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12 de março de 2012

Língua eletrônica brasileira é mais sensível que outras tecnologias ou humanos

A língua eletrônica, um projeto que vem sido desenvolvido por uma equipe brasileira de pesquisadores há mais de dez anos, utiliza inteligência artificial, sensores super sensíveis e capacidade de reconhecimento molecular para aplicações industriais e até médicas, tornando o projeto brasileiro o mais inovador da área na última década

O projeto surgiu a partir da demanda industrial no que diz respeito à degustação, por exemplo, de fármacos ou de outros alimentos não facilmente palatáveis, casos em que o uso de humanos não é viável. Além disso, para controle rotineiro de qualidade, ter um painel de humanos costuma ter um custo muito elevado. “Claro que o trabalho de degustadores não será eliminado, pelo contrário, será muito mais valorizado”, comenta o professor Osvaldo Novais de Oliveira Junior, pesquisador do IFSC e um dos colaboradores do projeto. Mas com a língua eletrônica, os resultados podem ser muito mais rápidos, menos subjetivos, e mais viáveis financeiramente.

evento_31102006_1A língua eletrônica é, na verdade, um conjunto de sensores que tenta mimetizar o funcionamento da língua humana. Sabe-se, atualmente, que os sensores biológicos contidos na língua humana são capazes de identificar cinco sabores básicos (salgado, doce, azedo, amargo e, o mais recente deles, pensado pelos asiáticos, umami – o sabor do peixe cru) e enviar sinais de combinações entre eles para o cérebro.

Com o objetivo de combinar as respostas do equipamento desta mesma forma, ao invés de utilizar apenas um material com sensor, usa-se diversos materiais diferentes. Essa chamada seletividade global, o princípio segundo o qual o sabor é decomposto em alguns sabores básicos, distingue-se da seletividade específica, que é a detecção de substância química. No paladar humano isso não ocorre. Por exemplo, no café há centenas de substâncias químicas, mas não é necessário que saibamos quais são essas substâncias para sabermos que estamos bebendo café. O odor também tem este tipo de característica: não é necessário identificar moléculas para saber o cheiro. O princípio da seletividade global postula que se distinga nuances destes sabores básicos, por isso a importância de ter muitos sensores.

Os sensores são fabricados a partir de filmes poliméricos ou filmes de biomoléculas, e em nenhum destes casos é possível conseguir uma reprodutibilidade alta, ou seja, duas unidades sensoriais nominalmente idênticas – produzidas com os mesmos materiais e nas mesmas condições – não apresentam propriedades iguais.

Suponhamos que seja necessário comparar dois sabores em que apenas a acidez varia muito pouco. O ideal seria ter o sensor em um material cujas propriedades elétricas dependessem muito da acidez, ou seja, do pH. Alguns polímeros condutores são extremamente sensíveis a mudanças de pH, então estes materiais são ideais para detectar sabores ácidos. Entretanto, no caso de duas substâncias com pequenas variações nos sabores doce ou amargo, não haverá grandes mudanças no pH ou na quantidade de íons da amostra, o que tornaria inviável o uso de polímeros condutores.

Não há um estudo que pré-determina o número de sensores necessários para se obter a variedade de resposta desejável para obter como que uma “impressão digital” de cada amostra de alimento estudado, reproduzindo a combinação de sabores da maneira como cérebro a capta. “Podemos, por exemplo, utilizar o mesmo material, com sensores de características diferentes, como a espessura e a técnica de fabricação do fio”, explica Osvaldo. Os sensores produzidos com materiais inorgânicos, uma opção a ser explorada pela equipe, pode apresentar maior reprodutibilidade e otimizar a análise de alguns tipos de materiais. Contudo, é possível que a sensibilidade do sensor seja menor. “Para aplicações comerciais, seria a melhor saída”, vislumbra o pesquisador do IFSC.

Dez anos de pesquisa

O primeiro trabalho da equipe brasileira que trabalha no projeto foi publicado em 2002, relatando os sucessos do equipamento com base na técnica de espectroscopia de impedância. Esta é uma inovação que se mostrou superior às outras técnicas utilizadas em outros projetos internacionais e gerou grande repercussão na imprensa global como a primeira língua eletrônica de grande capacidade, que podia distinguir todos os sabores básicos, além de águas de coco e amostras de água com pequenas quantidades de poluentes.

Desde essa época, muitos avanços tem sido alcançados através do esforço conjunto de pesquisadores brasileiros, que hoje inclui a Escola Politécnica da USP, a Embrapa Instrumentação, a Unesp, de Presidente Prudente, a UFSCar, de Sorocaba, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, de Ribeirão Preto, a Universidade Federal de Rondônia, o ICMC-USP e o IFSC-USP.

Em 2004, um artigo foi publicado apresentando a capacidade da língua eletrônica brasileira de distinguir complexas amostras de safras de vinhos. “Conseguimos descobrir se o vinho, que era feito da mesma uva e pelo mesmo produtor, provinha de uma safra diferente”, explica o professor. Para atingir uma precisão tão grande com uma amostra tão complicada, como é o vinho, é necessário tratar os dados com métodos especiais: neste caso, foi utilizado um método baseado em redes neurais artificiais.

Depois disso, uma grande superação foi conseguir fazer a língua eletrônica distinguir sabores bons de sabores ruins, ou seja, decodificar, a partir da perspectiva humana, os sabores agradáveis e os sabores desagradáveis. Uma perspectiva mais subjetiva para um equipamento eletrônico. “Mostramos que era possível, através de inteligência artificial e do aprendizado de máquina, correlacionar as medidas da língua eletrônica às notas atribuídas por degustadores da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC) a amostras de café”, comenta o pesquisador. “É possível ensinar ao equipamento o que é gostoso e o que não é”, completa.

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Aplicações médicas

O conceito de língua eletrônica foi também estendido ao conceito de biossensores. “Nós não temos na nossa unidade sensorial um equipamento que reconheça especificamente a molécula que queremos detectar, mas logo percebemos que não há motivo para essa limitação”, observa Osvaldo. Os pesquisadores poderiam selecionar várias unidades que têm a capacidade que chamam de reconhecimento molecular. Um exemplo dado pelo colaborador do IFSC é um par antígeno-anticorpo: os antígenos são moléculas específicas que reconhecem apenas o anticorpo característico daquele antígeno. Este é o princípio que é empregado nos biossensores para análises clínicas, no diagnóstico de doenças. “O antígeno reconhece um anticorpo específico e, se isso der um resultado positivo, significa que o indivíduo está doente”, explica ele.

Em 2007, o equipamento foi utilizado com sucesso neste conceito estendido, ou seja, algumas das unidades sensoriais tinham a capacidade de reconhecer moléculas específicas e, portanto, detectar diversas doenças. “Esse é o diferencial que torna nosso projeto pioneiro no mundo”, aponta Osvaldo. Dentre os resultados obtidos no âmbito desta aplicação, os pesquisadores foram capazes de fabricar um biossensor que distingue a Leishmaniose da Doença de Chagas, doenças muito similares e que, mesmo com os imunossensores mais sofisticados, ainda ocasionavam falsos positivos (veja reportagem aqui). 

Visualização de informação

Em suma, em dez anos de pesquisa, o grupo pôde mostrar amplas aplicações em diversos tipos de alimentos – em geral líquidos, que torna a obtenção das medidas elétricas mais fáceis por serem amostras homogêneas -, além da capacidade do equipamento de distinguir sabores agradáveis dos desagradáveis ao humano e a possibilidade de formar um arranjo de unidades sensoriais capazes de reconhecimento molecular específico para análises clínicas. Mas não para por aí. Neste ano, um artigo divulgou novos resultados de experimentos realizados nos últimos três anos, baseados em uma área de pesquisa relativamente recente, chamada “visualização de informação”. Utilizada principalmente por cientistas da computação, as técnicas de tratamento de dados, oriundas desta área, são muito úteis na análise de grandes quantidades de informação, comunicando as informações através de meios gráficos funcionais.

A chave para o sucesso do trabalho foi a união de diversas metodologias: os filme ultrafinos são nanoestruturados, o que significa que as unidades sensoriais são fabricadas a partir de técnicas de nanotecnologia; a biotecnologia envolvida no trato dos materiais biológicos que compõem estes filmes, e o processamento de dados através da visualização de informação. “Isso, obviamente, ainda pode ser aplicado a outras doenças”, comenta Osvaldo.

Neste artigo, de janeiro de 2012, os resultados vão além do uso de técnicas computacionais. “É muito importante pra nós descobrir qual é a melhor combinação de sensores ou de características de sensores para uma determinada aplicação”, observa o pesquisador. Não existe um modelo e teoria para fazer tal previsão, o que significa que o trabalho precisa ser feito empiricamente. O desafio é que as variáveis, ou seja, o número de possibilidades de combinação, são muito grandes, por isso é necessário empregar um método de otimização.

“Otimização é uma área de pesquisa bastante explorada, que funciona como um atalho para obter um bom desempenho do projeto sem que se faça todos os experimentos, um a um”, explica ele. Assim, os pesquisadores procuraram verificar qual a correlação das propriedades dos filmes com a capacidade de sensoriamento.

Super sensíveis

A segunda superação apresentada neste artigo é o desafio da altíssima sensibilidade dos sensores. “Em geral, quando se tem um líquido em contato com uma superfície, qualquer alteração da superfície ou das propriedades do líquido acaba modificando as propriedades elétricas da amostra, o que logo é transmitido ao sensor, por isso a sensibilidade é tão alta”, conta o pesquisador do IFSC-USP. Entretanto, o que os pesquisadores não sabem é como se dão as interações a nível molecular, ou seja, ninguém sabe por que a sensibilidade é tão alta. Para isso, o grupo tem aplicado metodologias teóricas e experimentais para desvendar o mistério da alta sensibilidade. Dentre as técnicas experimentais, eles têm utilizado, em parceria com a Unesp de Presidente Prudente, a espectroscopia Raman, que serve para sensoriamento de moléculas isoladas entre um grande conjunto de outras moléculas. Pôde-se verificar, então, como esta técnica poderia auxiliar no entendimento das alterações das propriedades elétricas das amostras de interesse biológico do projeto.

“Fora do ponto de vista da aplicação, este último trabalho tenta entender esta sensibilidade para melhor manipulá-la, mas não esperávamos respostas definitivas porque não há instrumentos disponíveis para isso”, reflete Osvaldo. No entanto, o trabalho já aponta para uma adsorção das moléculas nos filmes, responsável por parte das alterações das propriedades elétricas e pela detecção dos sensores. “Não resolvemos todos os problemas, de origem na Física e na Química básica, mas é um passo”, completa.

Mas por que o assunto é tão atual, mesmo depois de dez anos de pesquisa? Primeiro, devido a este mistério, que impede a pré-definição dos materiais utilizados como sensores. Segundo, porque a aplicação ainda não está disponível e difundida no mercado. Nas aplicações mais nobres, a alta sensibilidade dos sensores é o próprio “calcanhar de Aquiles” do projeto, porque qualquer mudança do material significa mudança nas propriedades, o que exige a substituição de alguma unidade sensorial. Então, para obter dados de uma série de amostras, seria necessário recalibrar todo o sistema, ou a língua eletrônica forneceria resultados diferentes. “Ainda precisamos resolver este problema para colocar uma língua eletrônica de alto nível no mercado”, conta Osvaldo.

Como é impossível ter dados idênticos, devido à variabilidade intrínseca aos sistemas, é preciso lidar tanto com as amostras quanto com os materiais através de métodos computacionais. Isso ressalta a importância da parceria com o ICMC, já que uma das possibilidades mais fortes de solução deste problema é fazer o mapeamento de dados de amostras, que são semelhantes mas não idênticas, através de software, pra não ter que refazer todas as medidas.

“Esta é uma meta que perseguimos pensando a longo prazo, porque ainda há muito trabalho à frente, então a língua eletrônica continuará sendo notícia”, reflete Osvaldo, que afirma que sua maior colaboração no projeto é uma perspectiva interdisciplinar “Acho que é essencial combinar diferentes tecnologias, pensando em obter resultados mais significativos”, finaliza ele.

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Para ler o último artigo na íntegra, clique aqui (em inglês).

Com imagens da Embrapa Instrumentação

Assessoria de Comunicação

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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