com alguma sorte – ter o reagente que me faz falta e isso é de uma frustração enorme para qualquer pesquisador, destruindo qualquer intenção científica. Se eu tiver que esperar – na melhor das hipóteses – dois ou três meses para fazer um experimento, então é melhor desistir, pois ele já estará defasado, ultrapassado. Se quisermos ter pretensões de fazer ciência de primeiro mundo, temos que ter agilidade. Nós temos toneladas de excelentes idéias, temos milhares de cientistas bons e é extremamente frustrante termos toda essa capacidade e criatividade e ficarmos esbarrando em besteiras – refere Lygia Pereira.

Para a pesquisadora da USP, as questões burocráticas são um enorme empecilho ao desenvolvimento científico brasileiro e o país perde aí toda sua vantagem competitiva. E Lygia vai mais longe, ao questionar:

Como é que queremos atrair gente de fora (pesquisadores e alunos de pós-graduação) se eles, ao chegar aqui, vão esbarrar com um montão de regras burocráticas inúteis? O meu empregador – o Governo – está me dando dinheiro para eu fazer pesquisa, para fazer Ciência, e é ele próprio o criador de uma série de dificuldades que impede que eu realize o trabalho que ele me encomendou – um trabalho que é um investimento público. No meio disto tudo, a boa notícia é que tudo aquilo que eu acabo de dizer está dependente de vontade política. Não se trata de dar mais dinheiro para a Ciência e Tecnologia: o que se trata é de, com o mesmo dinheiro, o Governo pode criar mecanismos para facilitar a vida do pesquisador, já que esse dinheiro poderá gerar muito mais produtividade. Veja a oportunidade que este novo Governo tem de realmente entrar para a história da Ciência brasileira! Se houver vontade política, principalmente no que diz respeito à importação de materiais e contratação de pessoal técnico e de apoio, o cientista ficará com sua vida facilitada, será mais ágil no desenvolvimento de seus experimentos, acrescenta a cientista.

Atendendo a que 99% da ciência do Brasil é feita nas universidades – estaduais e federais –, Lygia Pereira critica fortemente o sistema, principalmente na necessidade de abrir morosos concursos públicos e da criação de vagas para admissão de novos pesquisadores, considerando essa regra como uma burocracia inútil:

O Brasil está formando milhares de pesquisadores e as universidades estão impedidas de absorver essa mão de obra altamente qualificada, devido à burocracia. É preciso que se formem mais profissionais e menos funcionários públicos para a ciência brasileira; deverá haver mais meritocracia, pois, atualmente, quem é bom pesquisador, ou técnico, ganha o mesmo de quem é ruim. Outra coisa aberrante é a falta de infraestrutura administrativa, em que um pesquisador tem que parar o que está fazendo para, por exemplo, fazer contabilidade, aceder a pedidos, tratar da correspondência, escrever cartas, até colocar papel toalha no laboratório, etc. Isso é um absurdo. Todos esses serviços – que são importantes e mesmo indispensáveis – devem ser executados por pessoal administrativo e de apoio devidamente capacitado e não pelos cientistas, que têm que pensar e trabalhar em ciência, pois é para isso que são pagos, acrescenta Lygia Pereira.

Na opinião da cientista, a ciência brasileira avançou na última década, mas não da forma espetacular como a mídia enfatizou. Para Lygia Pereira, os principais destaques da ciência nacional estiveram quase sempre atrelados a grupos de cientistas que trabalham no exterior e que estabelecem parcerias fantásticas com colegas brasileiros, ou então graças a pesquisadores brasileiros que vão trabalhar para fora e que têm chance de desenvolver com rapidez os seus experimentos. Quanto ao futuro, a pesquisadora da USP tem esperança que o Governo quebre as dificuldades:

De fato, penso que os avanços da ciência brasileira, na última década, foram muito modestos face ao potencial que o país tem. A minha expectativa, para um futuro a curto e médio prazo, é que o Governo comece a ouvir todas as questões que impedem o desenvolvimento científico nacional. Existe um movimento dentro da comunidade científica nacional que quer mostrar aos governantes que “o rei vai nu”: fazem-se pesquisas, publicam-se papers… mas é obrigação do Governo reparar quais são as condições de trabalho que os pesquisadores brasileiros têm… A comunidade científica vai começar a reclamar, mas de uma forma construtiva, com diálogo, apontando os desperdícios de dinheiro público e de energia. A mídia já está dando espaço para essas reclamações, já virou assunto de pauta, e eu estou muito esperançada que este novo Governo veja aí uma oportunidade para, sem botar a mão no bolso, melhorar muito as condições de pesquisa no país, enfatiza a cientista.

Dando como exemplo a enorme distância que ainda separa a ciência brasileira da ciência americana, dentro de sua área de pesquisa, Lygia Pereira refere que o intervalo tecnológico, na área de genética, por exemplo, é cada vez maior. Nos anos 80/90 apareceram no mundo centenas de grupos que se uniram para seqüenciar o genoma humano, tendo demorado cerca de quinze anos para fazer isso. Hoje já existem máquinas que seqüenciam o genoma humano em um mês:

Basta ver de que forma é tratado o processo de aquisição de um equipamento como esse – ou similar – no Brasil. O equipamento chega no nosso país e aí assistimos a uma verdadeira novela para que ele seja liberado pela alfândega. Depois, seja qual for o instituto para que esse equipamento se destine, ele chega e os pesquisadores têm, desde logo, que pensar em ultrapassar e arranjar alternativas para a péssima assistência técnica que a maioria das empresas brasileiras fornece, porque o pesquisador responsável não pode contratar um técnico ou mandá-lo ao exterior para se especializar, enfim, é de chorar. Você tem uma máquina super complexa e até esse equipamento começar a funcionar plenamente você já perdeu a cabeça e fica com um elefante branco no laboratório: quando chegar o momento dessa máquina começar a gerar resultados, ela já estará obsoleta e você jogará fora uma fortuna. Teria ficado mais barato você ter enviado seu experimento para uma empresa terceirizada na China. Então, dadas as condições que temos no Brasil, eu pergunto: o que é mais importante, por exemplo, dentro da genética? Fazer um seqüenciamento, ou saber interpretar uma sequência? Vale a pena terceirizarem-se essas técnicas mais sofisticadas, já que estamos fadados a comprar equipamentos mais caros, sem termos a garantia de uma assistência técnica nacional qualificada e ágil? Temos que pensar seriamente em tudo isso. Por exemplo, o Projeto Genoma, da FAPESP, foi uma iniciativa sensacional, mas talvez se tenha perdido ali uma oportunidade. Será que é mais importante a gente criar toda uma infraestrutura de laboratórios capazes de seqüenciar DNA, ou ter-se criado, ao mesmo tempo, uma infraestrutura equivalente de bioinformática, com gente capaz de interpretar essas sequências? Nós temos uma falta enorme de bioinformáticos no Brasil. Criou-se uma infraestrutura enorme, em termos de seqüenciamento, sem geração de matéria-prima – que é a informação que você tira dessa sequência – e é isso que faz a diferença, porque a tecnologia está tomando uma dimensão enorme na ciência, esclarece Lygia Pereira.

Na reta final desta conversa, Lygia Pereira refere que se deveria parar para pensar direito no que é de fato importante. Para a cientista, as pessoas têm preconceitos em terceirizar experimentos, enquanto nos EUA e na Europa isso é um lugar comum. Todas as universidades dos EUA têm laboratórios fora de seus campi para processarem uma série de técnicas e dar um suporte eficaz aos experimentos científicos, dando os resultados, as interpretações: para a nossa entrevistada isso é que é importante para um cientista.

Quando pedimos para Lygia Pereira deixar uma mensagem para seus colegas pesquisadores, ela rematou:

A mensagem que eu deixo para meus colegas cientistas é a seguinte: Parabéns!… Vocês são heróis!

Rui Correia Sintra – Jornalista – Assessoria de Comunicação

Data: 28/03/201

 

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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