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21 de novembro de 2011

Novas enzimas que degradam biomassa podem revolucionar biorrefinarias nacionais

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) aprovou neste último mês um importante investimento em uma pesquisa brasileira relacionada à otimização do processo de produção de bioenergia, investigando novos tipos de enzimas capazes de degradar biomassa. O projeto, que envolve pesquisadores de São Carlos, é uma colaboração com a Universidade de York (Reino Unido) e já recebe recursos europeus, mas o investimento brasileiro poderá dar ênfase significativa à posição de destaque do Estado de São Paulo na produção nacional de bioenergia e ampliar o reconhecimento do Brasil no que diz respeito às energias renováveis – uma das urgências mundiais mais imediatas.

bioenergia

Segundo dados da Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade, em 2009, os biocombustíveis responderam por mais de 30% da oferta total na matriz energética estadual, e a participação de insumos primários renováveis como a cana-de-açúcar, o melaço e o bagaço ampliou em 95% a produção energética estadual. Agora, o estímulo e a articulação de atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico pode estar frente a frente com um novo auge, enxergando um grande potencial de aprimoramento de performance e custeio das biorrefinarias – as unidades produtivas de combustível, eletricidade e produtos químicos.


Sobre o projeto

Em 2009, a FAPESP estabeleceu por três anos um acordo de cooperação com os Conselhos de Pesquisa do Reino Unido (RCUK, na sigla em inglês para Research Councils UK), tendo em vista apoiar o desenvolvimento de projetos de pesquisa cooperativos propostos por pesquisadores britânicos e brasileiros associados, fortalecendo os laços internacionais de pesquisa entre Brasil e Reino Unido.

As propostas elaboradas no âmbito deste acordo são submetidas diretamente aos RCUK, aos cuidados do Conselho de Pesquisa da área em questão, ou seja, os projetos são julgados pelos ingleses. Foi por essa razão que os pesquisadores brasileiros Igor Polikarpov (IFSC-USP), Eduardo Ribeiro de Azevedo (IFSC-USP), Sandro José de Souza (Ludwig Institute for Cancer Research) e Wanius José Garcia da Silva (UFABC) encararam a aprovação de sua proposta na Europa, em abril deste ano, como uma honra e, de certa forma, uma surpresa. “O Reino Unido tem uma taxa muito pequena de aprovação de projetos, aprovando apenas 10% das propostas, enquanto o Brasil aprova quase metade. Ter sido aprovado em segundo lugar foi uma grande satisfação”, comenta Polikarpov, coordenador do projeto de pesquisa.

A proposta brasileira, enviada ao BBSRC (Biotechnology and Biological Sciences Research Council) em outubro do ano passado, pode ser resumido como uma nova abordagem de investigação de enzimas presentes no processo de degradação do bagaço da cana-de-açúcar, pesquisa a qual se complementa uma proposta inglesa, liderada pelo professor Neil Bruce, da Universidade de York, que toma como objeto de pesquisa um produto parecido com o feno.

A idéia central deste projeto de pesquisa é encontrar diferentes enzimas capazes de degradar biomassa para aplicação em processos de produção de combustível e energia elétrica, em substituição às formas convencionais derivadas do petróleo.

E como isto é feito?

Segundo Polikarpov, os cientistas conseguem cultivar em laboratório, atualmente, apenas 1% dos microorganismos presentes no Universo, o que significa dizer que 99% destes microorganismos não podem ser apreendidos, são perdidos e morrem. Por essa razão, o procedimento mais comum é selecionar um conjunto destes microorganismos, sem distingui-los ou caracterizá-los, e sequenciar seu DNA – a chamada atitude “metagenômica”.

No entanto, esta técnica se revela pouco eficiente quando o caso não é estudar todos os genes, mas sim enzimas específicas, e, como é o caso desta pesquisa específica, enzimas que os microorganismos secretam. E, no que diz respeito à produção de energia, nada pode ser mais eficiente do que estas biomoléculas. As enzimas são especializadas na catálise (aceleração da velocidade) de reações biológicas, e esta característica inerente à sua natureza é infinitamente superior a qualquer catalisador já produzido pelo homem. Na atualidade, o fator que mais impede o aproveitamento pleno desta capacidade das enzimas é justamente o procedimento científico comumente aplicado na distinção, caracterização e posterior cultivo da enorme quantidade de microorganismos presente no processo de degradação de qualquer matéria. Segundo Polikarpov, “os microorganismos não conseguem transferir biomassa para dentro das células, mas eles a convertem em açúcar para energizar a célula, então essas proteínas que investigamos são excretadas para fora da célula”. Assim, no genoma das células, há apenas cerca de 5% de enzimas que de fato interessam aos pesquisadores.

Inovação

igor_enzimasA novidade do projeto é que, tendo conhecimento da potencialidade destas enzimas e compreendendo seu funcionamento, os pesquisadores trabalharam no desenvolvimento de uma tecnologia que permite uma marcação mais exata de enzimas extracelulares, que estão fora da célula. O segredo é a exploração de um mecanismo de afinidade proteica que não atravessa membranas biológicas e, por isso, apenas acessa e marca proteínas extracelulares. “Com essa marcação, nós podemos ‘purificar’ parcialmente enzimas, ou seja, enriquecer a concentração das enzimas naquilo que você está extraindo da biomassa, neste caso a lignocelulose (princípio do bioetanol) e a cultura microbiana, e sequenciar pequenos pedaços destas proteínas – o que chamamos de procedimento proteômico”, confirma Polikarpov.

Desta forma, comparando as informações genômicas com as informações proteômicas – uma junção chamada de análise secretômica -, é possível caracterizar cada enzima de acordo com suas funções e encontrar com maior facilidade aquelas que se procura para sequenciar, sem precisar analisar um enorme conjunto de microorganismos, do qual 95% será inútil. Com estes procedimentos, é possível analisar as enzimas secretadas durante o processo de degradação da biomassa, que ocorre na hidrólise deste bagaço – quebra de um molécula através da água -, a reação que ocorre nas chamadas biorrefinarias, considerada um grande potencial para a substituição do petróleo na produção de combustível e energia elétrica, por exemplo.

Biorrefinarias

A grande vantagem do desenvolvimento desta pesquisa é a possibilidade de contribuir com o sucesso dessas biorrefinarias a longo prazo, barateando seu custo. A configuração atual das biorrefinarias requer o uso de ácido e de explosões de vapor para tratar a lignocelulose, o que é pouco eficiente e depende de energia elétrica, além de custar muito caro. Isso ocorria porque o processo de degradação da lignocelulose dependia justamente daquela pequena porcentagem de microorganismos que os cientistas conseguiam caracterizar, o que acabava por encarecer todo o processo. “Cerca de 25% do custo do biocombustível, hoje, é para o cultivo desta pequena quantidade de enzimas”, conta Polikarpov. Daí a grande importância de descobrir e identificar novas enzimas que degradem biomassa – mais termoestáveis, mais abundantes no Universo, mais eficientes – e contribuam para um maior entendimento deste processo, gerando novas atividades de pesquisa e aplicações industriais.

Assim, o financiamento desta pesquisa por agências de fomento nacionais e internacionais surge no momento certo, não apenas para suprir as necessidades da academia, mas para contribuir com a tendência dos desenvolvimentos de fontes alternativas de energia, o que se revela a cada dia uma urgência mundial e ainda apresenta muitos desafios e potencialidades a serem explorados, dependendo, evidentemente, de investimentos em larga escala. O apoio a pesquisas deste porte indica que a bioenergia é uma realidade consolidada no Brasil e, além disso, revela uma meta nacional ambiciosa em relação a grandes potências mundiais no que diz respeito ao desenvolvimento sustentável. As expectativas que circulam na órbita da questão das energias renováveis, como a auto-suficiência em relação a combustíveis fósseis, o desenvolvimento tecnológico, acadêmico e industrial, a geração de empregos em logística, educação, profissionalização e a formação de recursos humanos, por exemplo, têm tornado a aliança entre desenvolvimento sócio-econômico e preservação ambiental uma marca nacional.

Assessoria de Comunicação

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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