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29 de novembro de 2011

Os cuidados com os vários tipos de lixo

Vivendo em um mundo em que o apelo à preservação ambiental e o cuidado com a saúde são as prioridades mais imediatas do homem, nós nos vemos constantemente em contato com campanhas de conscientização e alertas da mídia e de autoridades sobre como lidar com o lixo que produzimos. Reduzir, reutilizar e reciclar – estes verbos parecem ser o lema da modernidade, a maneira mais acessível à população de participar das investidas sustentáveis e conviver com a natureza o mais harmoniosamente possível. Mas, além do lixo doméstico, há outros tipos de lixo que necessitam de cuidados especiais e podem causar danos severos ao meio ambiente e ao ser humano – lixo hospitalar, lixo químico, lixo nuclear. Como eles estão sendo tratados? Devemos nos preocupar?

Lixo1-180x180No Brasil, mais de 115 mil toneladas de detritos são produzidos dentro das residências e descartados diariamente, o que corresponde a 70% de todo o lixo produzido por cidade brasileira, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A legislação do Estado de São Paulo apresenta leis específicas para o descarte do lixo, obrigando, por exemplo, condomínios com mais de cinquenta unidades, shoppings, prédios comerciais e indústrias a separar seu lixo e destiná-los a coleta seletiva para posterior reciclagem. Para os lixões e os aterros sanitários só deverão ser levados materiais orgânicos, como restos de comida, e outros materiais não reaproveitáveis, como isopor, papel higiênico e espelhos.

Contudo, segundo dados assombrosos do Centro de Capacitação e Pesquisa em Meio Ambiente (Cepema-USP), do total de lixo produzido nas casas, apenas 2% é destinado à coleta seletiva de fato, devido a fatores como a própria falta de trato dos detritos por parte da população, o descuidado de empresas de limpeza geral locais em sua separação e ocasionalmente a dificuldade de acesso a estes serviços em algumas cidades brasileiras.

Para amenizar este quadro e fazer valer a legislação, além dos cuidados que cabem à prefeitura, como contratação de empresas de limpeza eficazes, os cidadãos podem tomar alguns cuidados que contribuem para a redução da quantidade armazenada em lixões e aterros sanitários que já vêem sua capacidade máxima no limite. Além disso, a coleta seletiva e a reciclagem impulsionam fortemente a geração local de empregos, já que não demandam, em sua maioria, qualquer especialização, e oferecem a oportunidade de uma fonte de renda a milhares de trabalhadores brasileiros, caracterizando também uma atividade empresarial com grande caráter social. Isso sem mencionar, é claro, uma consciência limpa, primeiro sintoma de contribuição efetiva.

Há medidas simples que podem ser adotadas dentro das residências e ter um impacto enorme nestas estatísticas, a começar, logicamente, pela limpeza e separação de papéis, vidros, plásticos e metais. A reciclagem destes materiais facilita o trato do lixo pois o tempo que demoram pra se decompor é assustador – o plástico demora 450 anos, o alúminio demora 200 anos e o vidro, até 1 milhão de anos. Além disso, reciclar materiais causa uma grande economia nos recursos naturais que se utilizaria para fabricá-los outra vez. Novamente, segundo dados da Cepema-USP, uma tonelada de papel reciclado poupa aproximadamente 22 árvores, 75% de energia elétrica e polui o ar 74% menos do que a produção de papel com matéria-prima virgem. A compostagem doméstica também é uma solução, pode ser feita em um tambor simples de plástico e, se aliada a um triturador para moer restos de comida, pode reduzir em 60% o lixo produzido por uma família. O triturador de lixo na pia também é uma boa alternativa, reduzindo a produção do lixo orgânico ao levá-lo a estação de tratamentos de esgoto, sem gastar mais energia do que uma lâmpada 100 watts. A separação do óleo de cozinha e encaminhamento para uma ONG responsável pela coleta em sua cidade, que pode fazer uso do material para produção de biocombustível ou sabão também pode funcionar de uma maneira impressionante, já que se estima que um litro de óleo de cozinha possa contaminar até 20 mil litros de água potável.

Estas são medidas simples, seguras e limpas que, se adotadas em cada residência do país, podem reduzir significativamente o impacto da presença do homem no planeta. Mas e os outros tipos de lixo, produzidos por grandes indústrias, por centros de pesquisa, por centros de saúde? Quem se responsabiliza por eles? Para onde eles vão? Qual é o perigo da toxicidade que eles produzem?

O problema do lixo hospitalar

quadro1_lixohospitalarO lixo hospitalar constitui um dos maiores riscos de detritos produzidos pelo homem na atualidade. Em setembro deste ano, o Estado do Pernambuco ficou alarmado com o caso da importação de mais de 50 toneladas de lixo hospitalar dos Estados Unidos para reutilização em empresas têxteis, e não sem motivo. Representando até 3% dos resíduos urbanos, este tipo de lixo é um enorme perigo à saúde e ao meio ambiente se não tratado corretamente, podendo contaminar o solo, o ar, águas superficiais e profundas, além de causar diversos tipos de acidentes com humanos que porventura tenham contato com estes materiais (o que não é raro, já que frequentemente somos noticiados sobre crianças brincando em aterros com lixo hospitalar ou catadores se alimentando de carne humana depositadas inadequadamente) e também contaminações por microorganismos causadores de doenças. Os elementos produzidos pelo mau descarte destes resíduos, como metais pesados, cianetos, ácidos, óleos e solventes forçam os países desenvolvidos a adotarem medidas extremamente cautelosas e oferecem tratamento especial ao que chamam de resíduos “perigosos”, “patogênicos” e “patológicos”. A maior constante é a recomendação de incineração total de todo o lixo hospitalar. No entanto, essa medida ainda não parece ser a mais adequada, já que, além de calor, a incineração gera dióxido de carbono, óxidos de enxofre e nitrogênio, cinzas voláteis e dioxinas que só podem ser parcialmente controladas através de custosos processos de limpeza dos gases. Para países com poucos recursos, ainda, é uma grande dificuldade equipar seus hospitais com incineradores e a maioria do lixo hospitalar acaba sendo queimado a céu aberto, enquanto o restante é depositado no aterro sanitário juntamente com o lixo residencial comum, um perigo incalculável para a comunidade local.

Outra saída que os países mais desenvolvidos têm adotado contra este perigo é a chamada “auto-clave”, um tipo de esterilização do lixo infectante, mas novamente o custo deste procedimento é elevado demais para países de terceiro mundo que, como alternativa, acabam depositando-o em valas assépticas. Como no caso de descarte para o lixo comum, o espaço para receber todo o material ainda é um problema mesmo em grandes cidades brasileiras.

Toda a preocupação de funcionários, colaboradores e clientes de instituições de saúde, bem como dos trabalhadores que lidam com o lixo, não é desmotivado. Os perigos de infecção estão presentes na realidade de quem vive cotidianamente com estes resídos, e aumentam com a disseminação de doenças como a hepatite, a AIDS e outras contagiosas, constituindo um sério risco epidemológico à população. Mesmo enfrentando este quadro, a política brasileira de descarte de lixo hospitalar ainda se vê em um estágio muito precário, tendo o Conselho Nacional do Meio Ambiente desobrigado a incineração do mesmo em 1991, sem oferecer maiores diretrizes específicas sobre o assunto. Assim, o lixo hospitalar segue como um inimigo à saúde pública e ao meio ambiente, sem maiores atenções tanto da parte da população quanto dos dirigentes nacionais.

O lixo nuclear

Por outro lado, os resíduos provenientes de processos nucleares, ou seja, os chamados materiais radioativos produzidos por usinas nucleares e laboratórios de exames clínicos, tem alarmado a população em uma constante crescente. Em 2011, o acidente da usina nuclear de Chernobyl completou 25 anos, reacendendo as discussões sobre a viabilidade da produção de energia nuclear, ao lado das polêmicas explosões ocorridas no complexo nuclear de Fukushima, no Japão, após o tsunami que devastou o país em abril deste ano. Mas para além dos supostos perigos que a população teme no funcionamento de usinas de produção energética deste tipo, há uma questão também pendente: o que se faz com os resíduos provenientes dos processos nucleares que ocorrem ali?

quadro2_lixonuclearO combustível utilizado para fazer funcionar os reatores nucleares – urânio 235, basicamente, e 3% de urânio 238 (o urânio enriquecido) -, depois de passar pelo processo de fissão, transforma o urânio 238 em uma série de materiais em sua maioria inofensivos, mas alguns deles podem de fato ser perigosos para a vida, como o césio 137, o selênio, a iodina e o plutônio, por exemplo, que constituem o que se chama de rejeito radioativo. Estes são os elementos de longa vida: enquanto os outros materiais decaem rapidamente, estes continuam irradiando por um tempo muito grande. Esta pequena parte do combustível nuclear deve ser armazenada cuidadosamente até que cesse de irradiar. Atualmente, o método para impedir este rejeito de afetar o meio ambiente é inseri-la em uma espécie de piscina com água, de modo que o material fique totalmente encoberto, com um mecanismo de filtragem regular para subtrair os elementos radioativos, que são átomos pesados e, por essa razão, são filtrados com facilidade. “A água é um excelente obstáculo para a radiação, perdendo apenas para o chumbo ou para o concreto em capacidade de blindagem, com a vantagem de resfriar o combustível”, afirma o pesquisador José Eduardo Martinho Hornos, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP), especialista em energia nuclear.

Segundo ele, este ambiente é monitorado por tecnologias de alta precisão e por uma cabine supervisionada dentro da própria usina. Como a radiação é basicamente uma luz, o único risco que decorre deste método seria a contaminação do solo ou a evaporação da água. “Estes dois riscos são facilmente detectados com a precisão dos equipamentos utilizados na usina, baseados em lasers de alta precisão, e a estrutura das piscinas é construída de maneira muito especial, com um tipo de concreto reforçado e extremamente resistente às ações do tempo”, afirma Hornos.

Segundo ele, ainda, as usinas nucleares são o único tipo de empreendimento que trabalham com o conceito de descomissionamento, ou seja, a inclusão em seu projeto inicial dos procedimentos a serem adotados quando da desinstalação da mesma. Assim, os rejeitos têm um destino certo antes mesmo de existirem. O que será feito, então, com estes resíduos após o desmonte das usinas?

Angra

No Brasil, e em vários outros países como China e França, será construído um repositório com barreiras de engenharia e geológicas projetadas para um período de aproximadamente 500 anos, o que é ainda um período relativamente curto para a segurança destes materiais. Estes repositórios serão construídos em uma grande profundidade de um local deserto, para que a propagação através da água não seja um risco, e os materiais serão ali depositados após serem revestidos de uma cobertura especial que bloqueie a emissão de radioatividade. A pergunta ainda é: por que então não construir locais resistentes a maiores períodos de tempo, por segurança? Hornos explica que os materiais emissores de radioatividade são elementos nobres, exóticos, que são temidos atualmente, mas podem ter grandes potenciais de aplicaçãões benéficas à socidade se um dia dominados, diferentemente do lixo químico ou hospitalar. “Não sabemos ainda como as propriedades destes materiais podem ser utilizadas, então pode não ser uma boa idéia fazer um grande investimento para esconder elementos preciosos”, estima ele.

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Inimigo silencioso

Os medos decorrentes dos perigos do lixo que nós mesmos produzimos não são meros frutos da imaginação do ser humano. Na modernidade, aquilo que mais tememos é o inimigo invisível, silencioso, que não podemos ver, não podemos manipular com facilidade. “A relação sensitiva se dá através de um equipamento tecnológico, de um ponteiro, e nós tememos muito aquilo sob o qual não temos um controle natural”, reflete o pesquisador. Mas a defesa contra estas ameaças não é impossível, pelo contrário, pode ser bastante eficaz quando encarada com a gravidade que lhe é devida, com seriedade e profissionalismo. “Os exemplos de tratamento de lixo hospitalar e o lixo nuclear revelam que nós convivemos diariamente com perigos reais em meio àquilo que nos faz sentir seguros, como nosso lar ou o local onde deveriam cuidar de nosso corpo, mas ficamos apavorados com aquilo que temos sob controle, e por isso precisamos rever nossos conceitos e atitudes”, conclui Hornos.

Assessoria de Comunicação

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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