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13 de novembro de 2013

Cientistas internacionais abordam doenças negligenciadas

A vinda, ao Instituto de Física de São Carlos, de dois dos maiores nomes da ciência mundial, diretamente ligados à problemática das doenças negligenciadas – especialistas nas áreas de bioquímica de parasitas, biologia estrutural e planejamento com base em estruturas -, foi certamente um dos grandes destaques deste ano que está prestes a finalizar.

Convidados a participar, como palestrantes, no Workshop on Drug Design and Neglected Diseases, um evento que constituiu a primeira atividade do CIBFar – Centro de Inovação em Biodiversidade e Fármacos – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP, sediados no IFSC -, os Profs. Paul Michels e Wim Hol concederam, gentilmente, uma entrevista exclusiva à Assessoria de Comunicação do nosso Instituto, cujo tema foi o panorama das doenças tropicais, com especial ênfase para as designadas doenças negligenciadas, que anualmente ainda provocam milhares de vítimas mortais no mundo.

Paul Michels é professor na Schhool of Biological Sciences, Universidade de Edinburgh, Escócia (GB) e possui mais de trinta anos de experiência na pesquisa do metabolismo de parasitas e mais de quarenta anos de ensino. Junto com diversos pesquisadores da área de biologia estrutural, o Prof. Michels alcançou grande sucesso na caracterização molecular e estrutural de diversos alvos moleculares importantes para o desenvolvimento de fármacos antiparasitários.

Quanto a Wim Hol, ele é professor de bioquímica e biologia estrutural na Universidade de Washington, Seattle (EUA), sendo que sua pesquisa é essencialmente dirigida à resolução de estruturas de proteínas importantes de patógenos que provocam doenças tropicais. Devido a essa pesquisa, Hol utiliza a informação estrutural para planejar novos inibidores, candidatos a fármacos para o combate de doenças parasitárias. Wim Hol trabalhou como diretor do Programa Genoma Estrutural de Protozoários Patogênicos, com o objetivo de determinar, em larga escala, a estrutura tridimensional do maior número de proteínas dos principais protozoários patogênicos – Leishmania major, Trypanosoma cruzi, Trypanosoma brucei e Plasmodium falciparum.

Paul Michels e Wim Hol formam uma dupla que é responsável pela publicação de mais de quinhentosmichels350 artigos científicos em revistas detentoras de uma política editorial seletiva, o que traduz a competência de seus trabalhos, pelo que a participação de ambos no workshop realizado pelo CIBFar foi considerada por Paul Michels como “excelente”, não só pelo fato de ter dado a oportunidade a um contato direto com os especialistas brasileiros nesta área, mas principalmente pela interação com os alunos: Depois de termos participado em eventos similares que aconteceram anteriormente na Venezuela, Índia e Tailândia, considero que este workshop superou muito tudo aquilo que eu esperava, em termos de produtividade. Principalmente na atitude dos estudantes, que se mostraram extraordinariamente atentos e interventivos, algo que contrastou com os anteriores eventos em que participei. Creio que no final deste evento, os alunos deste Instituto conseguirão obter mais bases de conhecimento através das matérias que foram abordadas, até porque a interatividade que aconteceu entre todos foi extraordinariamente interessante e as opiniões de nossos colegas brasileiros enriqueceram muito a perspectiva de nosso trabalho científico, comenta Michels.

Quando abordamos a evolução científica ao longo dos últimos trinta anos, em relação às doenças tropicais e doenças negligenciadas, Michels referiu que o avanço foi enorme no conhecimento na área da biologia, metabolismos e composição dos parasitas que provocam essas doenças, um fator considerado importantíssimo para seu trabalho, já que acompanhou todas as fases dessa evolução: o cientista considera, ainda, que há trinta anos todos os pesquisadores eram de certa forma “inocentes” nessa matéria específica, já que possuíam pouca noção de quais eram as verdadeiras dimensões das doenças tropicais no mundo: Não só a ciência avançou muito rapidamente, como também se alterou a forma como o cientista começou a pensar sobre o desenvolvimento de novas fármacos para doenças negligenciadas, principalmente na academia, já que até determinado momento essas doenças eram desprezadas, pontua o pesquisador.

Quanto às perspectivas futuras para o desenvolvimento de novos fármacos para combater às doenças negligenciadas, o cenário não se apresenta tão negativo. Paul Michels afirma que num futuro próximo poderá haver novidades nesse capítulo, até porque a ciência evolui muito rápido; mas, adverte, que isso não quer dizer que surja um milagre que elimine essas doenças da face da Terra apenas com um piscar de olhos: Métodos mais eficazes serão lançados em breve, mas o que importa também é que, em simultâneo com a evolução científica, evoluam também as medidas de controle a essas doenças – vigilância sanitária, distribuição eficaz de medicamentos e, claro, a introdução de políticas de saúde pública – e me refiro especialmente ao continente africano – onde a Malária ainda dizima milhares de pessoas – e à América do Sul, onde a grande ameaça é a Doença de Chagas, sublinha Paul Michels. Para este cientista, outra medida que precisa ser incrementada é o controle de qualidade da matéria-prima utilizada para a fabricação dos medicamentos.

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(Mapa da incidência de doenças tropicais e negligenciadas no mundo – *CDC – Centers for Disease Control an Prevention – USA)

 

Mais incisivo do que Paul Michaels, o cientista Wim Hol considera que houve, ao longo dos anos, uma quantidade enorme de obstáculos e desafios relacionados com as doenças tropicais, principalmente originados e agravados pelas políticas adotadas por alguns países europeus, face aos seus protetorados e colônias, que, por vezes com alguma hostilidade, impediam que fosse feito algo benéfico junto das populações atingidas por essas doenças, principalmente na África e América do Sul, especialmente na área de cristalografia de proteínas, já que era necessário ter proteínas puras, o que estava fora de cogitação naquela época: Felizmente, comecei a ter contato com o Paul Michels – nessa época, eu estava na Holanda e ele desenvolvia seu trabalho em Bruxelas – Bélgica -, mas a distância física não impediu de começarmos a trabalhar, conjuntamente, com proteínas do parasita da Doença do Sono (Trypanosoma brucei), que eram implantadas em ratos de laboratório. Foi assim que começamos, recorda Hol.

O trabalho conjunto dos dois cientistas desenvolveu-se ao longo do tempo e entre os anos de 2000 e 2005 ambos se encontravam mergulhados em novos desafios, com o surgimento do genoma do Plasmodium falciparum (causador da Malária), do Trypanosoma cruzi (causador da Doença de Chagas), do Trypanosoma brucei (causador da Doença do Sono) e de algumas Leishmanias (causadoras da Leishmaniose), pelo que neste momento, segundo Hol, existe a necessidade de refletir muito calmamente sobre as melhores hipóteses de alcançar novos alvos, vacinas e diagnósticos relacionados com as doenças tropicais, até porque existe um grande aliado dos pesquisadores: Este esforço e dedicação foram feitos por alguns órgãos internacionais, mas eu quero destacar a TDR – Tropical Diseases Research – uma instituição pertencente à OMS – Organização Mundial de Saúde e apoiada pela UNICEF e pela UNDP – United Nations Development Programme -, que desde a década de 1970 vem desempenhando um papel fundamental no combate às doenças tropicais, motivando a dedicação de milhares de pesquisadores no mundo, principalmente da Europa, América do Norte, América do Sul, Ásia e África, num grande esforço global e sem grandes recursos, motivo pelo qual penso que essa organização é merecedora de um Prêmio Nobel, pontua o pesquisador holandês, que desenvolve sua pesquisa nos EUA.

Quanto ao futuro, Wim Hol afirma que os próximos passos vão ter que ser dados com cautela, porque o caminho a percorrer não será fácil, como também não foi fácil chegar até ao presente momento. Descobrir e desenvolver HOL350novos fármacos é, para Hol, uma tarefa complicada e demorada, pois não se pode simplesmente fazer experimentos a esmo no corpo humano, antes deles serem testados por outras vias: É um processo que leva tempo e é um desafio difícil de vencer, embora as ferramentas para se conseguirem compostos que atuem no organismo, ou que atinjam uma determinada proteína, estejam agora mais acessíveis, como observamos na visita que fizemos ao LNBio – Laboratório Nacional de Biociências, em Campinas, infraestruturas que também existem em outros grupos de pesquisa no Brasil. É verdadeiramente impressionante ver como tanta gente especializada trabalha nesse sentido, através da bioquímica, cristalografia, etc., rumo ao combate às doenças tropicais e às chamadas negligenciadas, sublinha o pesquisador.

Contudo, Wim Hol destaca que a maior dificuldade está na criação de novos fármacos, já que todo o processo envolve muitos recursos financeiros e uma política direcionada: Embora difícil, estou absolutamente convencido que o Brasil vai chegar a resultados impressionantes, pois existe muita gente fazendo pesquisa, existem investimentos do governo e, claro, existem políticas direcionadas para esse objetivo final, principalmente através do CNPq, atualmente dirigido por Glaucius Oliva, que também é docente deste Instituto de Física de São Carlos, uma pessoa excepcional nessa área e que tem uma visão alargada sobre os problemas e os caminhos para sua resolução.

Corroborando a opinião de seu colega – Paul Michels -, Wim Hol também considera que a implementação de políticas eficazes de saúde pública, principalmente na América Latina, poderá auxiliar globalmente no combate às doenças negligenciadas, destacando-se o saneamento básico, os suprimentos de água e o equilíbrio social: Tudo isso tem que ser equacionado de forma global, começando pela prevenção dessas doenças e isso é uma área política. É um desafio que se coloca em paralelo com o desafio científico. Se essas medidas forem implementadas, as despesas com a saúde pública baixarão drasticamente, não só em relação às doenças tropicais e negligenciadas, mas também a outras doenças, como, por exemplo, câncer, diabetes e doenças cardiovasculares. Por isso, esse workshop promovido pelo CIBFar foi extremamente importante para nós, pois passamos a ter uma visão mais abrangente dos problemas do país, do continente, finaliza Hol.

Complementando, Wim Hol afirmou que algumas doenças não se restringem ao Brasil e à América Latina, como erradamente se supõe, num primeiro olhar. Segundo o cientista, elas também existem – embora em proporções menores, mas não menos importantes – em determinados países da Europa e mesmo nos Estados Unidos. Por isso, o esforço tem que ser global, mundial.

O workshop promovido pelo CIBFar e coordenado pelo docente do IFSC, Prof. Dr. Rafael Guido, teve, além do lado científico, um aspecto social importante. Como não foi cobrada taxa de inscrição para o evento, os organizadores solicitaram aos inscritos que fizessem uma doação na forma de um pacote de fraldas geriátricas para serem doadas. No total, foram arrecadas aproximadamente mil fraldas, que foram doadas ao asilo Cantinho Fraterno Dona Maria Jacinta, localizado na Rua Sete de Setembro, nº 1.000, em São Carlos.

*Para acessar o site do CDC, clique AQUI .

Assessoria de Comunicação

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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