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2 de julho de 2015

Os desafios da nanotecnologia a serviço da medicina

Com a rápida evolução verificada nas últimas décadas nas áreas da ciência e tecnologia, mais perceptível e plenamente compreendida pelas sociedades científica e acadêmica, torna-se inevitável que o cidadão comum fique, na sua grande maioria, afastado dos grandes avanços, principalmente aqueles que estão diretamente ligados à sua saúde e bem-estar. Embora ocupe um espaço de primordial importância na sociedade, que influencia todos os restantes setores produtivos, a medicina continua – e continuará sendo – a pedra basilar para o bem-estar da sociedade e para o desenvolvimento social, traduzido na riqueza de qualquer nação.

A nanotecnologia veio revolucionar a medicina dita tradicional, com a introdução de novos conceitos e métodos nunca antes imaginados, que aumentaram a esperança de vida para milhões de pessoas, prevenindo, combatendo ou mesmo eliminando determinadas doenças que, até há bem pouco tempo, eram sinônimo de óbito.

E é para o cidadão comum que elaboramos esta matéria, na esperança que ele possa ter uma informação que, embora condensada, possa colocá-lo a par de tudo aquilo que está, hoje, ao seu alcance.

NANOTECNOLOGIA_250A nanotecnologia*, ou nanociência, área em que se estuda a combinação de átomos e moléculas para a obtenção de novas ou melhoradas propriedades de materiais, tem se destacado como campo promissor para o desenvolvimento de novas tecnologias, cujas aplicações são executadas em diversos setores, incluindo o de saúde, energia e alimentos. Essa área de estudo ganhou repercussão após a famosa palestra ministrada pelo físico Richard Feynman, no encontro da Sociedade Americana de Física, que foi organizado pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia – Caltech, na noite de 29 de dezembro de 1959, no hotel Huntington-Sheraton, em Pasadena, nos Estados Unidos.

Na ocasião, Feynman – que recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1965, devido aos seus estudos sobre eletrodinâmica quântica – questionou se era possível escrever os 24 volumes da enciclopédia britânica na ponta de um alfinete, tendo enaltecido a frase que, além de ter aparecido como título em sua apresentação, é sempre relembrada por docentes e pesquisadores: Há muito espaço lá embaixo. Hoje, seus pensamentos, que inclusive lhe deram o título de “profeta”, são pilares que baseiam a nanotecnologia, área que se consolidou na década de 1980.

Com o fortalecimento da nanociência, muitos grupos de pesquisa começaram a trabalhar com a teoria da nanotecnologia, enquanto outros produziam e estudavam os materiais nanométricos. Nessa época, essas equipes já eram integradas por físicos, químicos, engenheiros, biólogos, entre outros especialistas. No final da década de 1990, os pesquisadores já combinavam nanopartículas com moléculas biológicas, ou seja, a partir dali, já foi possível ligar nanopartículas de ouro, ferro, ou até de prata, em enzimas, anticorpos ou proteínas.

Nanomedicina

Com a citada inovação, os nanomedicine_-_copyright_-_the_scientist_300materiais híbridos, que são desenvolvidos a partir de compostos orgânicos e inorgânicos, permitiram executar grandes avanços na medicina. O Prof. Dr. Chad A. Mirkin, diretor do International Institute for Nanotechnology, da Northwestern University, EUA, foi um dos cientistas pioneiros na produção de partículas poli ou multifuncionais, capazes de agregar diferentes funções físico-químicas ou biológicas em um só material. Dentro dessas partículas poliméricas, que eram protegidas por anticorpos, pesquisadores inseriam determinado fármaco que atuava como princípio ativo. Nascia nessa época a nanomedicina, que hoje é constituída por três grandes vertentes, sendo elas: nanomateriais para diagnóstico; nanomateriais para medicina regenerativa; e nanomateriais para terapia.

Nanomateriais para diagnóstico:

Por sua vez, a nanomedicina tem revolucionado os diagnósticos de diversas doenças, por meio de técnicas baseadas em magnetismo, ou através da construção de dispositivos eletrônicos, tais como os biossensores e genossensores.

Atualmente, acredita-se que as Imagens por Ressonância Magnética (IRM) sejam as principais ferramentas para diagnóstico de câncer. Contudo, em situações em que o tumor é muito pequeno, ou o órgão afetado não tem diferença de densidade de tecido, o médico não é capaz de identificar a anomalia. Nesse caso, a nanomedicina tem se tornado uma opção fundamental, já que viabiliza a produção de nanopartículas superparamagnéticas de óxido de ferro – nanoímãs atóxicos – que, ao serem inseridas em um paciente com tumor, se localizam ao redor da anomalia, dando contraste nas imagens de Ressonância Magnética e permitindo que o especialista analise a região tumoral com mais facilidade.

materiais_para_nanodiagnstico_-_212_-Hoje, também existem nanopartículas fluorescentes que, quando recobertas com anticorpos que identificam tumores, são inseridas em modelos animais, onde se localizam próximas ao tumor e, com um microscópio de fluorescência, o médico é capaz de identificar a área onde a luz está sendo emitida por esses nanomateriais, diagnosticando o local exato da anomalia. Essas nanopartículas fluorescentes, conhecidas também como pontos quânticos (quantum dots), embora potencialmente tóxicas, sua grande eficácia já é reconhecida pela comunidade médica e científica.

Além dessas nanopartículas, os biossensores – dispositivos eletrônicos capazes de detectar proteínas, enzimas ou metabólitos – têm permitido o diagnóstico, inclusive precoce e preditivo, de diversas doenças, como diabetes, hipertensão, infarto do miocárdio, etc., ou acompanhar moléculas de interesse como colesterol, glicose, etc. Além de serem de fácil manuseio, esses pequenos equipamentos são de baixo custo, podendo ser utilizados pelos próprios pacientes e adquiridos em farmácias.

Outros equipamentos que têm reforçado a área de diagnósticos são os genossensores, dispositivos cujos princípios são semelhantes aos dos biossensores, porém, o método de detecção é feito através de uma sequência de DNA implantada no pequeno aparelho, que denuncia anomalias no gene do paciente.

Nanomateriais para medicina regenerativa:

A área de nanomateriais para medicina_regenerativa_300medicina regenerativa tem permitido melhor crescimento e reparação de tecidos ou ossos do corpo humano, em razão do desenvolvimento das nanopartículas. Hoje, por exemplo, pesquisadores recobrem próteses, sejam elas de titânio ou polímero, com camadas de nanopartículas com hidroxiapatita, principal composto do osso humano. Com isso, o processo de crescimento dos tecidos ósseos sobre as próteses é bem mais rápido do que o comum.

Acredita-se que a terapia celular com células-tronco é capaz de revolucionar a medicina, devendo viabilizar a cura de diversas doenças que hoje ainda não têm solução. Contudo, há enorme dificuldade na inserção dessas células dentro do corpo humano, o que pode resultar no desenvolvimento de tumores. Porém, graças à nanomedicina, hoje é possível regenerar áreas de tecidos humanos com células-tronco, através de moldes com nanofibras que permitem o encaixe e reparação perfeitos das células-tronco em determinada região corpórea.

Nanomateriais para terapia:

nanomateriais_terapia_-_copyright_-_Exponent_300A nanomedicina também tem cooperado no processo de distribuição de drogas pelo organismo humano. O ideal de um fármaco é que, quando ingerido, seu efeito se mantenha ativo durante dias, para que o paciente não tenha que se medicar diariamente. Esse processo é conhecido como Smart Drug Delivery e, com a nanomedicina, se tornou possível o desenvolvimento de nanocápsulas carregadas com determinado princípio ativo e revestidas por anticorpos que mantêm esses nanomateriais próximos ao alvo, tal como um tumor. Além de não espalhar a droga por todo o organismo, a nanocápsula controla a liberação da droga, mantendo o efeito do medicamento ativo e controlado no nível ideal, o que dispensa a necessidade de ingerir o remédio diariamente.

A técnica de hipertermia, que consiste na elevação da temperatura do corpo, também sofreu evoluções graças à nanomedicina. No caso da hipertermia por campo magnético, especialistas inserem os já citados nanoímãs ao redor de um tumor e, com uma máquina, aplicam um campo magnético que agita os ímãs que esquentam e combatem a anomalia.

No método de hipertermia por laser infravermelho – luz que é absorvida pela nossa pele -, os pesquisadores inserem bastões em escala nanométrica próximos à região tumoral, para que absorvam a luz infravermelha, matando o tumor.

Nanotoxicologia

Assim como a nanomedicina, a nanotoxicologia_250nanotoxicologia também compõe a estrutura da nanociência. Hoje, cerca de mil e seiscentos produtos disponíveis no mercado, incluindo tintas, cosméticos, raquetes de tênis, entre outros materiais do cotidiano, são fabricados com nanomateriais, que são facilmente manipulados pelo ser humano e encontrados no meio-ambiente. Neste sentido, a nanotoxicologia tem oferecido informações significativas a respeito do nível de toxicidade desses nanomateriais, norteando a atuação de agências reguladoras, tal como a ANVISA**, já que ainda não existem testes específicos para a regulamentação desses materiais.

GNano

portal20141219_22_250Em 2012, o Prof. Dr. Valtencir Zucolotto, docente do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), fundou o Grupo de Nanomedicina e Nanotoxicologia (GNano), um dos grupos pioneiros no Brasil no desenvolvimento desses nanomateriais, além de ser um dos poucos grupos no mundo que trabalham com as diversas áreas da nanotecnologia, incluindo a concepção e caracterização de nanopartículas, uma combinação desses materiais com moléculas, anticorpos, proteínas e enzimas, além da aplicação desses compostos em medicina, especialmente no diagnóstico e tratamento do câncer, bem como em doenças infecciosas e cardiovasculares.

Em paralelo, o GNano, que ZUCO1_350hoje é composto por físicos, biólogos, biotecnólogos, químicos, engenheiros, farmacêuticos, biomédicos e médicos, também tem se destacado pelas suas pesquisas na área de Nanotoxicologia. Temos conseguido reunir membros das áreas mais relevantes para a nanotecnologia; acredito que essa composição interdisciplinar é o grande diferencial do Grupo, afirma Zucolotto.

O GNano também é um dos grupos pioneiros no Brasil na produção, funcionalização, caracterização e avaliação de testes de nanomateriais, tanto em saúde humana, quanto em meio-ambiente, através de estudos conhecidos como nano-ecotoxidade. Zucolotto e seus pesquisadores têm desenvolvido novos métodos, inclusive, para entender como um nanomaterial pode ser tóxico para uma célula humana. Além disso, o Grupo também está inserido na NANoREG***, uma plataforma européia com foco na regulamentação em nanotecnologia, que foi criada há alguns anos através da iniciativa de diversas entidades da União Européia.

Em suma, embora tenha que enfrentar inúmeros desafios, a nanotecnologia tem apresentado diversos avanços, principalmente na área médica. Com sua crescente evolução, acredita-se que a nanociência seja responsável por grande parte da solução de diversos problemas que ainda existem, sobretudo os existentes nas áreas da saúde, alimento e energia.

Mais informações: www.nanomedicina.com.br

*Área em que se trabalha com materiais em escala nanométrica, ou seja, elementos tão pequenos quanto átomos, ou moléculas;

**Agência Nacional de Vigilância Sanitária;

***A common European approach to the regulatory testing of Manufactured Nanomaterials.

(Fotos: Nanomaterials Therapy “Exponent” / Nanomedicine “The Scientist”)

Assessoria de Comunicação

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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