Notícias

17 de fevereiro de 2012

Entenda, de uma vez, a (revolucionária) partícula de Deus

Se ela existir de fato, uma coisa é certa: é onipresente. Mas ainda teremos que esperar pelo menos um ano para que os cientistas divulguem se a partícula de Deus existe ou não. Tudo será uma questão de fé… no método científico

Particula-1Descrever com os mínimos detalhes aquilo que nos rodeia é história velha, de precisamente 400 anos a.C., quando os gregos tentavam definir o que formava os corpos- vivos ou não-, incluindo o próprio corpo humano.

Sem chegar a grandes conclusões, eles acreditavam em uma coisa: tudo o que existe no Universo pode ser dividido em subconstituintes, ou seja, elementos menores que, unidos, eram capazes de formar qualquer outra coisa, como estrelas, pessoas, mesas e cadeiras etc. “Os gregos, por muito tempo, acreditaram que os quatro elementos fundamentais da natureza, terra, água, ar e fogo, seriam os constituintes de qualquer elemento, ideia que sobreviveu por mais tempo do que imaginamos”, conta o docente do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP) e membro do Observatório de Raios Cósmicos “Pierre Auger”, Luiz Vitor de Souza Filho.

Paralelo a essa definição mística, existia uma teoria que já definia o átomo como partícula fundamental- e, até então, indivisível. Mas, dessa vez, o místico manteve seu espaço até por volta do século XVII, quando só então passou a reinar o modelo atômico. “O átomo era visto como uma partícula indivisível e, a partir dele, as outras coisas eram formadas. Mas, isso ainda não era muito bem estabelecido. É como se o átomo fosse um tijolinho, mas sem cimento, ou seja, não havia uma explicação para como esses átomos mantinham-se grudados”, explica Vitor. “Não se sabia como eles se combinavam, se tinham, ou não, constituintes. Só havia a ideia do átomo”.

Foi quando entrando no século XX, apareceu um modelo mais detalhado do átomo, onde passou a explicar-se como ele era formado. Neste período o átomo passou a ser descrito por dois subconstituintes: núcleo e elétrons. “Por muito tempo, ainda, ficou uma ‘nuvem’, no sentido literal da palavra, em que o átomo era explicado por um modelo que recebeu o nome de ‘pudim de passas’: uma massa sem forma definida (núcleo – pudim) com os elétrons (passas) incrustrados nela”.

Mas, é só em 1932 que o átomo ganha o “formato” atual, com direito a prótons e nêutrons. A partir desse momento, foi possível explicar o “cimento” que os mantinha ligados: moléculas que, por sua vez, formavam todo resto.

Não parece grande coisa, à primeira vista, mas o desenvolvimento tecnológico muito acelerado, pelo qual passamos no século XX, tem tudo a ver com isso. “Os computadores são feitos com silício e esse elemento tem uma propriedade semicondutora, ou seja, em algumas circunstâncias conduz energia elétrica, em outras não. Isso é usado no computador o tempo todo, fazendo parte de seu funcionamento básico. Ou seja, só foi possível montar computadores depois que entendemos como o silício funciona e esse entendimento só foi possível através do estudo das propriedades dos átomos e da matéria”, justifica o docente. “Antes de 1930, não sabíamos exatamente como o átomo era formado, e isso fechou as portas para qualquer tipo de desenvolvimento tecnológico que, posteriormente, conseguimos alcançar”.

A confecção de fármacos e a cura de algumas doenças, como tuberculose e sarampo, também só foi possível graças a esse conhecimento. “Entender o funcionamento das microestruturas de nosso corpo faz parte dos desenvolvimentos da explicação dos constituintes da matéria. Hoje, têm-se propostas de fabricação de remédios em escalas, praticamente, atômicas. Isso também só é possível pelo conhecimento das propriedades dos átomos”.

Mas, os físicos ainda não estavam satisfeitos. Uma vez explicado o funcionamento do átomo, a curiosidade tomou outro rumo: como funcionam os constituintes dos átomos, ou seja, será que prótons, elétrons e nêutrons poderiam ser formados por algo ainda mais fundamental?

O quark é o novo tijolo

Partculas_fundamentais-_classesPara os físicos de partículas, sim! Grosseiramente explicando, reza o modelo padrão da física de partículas que há algo “abaixo” do átomo. Embora o elétron mantivesse seu status de partícula fundamental, prótons e nêutrons não: eles são formados por quarks. “A física de partícula elementar tem duas classes de tijolos: quarks e léptons. Nesta última classe estão os elétrons, outras partículas menos comuns, o múon e tau (no mesmo nível dos elétrons) e os neutrinos”, esclarece Vitor. “A diferença entre essas duas classes é o tipo de interação que elas têm. Léptons não têm a mesma interação que os quarks”.

Sendo as novas partículas fundamentais, léptons e quarks formam tudo o que conhecemos. Mas, eis que entra em cena um terceiro personagem na história: o bóson. Fazendo o papel de cimento entre as partículas fundamentais, os bósons transmissores de interações seriam responsáveis por estabelecer a ligação entre elas. “Os quarks atraem-se muito fortemente, para formar o próton. Para descrever essa força, existe outra classe de partículas, que é, justamente, um bóson”.

Mas, existem vários tipos de bósons que, fundamentalmente, são responsáveis pelas interações entre as partículas fundamentais. Mas, a pergunta principal que tem sido feita há pouco tempo é: como essas partículas ganham massa? “O que caracteriza um quark é sua carga elétrica, sua massa etc. É possível explicar a massa do átomo, somando os prótons, nêutrons, elétrons e suas interações. No caso do próton, soma-se o número de quarks que o compõe e suas interações . Mas, e quanto aos quarks? Como saber qual é sua massa?”.

No céu, na Terra e em todo Universo

Esse “buraco teórico” tem ocupado o intelecto dos físicos há alguns anos. A maioria deles acredita que tal massa é conseguida via interação, que veio a ser chamada de bóson de Higgs*.

Agora é que entra em foco a partícula elementar que, nos últimos meses, tem feito parte de toda matéria… jornalística: o bóson de Higgs, ou partícula de Deus, nada mais é do que um mecanismo, dentro da teoria de partículas, para dar massa aos “tijolos” elementares.

Mas, a polêmica se instala, justamente, porque esse não é o único mecanismo que explica a massa de um quark. Vários outros foram propostos, mas a atenção é voltada, exclusivamente, ao primeiro, por ser o mais simples de todos. “É o que melhor combina com aquilo que já temos na teoria, é o mais básico”.

Particula-2Embora carregue um nome místico, o bóson de Higgs é um engenho simples, sem muito mistério ou religiosidade. O apelido que ganhou se justifica por ser um mecanismo ainda não comprovado e muito difícil de ser encontrado. Mas, se na mídia, essa partícula é novidade, o enorme time de pesquisadores que trabalha no LHC não pode dizer o mesmo: eles tentam encontrar o bóson de Higgs desde que o acelerador de partículas foi montado. “O LHC tem como principal foco encontrar essa partícula, embora tentativas semelhantes, feitas no FERMILAB**, já buscam a partícula misteriosa há muito mais tempo”.

O apelido “espiritual” adquirido pelo bóson de Higgs, na realidade, é por acaso: Leon Lederman, físico ganhador do prêmio Nobel, em um livro que escreveu sobre o assunto, apelidou o bóson em questão de “partícula maldita”, mas o editor ficou temeroso com as reações ao nome e por questões de ética- e talvez religiosas- trocou-o.

O blá-blá-blá repentino sobre o assunto, no entanto, pode não passar de uma estratégia política (e midiática) para justificar o dinheiro investido no LHC, com vistas a procurar a tão acuada partícula. “A comunidade de física de partículas escolheu essa como a pergunta mais importante a ser respondida nos próximos anos: qual o mecanismo que dá massa às partículas elementares”.

Uma vez encontrado, esse mecanismo poderá explicar, com mais precisão, aquilo que os gregos se perguntam há 400 anos a.C e saberemos, ainda com mais detalhes, como grande parte daquilo que nos rodeia é composto. Essa onipresença da partícula se for, de fato, comprovada, será mais um motivo para explicar seu transcendental apelido.

A perseguição deve continuar

Investir tanto tempo e dinheiro para encontrar a partícula de Deus (bóson de Higgs ou o mecanismo que dá massa a partículas elementares, complicando a linguagem) pode parecer bobagem e perda de tempo para os mais descrentes. No entanto, se essa partícula for, de fato, encontrada, um novo mundo pode ser colocado a nossa frente. Se no passado tivemos a cura de doenças e um desenvolvimento tecnológico que nenhum pensador grego poderia imaginar, tudo se deve a descobertas como essa.

Até o presente momento, se fôssemos fazer um comparativo, poderíamos dizer que os dedicados pesquisadores do assunto têm buscado uma agulha no palheiro e, embora ainda não tenham a encontrado, já é possível ver o seu brilho. “Há dois experimentos separados, no LHC, para medir a mesma coisa. Existe um intervalo grande onde o [bóson de] Higgs pode estar e os experimentos vão varrendo esse intervalo. Boa parte dele já foi eliminada, onde o bóson não está, com certeza. Sobrou um intervalo muito pequeno e nele apareceu uma pequena evidência de que pode haver algo ali. Isso não é uma descoberta, embora tenha aumentado os ânimos entre os pesquisadores”, explica Vitor.

Ainda de acordo com o docente, se esse indício for verdadeiro, levará mais um ano, pelo menos, para que a famosa partícula seja, efetivamente, encontrada. Mas, uma coisa é certa: para conclusão desse experimento, será necessária muita dedicação, pesquisa e, por que não, muita fé por parte dos estudiosos.

*predita, em 1964, pelo físico Peter Higgs, trabalhando as ideias do físico estadunidense, Philip Anderson

**Fermi National Accelerator Laboratory é um laboratório especializado em física de partículas de alta energia dos EUA, localizado em Chicago, Illinois

Assessoria de Comunicação

Imprimir artigo
Compartilhe!
Share On Facebook
Share On Twitter
Share On Google Plus
Fale conosco
Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
Obrigado pela mensagem! Assim que possível entraremos em contato..