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29 de maio de 2012

Física e as previsões do tempo

O que a física tem a ver com o fato de sabermos se choverá mais tarde, se as queimadas na Amazônia modificam o clima ou se a emissão antropogênica de gases de efeito estufa deve elevar a temperatura média do planeta em 35ºC até o final do século?

De fato, a física – bem como a química, matemática e biologia (e áreas correlatas) – não são culpadas pelas chuvas torrenciais, aquecimento global ou desmatamento, mas as ferramentas e equações geradas por essas ciências são condição sine quanon para termos conhecimento sobre todos esse itens.

Previsao-1Foi o que explicou o pesquisador e docente do Instituto de Física da USP (IF/USP), Henrique Barbosa, durante o Café com Física, ocorrido no último dia 17 de maio, no Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP). “No Brasil, a meteorologia é uma profissão regulamentada, então quem assina a previsão de tempo é um meteorologista registrado. Mas, quando se trata de estudar o funcionamento do sistema climático, onde quem manda são as leis da física, físicos e cientistas de outras áreas tornam-se muito importantes”, conta Barbosa.

Para fazer uma previsão de tempo, precisamos resolver as equações de dinâmica de fluídos para a atmosfera, neste caso uma mistura de gases em cima de uma esfera que gira, considerando a conservação de energia, momento e massa. É preciso, ainda, incluir a absorção e espalhamento da radiação solar, a interação da biosfera com a atmosfera, a evaporação e a precipitação etc. “Estas equações sintetizam nossa compreensão do funcionamento do sistema climático e são as peças fundamentais na construção dos modelos numéricos de circulação da atmosfera”, elucida o docente.

Os modelos numéricos são softwares capazes de resolver as complexas equações escritas pelos cientistas. Desde o Eniac*, os cientistas já utilizam o primitivo computador para fazer previsão numérica de tempo e, a partir de 1955, os EUA já faziam rotineiramente este tipo de previsão com computadores. No Brasil, a novidade só chegaria em 1994, quando o Centro de Previsão de Estudos Climáticos (CPTEC) foi instalado no país. Embora com início tardio, o Centro brasileiro tornou-se referência mundial e um dos poucos com poder computacional para fazer previsões sazonais de longo prazo.

Para fazer uma previsão numérica de tempo, é preciso, além das equações e modelos numéricos, o conhecimento do estado atual da atmosfera: direção dos ventos, umidade, temperatura etc.. “Sem ter dados de boa qualidade é impossível fazer boas previsões do tempo”, explica Barbosa. “Satélites desempenham papel importante para observar e fornecer esses dados. São dados remotos, uma vez que os satélites estão voando a muitos quilômetros da superfície, mas seus sensores estão ‘olhando’ para atmosfera o tempo todo, inclusive sobre os oceanos”, conta o docente.

À propósito, a partir da década de 70, a melhoria na previsão do tempo deveu-se principalmente a uma melhor definição do estado inicial e não ao desenvolvimento dos modelos.

Para melhor entendimento sobre o que é estado inicial da atmosfera, uma comparação pode facilitar: imagine se a inflação no último ano foi de 10%, qual seria o preço atual da cesta básica? Obviamente que não podemos responder a esta pergunta, pois não sabemos o preço no ano anterior. No entanto, se conseguirmos a informação precisa que o preço era de R$200, então podemos afirmar que, depois de um ano, o novo preço é de R$220. Em contrapartida, se soubermos apenas que o preço estava entre R$100 e R$200, o melhor que poderemos fazer é estimar que o preço atual está entre R$110 e R$220.

Quando o caos interfere no futuro

O problema das equações resolvidas pelos modelos numéricos é a falta de linearidade das mesmas. Voltando à analogia anterior: se houver uma inflação de 50%, provavelmente os produtos aumentarão 50%. Se isso se tratasse de uma equação que rege o clima, os alimentos poderiam aumentar 65%, 58% ou qualquer outra porcentagem, sem a lógica da proporcionalidade. “Se você aumentar a quantidade de radiação que chega na atmosfera, isso não quer dizer que a temperatura também aumentará ou que o vento ficará mais forte na mesma proporção”.

Tal “inconstância” é justificada pela Teoria do Caos, que explica que se houver duas condições iniciais da atmosfera muito próximas, resultados diferentes serão apresentados, após resolver-se equações. “Como não é possível conhecer o valor de pressão, umidade e temperatura em todos os pontos do planeta, com precisão absoluta, nunca seremos capazes de prever, com certeza, como será o tempo além dos próximos 15 dias”.

Apesar desta limitação da previsão de tempo, é possível dizer como será o clima da próxima estação. São previsões que trabalham em cima de margens e informam para os agricultores, por exemplo, se nos próximos meses haverá muita ou pouca chuva. Isso é possível porque, por trás do caos existe certo determinismo. “Existem regras que o sistema climático obedece. Sabemos calcular a posição do Sol e quanto de radiação irá esquentar a Terra. Sabemos que os verões são sempre mais quentes do que os invernos, que a temperatura dos oceanos varia mais lentamente que a da atmosfera. Esses mecanismos possibilitam previsões mais generalizadas. Não podemos dizer se, em três meses, choverá em São Carlos, por exemplo, mas pode-se dizer que na região, num ano sob a influência de um El Niño, as chuvas serão acima da média”, explica Barbosa.

O Brasil é um dos poucos países do mundo capaz de fazer uma previsão sazonal, onde os meteorologistas dão indicativos de como será a precipitação e a temperatura para os próximos meses. “Essas informações são muito importantes para guiar os passos da própria sociedade civil [agricultura, eletricidade, finanças etc.]”.

A Física e o meio ambiente

A interdisciplinaridade, hoje mais presente do que nunca, não deixou a física ambiental de fora. A reação dos gases da atmosfera é estudada por químicos, enquanto os biólogos buscam entender como as plantas interagem com a atmosfera na troca de gases e os hidrólogos estudam como a água da chuva escoa pela superfície e se infiltra no solo, por exemplo. Já os matemáticos desenvolveram as ferramentas necessárias para que todos estes cientistas escrevam as equações que descrevem tais processos. “Computadores sabem somar números melhor do que os humanos. Mas, primeiro, foi preciso escrever a equação para o problema”, enfatiza o pesquisador.

PrevisaoPara “prever o futuro”, portanto, rodam-se os modelos numéricos por muito mais tempo, além da escala sazonal. Ou seja, décadas ou centenas de anos. Um dos passos nestes estudos é aplicar os modelos numéricos para prever o clima em épocas passadas, confrontando com dados antigos e vendo se eles batem. Isso comprova a eficácia de modelos numéricos e serve como validação.

Através de modelos numéricos, Barbosa e outros pesquisadores que estudam as mudanças climáticas, confirmam o que, para a sociedade, como um todo, já não é surpresa: tais modelos apontam para a aceleração do ciclo hidrológico nos próximos anos, ou seja, o aumento de chuvas e de sua intensidade. “Além do aumento das temperaturas, choverá mais forte e de maneira mais concentrada. Olhando-se para todo planeta, a conclusão que se chega é que o efeito do homem é que explica as mudanças que já se observam.”, afirma Barbosa.

Sobre os atuais modelos utilizados para fazer previsões do clima futuro, Barbosa faz algumas ressalvas. “Os modelos numéricos precisam de melhorias, principalmente no que se refere aos efeitos das nuvens e dos aerossóis** no clima. As nuvens crescem a partir dessas partículas de aerossóis, o que já acontecia naturalmente. Entretanto, o homem polui a atmosfera, emitindo partículas com características físico-químicas e em quantidades diferentes das naturais. No momento em que essas partículas interagem com as nuvens, as propriedades destas são alteradas”.

A consequência disso, de acordo com o docente, pode ser o desaparecimento de nuvens ou o aumento de chuvas, e se desconhece, ao certo, qual destes efeitos antagônicos prevalece. A preocupação com o efeito destas partículas de poluição no clima se justifica pelos resultados das pesquisas científicas. No grupo de pesquisa de Barbosa, do IF/USP, dados coletados por diferentes instrumentos na Amazônia mostram um panorama pessimista. “Na época de queimadas, na Amazônia, a poluição é muito pior do que em qualquer centro urbano do mundo”.

As queimadas, inclusive, dão origem a uma nova “espécie” de nuvens: a pirocúmulus. “As queimadas liberam muito vapor de água contido na biomassa. Isso, somado a fuligem e ao calor, gera uma nuvem bem suja. Parte disso precipita, mas outra parte é transportada da Amazônia, passando por outras cidades e países da América Latina”, conta Barbosa.

Em um país agrícola, como o nosso, onde as queimadas são constantes (inclusive para limpeza de terrenos), informações sobre a dispersão continental destes poluentes é muito importante. Essa previsão de qualidade do ar é feita com base em imagens de satélite e sofisticados modelos numéricos que resolvem, inclusive, as reações químicas na atmosfera. Mas é importante destacar que modelos numéricos não serão capazes de amenizar a temperatura nos próximos anos. Caberá ao homem e suas ações trazerem previsões futuras mais otimistas e, com sorte, mais “limpas”.

*Primeiro computador surgido durante a segunda Guerra Mundial, desenvolvido pelos estadunidenses, para quebrar a criptografia nazista e fazer cálculos balísticos sofisticados.

**Partículas de poluição emitidas por pessoas, carros, indústrias etc.

Assessoria de Comunicação

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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