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27 de agosto de 2012

O biochip que recuperará movimentos perdidos

A complexidade das ações que gerem nosso corpo é algo conhecido por muitos, tanto por pesquisadores da área de saúde, até os mais leigos. E, a maneira como o corpo humano tem conseguido acompanhar tal evolução tecnológica vem a ressaltar sua complexidade e inteligência.

Exemplo disso é como o organismo é capaz de absorver substâncias estranhas a ele e incorporá-las, como se dele fizessem parte. Os implantes de titânio, elemento químico da família dos metais, revolucionaram os tratamentos dentários há quinze anos. Os polímeros, usados também há algum tempo para encapsular diversos medicamentos que ingerimos, já foram aceitos pelo nosso corpo sem nenhuma rejeição ou efeito colateral.

Mas, no século XXI, esses materiais e procedimentos parecem ser da idade da pedra se comparados com a ambição de um time de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) que, em conjunto com colegas de outras universidades, pretendem, nada menos, que implantar um chip no cérebro, capaz de enviar sinais do córtex motor* para um dispositivo fora do corpo, gerando a possibilidade de devolver os movimentos a membros do corpo humano sem funcionamento ou, até mesmo, inexistentes. Tal chip será integrado a uma antena e a alguns eletrodos, se configurando num dispositivo nomeado Interface Neural Implantável que, metaforicamente, é como se fosse um bluetooth do cérebro.

O material eleito para a criação dessa interface é o carbeto de silício (SiC), em princípio totalmente compatível com o corpo humano, que carrega propriedades semicondutoras e, ao mesmo tempo, cerâmicas, sendo três vezes mais flexivel e resistente do que o silício. Uma vez implantado no cérebro, enviará sinais deste para o membro que deve se mover: braço ou perna.

Através dessa tecnologia revolucionária, mesmo aqueles que perderam algum membro terão de volta o movimento perdido. Nesses casos, entrará em cena um exoesqueleto, que vem sendo confeccionado na Escola de Engenharia de São Carlos (EESC/USP) sob a coordenação do docente Adriano Almeida G. Siqueira. Dessa forma, sinais elétricos do cérebro serão enviados ao chip que, por sua vez, enviarão o comando ao exoesqueleto, permitindo que o movimento seja feito.

No entanto, antes de se chegar ao carbeto de silício, o docente da University of South Florida (USA) e professor-visitante do Instituto de Ciências Matemáticas e da Computação (ICMC/USP), Stephen E. Saddow, um dos participantes da pesquisa em questão, testou outros materiais que, num curto período de tempo, mostraram-se incompatíveis com o corpo humano. Entre os candidatos, o silício foi um deles, que só conseguiu permanecer no organismo por alguns meses. A segunda tentativa foi encapsular o silício com cerâmica, mas, alguns anos depois, a rejeição das células humanas ao material levou ao insucesso da experiência. “Pessoas não podem fazer cirurgias no cérebro a cada cinco anos. Primeiro, porque, a cada cirurgia, tecidos do cérebro são mortos e danificados. Segundo, porque elas não terão condições de arcar com esse custo”, justifica Stephen sobre o curto prazo de validade dos maInterface-2teriais testados até o momento.

Mas, com o SiC, o cenário é outro. Experiências em seres humanos ainda não foram feitas, mas nos testes in vitro – feitos com células de seres humanos, analisadas em placas de Petri-, os resultados com o carbeto são animadores. “Até o momento, não houve reação ao SiC. Se você comparar com o tempo de resposta dos outros materiais testados, como o silicone, a rejeição química das células humanas ocorreu em alguns dias. A experiência com o SiC foi feita há um mês e até o momento não houve nenhuma reação química às células”, comemora Stephen. “Mesmo que um mês não sejam 15 anos, essa primeira resposta é muito promissora”.

Da ficção para realidade

O experimento é algo novo na história da ciência, isso porque, além do ineditismo do local onde se pretende fazer o implante, trata-se de um ambiente inóspito, com corrente sanguínea e reações químicas ocorrendo constantemente e todo cuidado é pouco. Portanto, em conjunto com Stephen, o docente do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), Valtencir Zucolotto, oficializará uma colaboração na qual, utilizando seus conhecimentos em nanotoxicologia, estudará a toxicidade e biocompatibilidade dos novos materiais que estarão no cérebro humano. “Colocaremos os materiais em contato com células humanas neuronais. Os testes serão in vitro, em princípio, e posteriormente pretende-se avançar para testes in vivo, com roedores”, esclarece Zucolotto.

No ICMC, o docente, Mário Alexandre Gazziro trabalha com a otimização de consumo de energia na Interface Neural Implantável que será criada, além de um equipamento (já construído) capaz de fazer um mapeamento tridimensional do corpo humano. “O consumo é um fator critico no desenvolvimento da interface cerebral sem fios, pois quanto maior é a quantidade de eletrodos, melhor a precisão do movimentos realizados; porém, mais eletrodos representam maior consumo. Vamos começar com três eletrodos, possibilitando movimentos com poucos graus de liberdade. O ideal seriam 100 eletrodos para diversos graus de liberdade. Porém, com 1000 eletrodos é possível reproduzir os graus de movimento complexos de uma mão com todas as articulações dos dedos. Logo, redução do consumo de energia permite a inclusão de mais eletrodos, sendo que esse será sempre um fator a otimizar na interface proposta”, explica Gazziro.

Interface-4Ainda dentro do projeto, o docente do IFSC, Cléber Renato Mendonça, é atualmente responsável pela microfabricação a laser. Para completar o time, o docente da Universidade Federal do ABC (UFABC), Carlos Alberto dos Reis Filho, desenvolverá a parte de eletrônica analógica do chip e supervisionará o projeto da antena.

Até o momento, os resultados oferecidos pela pesquisa básica têm trazido entusiasmo aos pesquisadores. Sua aplicação, no entanto, caminha a passos cautelosos. “Para que os Interfaces Neurais Implantáveis estejam no mercado, a previsão mais realista é de dez a vinte anos. A conclusão dos estudos, no entanto, deve ser feita em cinco anos”, conta Stephen. “Minha esperança é que consigamos fechar os testes com humanos em seis anos. Se atingirmos essa meta, o chip irá para o mercado mais rapidamente”.

O SiC já vem sendo utilizado em interfaces musculares, ou seja, no sistema nervoso periférico. Nesse novo projeto, inicia-se seu uso no sistema nervoso central, sendo que as respostas imunológicas do organismo, nesse último, são completamente diferentes. Daí o longo prazo para validação clínica do sistema (estimado em três anos para testes em ratos e 15 anos para testes com humanos), ou seja, para que esse produto efetivamente chegue ao mercado.

Entretanto, para aqueles que até hoje só puderam acompanhar, na ficção, a recuperação de movimentos, em princípio irreversíveis, já podem comemorar. Ao que tudo indica, a espera valerá a pena.

*região do cérebro responsável pelo controle das atividades motoras

Assessoria de Comunicação

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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