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15 de abril de 2014

Novas pistas sobre a origem do Universo

Segundo o modelo padrão da cosmologia, há cerca de 13,7 bilhões de anos todo o Universo que observamos estava concentrado numa região de tamanho praticamente nulo, com densidade e temperatura absurdamente altas, a partir da qual começou a se expandir. Esse é o chamado Big Bang. Nas primeiras centenas de milhares de anos após o Big Bang, a temperatura do Universo ainda era tão alta que a radiação não permitia que os elétrons, constantemente absorvendo e emitindo radiação, se ligassem aos prótons: a matéria existente encontrava-se na forma ionizada. Com isso, a radiação, sendo a todo momento absorvida e emitida, mal conseguia se propagar.

Big_bang_explosionConforme o Universo foi ficando mais velho, ou seja, 380 mil anos após o Big Bang, graças à sua expansão, sua temperatura ficou, também, mais baixa, possibilitando que os elétrons, até então dispersos, combinassem-se com os prótons, também livres, e formassem os primeiros átomos de hidrogênio. “Costumamos explicar que, a partir de então, o Universo começa a ficar transparente e a luz, por sua vez, passa a se propagar a distâncias cada vez maiores”, explica o docente do Grupo de Física Teórica do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), Daniel Augusto Turolla Vanzella.

Essa transição em que o Universo passou da condição de opaco (luz interagindo o tempo todo com a matéria) para transparente (luz se propagando livremente) chama-se “desacoplamento”. “Estamos constantemente recebendo essa radiação de quando o Universo tinha apenas 380 mil anos”, explica Daniel. “Chamamos essa radiação eletromagnética específica de ‘radiação cósmica de fundo’, que serve de base aos cosmólogos para estudar algumas propriedades do Universo”.

Estudar a radiação cósmica de fundo é olhar para o passado, já que se trata de uma radiação que viajou pelo Universo por quase 13,7 bilhões de anos para chegar até nós e pode fornecer aos estudiosos da área muitas pistas sobre o Universo, quando este tinha, apenas, alguns milhares de anos. “Estudando-se os detalhes dessa radiação, é possível conseguir pistas até mesmo antes dos 380 mil anos. Algumas propriedades da região opaca do Universo ficaram ‘impressas’ nessa radiação que chega até nós. Isso significa dizer que se pode ter pistas sobre fenômenos muito próximos à própria origem do Universo”, afirma Daniel.

A grande novidade

Uma das propriedades da radiação cósmica de fundo é polarização, conceito utilizado para descrever, basicamente, como o campo elétrico dessa radiação oscila. Quando se olha para o céu, por exemplo, é possível se medir como o campo elétrico dessa radiação cósmica de fundo vibra em direções específicas. Podemos, então, construir um mapa que a cada ponto de observação do céu mostra a direção preferencial em que o campo elétrico da radiação cósmica de fundo, vinda daquele ponto, está vibrando.

Mas qual a origem dessa polarização da radiação cósmica de fundo? “A radiação, no período em que o Universo era opaco, praticamente não é polarizada, ou seja, seus campos elétricos vibram aleatoriamente em todas as direções possíveis”, explica Daniel. “Mas, à medida que o Universo vai ficando transparente e a radiação consegue se propagar por distâncias cada vez maiores, eventualmente radiações provenientes de diferentes regiões, com temperaturas ligeiramente diferentes, podem ser ‘espalhadas’ em nossa direção, combinando-se. A pequena diferença de temperatura entre as regiões que originaram essas radiações no desacoplamento pode conferir à radiação combinada espalhada uma sutil polarização. E o padrão dessa polarização, isto é, como ela muda de ponto a ponto no céu, está relacionada com o padrão de inomogeneidades durante o desacoplamento”.

A existência dessas inomogeneidades na temperatura da radiação cósmica de fundo já havia sido observada pelo satélite COBE (sigla de Cosmic Background Explorer), lançado em 1989, e essa descoberta rendeu o prêmio Nobel de Física de 2006 a George Smoot, pesquisador da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA). Mas o efeito dessas inomogeneidades sobre a polarização da radiação só foi medido agora, pelo experimento BICEP (sigla de Background Imaging of Cosmic Extragalactic Polarization), localizado próximo ao Polo Sul.

BICEPMas qual a importância de se medir esse efeito secundário, considerando que as próprias inomogeneidades já haviam sido observadas? Daniel explica que as inomogeneidades na temperatura da radiação cósmica de fundo estão associadas a ondas se propagando na época do desacoplamento, quando essa radiação foi emitida. Essas ondas podem ser basicamente de dois tipos: as chamadas ondas escalares e ondas tensoriais. “O problema é que olhando apenas para o perfil de inomogeneidades não é possível discernir a contribuição isolada de cada um desses tipos. Mas cada um desses tipos produz um padrão de polarização diferente: ondas escalares produzem apenas os chamados ‘modos E’ de polarização, enquanto que as ondas tensoriais produzem tanto ‘modos E’ quanto os chamados ‘modos B’. Daí a utilidade de se medir esse efeito secundário das inomogeneidades sobre a polarização da radiação cósmica de fundo”, exemplifica o docente.

Os resultados do BICEP mostraram a presença de uma pequena contribuição dos ‘modos B’ na polarização da radiação cósmica de fundo (vide figura). Isso comprova que, embora a maior parte das inomogeneidades na época do desacoplamento seja devida a ondas escalares – que são como “ondas sonoras” –, uma pequena parte é devida às ondas tensoriais, o que prova que ondas tensoriais – que são comumente associadas a ondas gravitacionais – de fato estariam presentes na época do desacoplamento.

O período inflacionário

Mas qual a origem dessas ondas? De acordo com uma equipe de físicos liderada por John Kovac, do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics (EUA), um dos coordenadores do experimento BICEP, essas ondas teriam sido geradas durante o chamado “período inflacionário do Universo”. Esse período, apesar de não ter a idade do Universo, é apenas 10-35 segundos mais novo. “O Universo, se foi originado como explicam as teorias, passou, logo no começo, por uma fase de expansão muito rápida e acredita-se que as ondas gravitacionais tenham sido geradas logo nesse início”, explica Daniel. “Se for comprovada a interpretação dessas ondas tensoriais observadas como sendo as ondas gravitacionais geradas no período inflacionário, esse seria o maior destaque da pesquisa realizada por Kovac. Ao contrário da radiação eletromagnética, que não conseguia se propagar livremente antes do Universo ter 380 mil anos, as ondas gravitacionais se propagam livremente desde os primeiros instantes de vida do Universo. Se a interpretação dos pesquisadores estiver correta, poderemos, agora, obter informação mais direta de datas muito próximas à própria origem do Universo”.

Ele conta que há, ainda, uma outra consequência caso o resultado obtido pela equipe de Kovac seja comprovado: um forte indicativo de que a gravitação de fato deve ser descrita por uma teoria quântica, uma vez que a maneira como as ondas gravitacionais são produzidas no período inflacionário depende da presença de “flutuações quânticas” do campo gravitacional.

BICEP_2Embora aparentemente revolucionária, a descoberta de Kovac e sua equipe ainda não é capaz de trazer certeza sobre nenhuma das interpretações acima acerca da origem dessas ondas tensoriais, mas gera fortes indícios de que elas estejam corretas. Há, inclusive, rumores de que tal pesquisa arremate o prêmio Nobel de Física de 2014. Porém, para que exista uma chance de isso ocorrer, esses resultados deverão ser corroborados por outros experimentos independentes. “Quando foi anunciado que o neutrino se locomovia mais rapidamente do que a luz, mais tarde foi comprovado que não passava de um erro experimental”, relembra Daniel.

Além disso, se a interpretação dessas ondas tensoriais como sendo ondas gravitacionais for comprovada – o que parece bastante razoável –, independentemente de sua origem, o docente afirma que esse já seria um resultado concreto que deve ser comemorado. “A comunidade científica tem feito experimentos na Terra, com grandes equipamentos, tentando detectar as ondas gravitacionais há muito tempo, e até agora não obtivemos nenhum sinal direto delas, pois são muito difíceis de serem detectadas. Se as ondas tensoriais responsáveis pelo padrão de polarização observado forem de fato ondas gravitacionais, essa terá sido a detecção mais direta conseguida até o momento”.

Caso isso realmente ajude a comprovar todos os argumentos já mencionados acima, novas possibilidades de estudo estarão abertas aos pesquisadores da área, tendo-se a chance de descobrir muitos outros fatos interessantes sobre o Universo. Certamente, muitas surpresas ainda virão à tona.

*Legenda para figura (BICEP): Mapa de polarização obtido pelo experimento BICEP, já descontando os chamados “modos E”, sobrando apenas os chamados “modos B”. Os segmentos de reta indicam a direção de polarização da radiação cósmica de fundo proveniente daquele ponto do céu. O padrão “espiralado” em torno dos centros de inomogeneidades (regiões vermelhas e azuis) é o que caracteriza os ‘modos B’. (Imagem: Harvard- Center of Astrophysics)

Assessoria de Comunicação

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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