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26 de outubro de 2012

O horário de verão e a percepção do tempo

Para felicidade de alguns ou desprazer de outros, ele está de volta. No dia 21 de outubro, domingo, depois de oito meses de seu último término, o horário de verão retorna, trazendo para alguns uma sensação boa, em razão dos dias mais longos, mas para outros o desconforto psicológico (pelas alterações da noção de claro e escuro) e/ou físico (pela bagunça no relógio biológico), tudo isso somado à sensação de ter sido arrancado 60 minutos de nosso precioso tempo.

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O horário de verão, projeto pensado desde 1784 pelo norte-americano Benjamin Franklin, só chegou ao Brasil em 1931, quando teve vida curta (durou somente meio ano), voltando 18 anos depois e permanecendo no país até os dias de hoje.

Mas, uma pauta interessante para se discutir com a chegada do horário de verão é a seguinte: por que nossa percepção de tempo é afetada com a mudança de uma hora no horário de verão, e o que tudo isso tem a ver com o tempo físico?

De um lado temos o tempo físico, que é a medida do intervalo entre dois acontecimentos que se sucedem, e seu sentido define a ordem cronológica das coisas. O valor maior ou menor desse intervalo dá a rapidez ou ritmo com que os acontecimentos ocorrem. O tempo, portanto, é algo concreto, mensurável, que existe fora do nosso cérebro, no mundo exterior. Do outro lado está a representação que nós criamos dessa realidade concreta no nosso cérebro, através dos nossos sentidos, e que muda de pessoa para pessoa e de geração para geração. O ritmo do tempo que vivemos hoje, certamente difere daquele vivido por nossos avós.

Nosso cérebro se utiliza de artifícios ou ferramentas psicológicas que, desde o início, auxiliaram o homem na formação dessa “imagem do mundo” e tem garantido sua sobrevivência ao longo da existência. Uma dessas ferramentas, ou artimanha contra as incertezas, é termos a noção do contrário como referência. Assim, podemos dizer dia porque existe noite, vida porque conhecemos morte, silêncio porque há ruído, e assim por diante.

Mas, e o tempo físico? Como podemos ter uma noção correta ou não do tempo, se não existe o seu contrário ou oposto – o não-tempo?

Se perguntarmos a uma criança o que é o tempo, ela certamente responderá, rindo: “Não saberei eu o que é o tempo!?”. Já aquele que compreende a ciência sabe que o tempo, assim como o conceito de massa, de distância e de energia, não são realidades e sim “conceitos fundamentais da física”. O tempo é um dos instrumentos do pensamento que nos auxilia na compreensão do nosso universo. Como a física é uma ciência exata e pretende descrever a natureza de forma correta, ela criou ferramentas ou instrumentos que nos auxiliam a ter uma noção, pelo menos aproximada, da realidade.

No caso do tempo, este instrumento é o relógio. O relógio é como uma chave de porta: não tem nada a ver com ela, mas é uma ferramenta necessária para abri-la. Da mesma forma, os relógios são instrumentos de utilidade prática inigualável, artificialmente construídos e, ao mesmo tempo, nos auxiliam na compreensão da natureza. “Com o relógio, não precisamos criar uma referência contrária do tempo. A física foi capaz de criar artifícios ou ferramentas do pensamento para eliminar as impressões subjetivas da realidade, criando noções exatas no cérebro do homem. E um dos fatos responsáveis por isso foram a invenção do relógio e a medição do tempo”, explica o docente do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), Francisco Gontijo Guimarães.

Das pirâmides…

Por um bom tempo, astros sempre foram utilizados como referência para se fazer a medida do tempo. Devido ao movimento exato e periódico no céu, eles foram os primeiros “relógios” utilizados pelo homem. Formalmente, tudo começou com os egípcios, por volta de 2.500 a.C., quando estes transformaram o céu num relógio e começaram a marcar o tempo mais sistematicamente, usando eventos astronômicos, como a posição doDali-4 Sol e das constelações, como ponteiros. O nascer e pôr do Sol  de tempo exatos para aquela época, como duração do dia pela rotação da terra, do mês pelas fases da Lua e do ano pelas estações.

Depois da invenção do conceito de horas, veio a ideia de dividi-la em intervalos menores. Para isso, o número 60 foi o escolhido. Por ser divisível por 1, 2, 3, 4, 5 e 6, o número 60 parecia uma escolha conveniente. Foi quando surgiram os minutos. Depois, veio a “segunda” divisão, na qual a hora seria fracionada pela “segunda vez” por 60. Daí o nome “segundo” (originado da palavra em latim “secunda”). “Essa divisão do tempo era fundamental para sobrevivência da civilização ao longo dos tempos, pois só através disso era possível prever certos eventos com maior precisão”, exemplifica Francisco.

Para melhorar a medida do tempo, muitos outros se envolveram na empreitada: os árabes fizeram o “Quadrante solar”, os romanos, o “Relógio hidráulico”. Criaram-se ampulhetas, relógios pneumáticos, relógios mecânicos de pêndulo e os de bolso, sendo que cada inventor, de qualquer época, sempre buscou o mesmo: a máxima precisão da medida do tempo.

Dali-1Apesar de todos os avanços, só nos tempos modernos os homens começaram a perceber que as medidas astronômicas do dia solar utilizadas como referência para o tempo continham flutuações. Novamente, chegou-se à necessidade de aperfeiçoar a medida do tempo. “Os eventos astronômicos diários não eram tão uniformes quanto se pensava. A rotação da terra sofre flutuações responsáveis por certa imprecisão na duração do dia solar e, inclusive, pouco antes do início do século XX, cientistas descobriram que o a rotação da Terra sofria uma pequena desaceleração devido a efeitos das marés. Nosso planeta, portanto, passou a ser visto como um relógio não muito preciso para a os padrões e exigências da civilização moderna”, conta Francisco.

A entrada das ciências, nesse caso, passou a ser um fato importante, capaz de desenvolver metodologias capazes de determinar os eventos com precisão, isto também no que diz respeito ao tempo. “As leis da Mecânica Celeste de Newton foram essenciais para o aprimoramento da medida do tempo. Elas são tão precisas que é possível, através o uso de equações, construir-se calendários ou almanaques com previsões astronômicas para os próximos 100 anos. Até mesmos os astrólogos se utilizam destes calendários para fazer as suas previsões”, afirma o docente.

… à tecnologia

Em 1945, o físico estadunidense, Isidor Rabi, criou um relógio que, hoje, é considerado o mais preciso do mundo: o relógio atômico (saiba mais clicando aqui). Sua precisão é tão grande que ele atrasa ou adianta um segundo em 30 milhões de anos. O destaque do relógio (além de sua precisão, é claro) se dá pelo fato de que, pela primeira vez na história, a medição do tempo já não mais depende de fenômenos astronomicos- o que era comum, até então.

Dali-2Chegando-se a uma precisão jamais vista através dos relógios atômicos, é importante uma ressalva: a ânsia do homem em medir o tempo com precisão sempre foi ligada à evolução de técnicas e tecnologias. Um dos motivos pelos quais os egípcios viram a necessidade de medir o tempo foi para fazer colheitas mais produtivas. E, hoje, muitas coisas que utilizamos, como a internet, dependem de um tempo muito bem cronometrado para seu bom funcionamento. “O mundo moderno exige a marcação cada vez mais precisa das horas. Por exemplo, o posicionamento exato das coisas em torno da Terra, que é dado pelos satélites, ou o funcionamento de um GPS seriam impossíveis, caso não tivéssemos medidas de tempo muito precisas”, diz Francisco.

A ambição do homem em controlar o tempo, no entanto, não é novidade. Mas, se antes, as grandes manobras para tal controle só podiam ser encontradas nos filmes, hoje, com o (fundamental) auxílio da ciência e tecnologia, estamos cada vez mais próximos da precisão absoluta. A cada avanço, um limite será encontrado, mas, sobre isso, Francisco dá uma opinião final: “Sempre esbarraremos em limites, mas o homem, durante toda sua história, construiu artifícios para suplantá-los”. E, pelo que já constatamos até o momento, no que diz respeito ao tempo, o céu, literalmente, não é o limite para sua medida.

A primeira ilustração inserida na matéria refere-se à obra do pintor catalão, Salvador Dalí, feita em 1931.

Assessoria de Comunicação

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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