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8 de maio de 2017

Ensinando física em tupi-guarani

Por volta das nove horas da manhã de 26 de abril, o educador do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), Herbert Alexandre João, entrou na caminhonete 4×4 que o transportaria da Cidade Universitária (USP) à aldeia indígena Tenondé Porã, localizada no distrito paulista de Parelheiros, a 48 km da sede uspiana.

Faltavam poucos minutos para que o educador chegasse ao destino final, quando o tempo, nublado, fez cair uma forte chuva, indicando que a recepção na aldeia se daria sobre muita lama.

A aldeia Tenondé Porã está localizada em um território indígena de quase 16 mil hectares – antes de maio de 2016, a demarcação de terra desse território era de aproximadamente 25 hectares -, abrangendo os municípios paulistas de Mongaguá, São Bernardo do Campo, São Paulo e São Vicente.

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Embora mantenham vivos o idioma e a cultura de seus ancestrais, os cerca de oitocentos índios Guaranis que vivem na aldeia se adaptaram à expansão das áreas urbanas, próximo ao território indígena, e aderiram a alguns costumes dos “homens brancos”: eles têm aparelhos de TV e acesso à internet, trajando roupas semelhantes às de quem visita a comunidade.

Os moradores da aldeia, que vivem em pequenas casas de sapé e de tijolos, alimentam-se do que plantam (mandioca, milho, batata doce, abóbora…) e obtêm recursos financeiros através do Governo, de vagas de empregos que eventualmente são oferecidas pelo Centro de Educação e Cultura Indígena – CECI (educação infantil), pela Escola Estadual Indígena Guarani Gwyra Pepó, pelo posto de saúde local, e da venda de artesanatos (arcos e flechas, colares, apitos, flautas, chocalho, cestos…), que geralmente são comercializados dentro da aldeia quando há visitas (que, aliás, são poucas).

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Anualmente, a comunidade recebe cerca de dez grupos de visitantes. Tiago Honório dos Santos, ou Karai Tataendy (seu nome em Guarani), é professor do ensino fundamental da Escola. Nasceu em uma aldeia próximo ao litoral paulista, mas mudou-se com seus pais para Tenondé Porã antes de completar dois anos de idade. Assim como parte de seu povo, ele é cético em relação às visitas que se realizam na aldeia. “Não queremos ser vistos como um zoológico, ? Então, a gente prefere receber poucas visitas, porque recebemos vários tipos de pessoas… Uns querem pesquisar, outros só querem tirar a curiosidade. Então, a gente tem um certo cuidado com esse tipo de visita”, disse o Guarani, de 24 anos.

A apresentação

“Dê uma pitada aí!”, disse Herbert a um dos cerca de vinte indígenas que estavam acomodados em um auditório, construído em formato de oca, na aldeia. Gentilmente, o índio levou o cachimbo aos lábios e o fumou, liberando a fumaça que subiu pelo ar.

Então, o educador explicou ao índio e a outros vinte indígenas presentes ali, que o ar quente sempre sobe, enquanto que o frio desce. A regra vale para qualquer fluído líquido ou gasoso, sendo conhecida como “convecção térmica”. Usando outros exemplos do cotidiano e alguns experimentos didáticos, Herbert abordou outros conceitos estudados pela física, como, por exemplo, o eletromagnetismo.

Há anos que essas apresentações são feitas por Herbert e seus bolsistas, no IFSC, compondo o Show da Física, que faz parte do Programa Universitário Por Um Dia, um projeto que atrai alunos do ensino médio ao IFSC/USP, onde assistem a experimentos de física e conhecem a infraestrutura da Unidade, vivenciando o ambiente acadêmico da USP.

Os indígenas que assistiram aos experimentos de Herbert são professores das Escolas Estaduais Indígenas Guarani Gwyra Pepó e Krukutu – esta última localizada próximo à Tenondé Porã. Parte desses professores já havia conferido esses e outros experimentos de física, quando participou do Programa no Instituto, em outubro de 2016, através de uma parceria estabelecida entre o IFSC e a Diretoria de Ensino da Região Sul 3 de São Paulo.

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Quando a apresentação de Herbert terminou, era hora do almoço e o prato principal consistia em arroz, feijão preto e quirera. A Escola Gwyrá Pepó atende em torno de 250 alunos (o CECI abrange cerca de 150 crianças) e assemelha-se a qualquer outra unidade de ensino básico do Estado, exceto pelas paredes enfeitadas com desenhos e fotos relacionados à cultura indígena, e pelas aves e cães que vivem na aldeia.

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O desafio

Após o almoço, os professores, acompanhados por alguns de seus alunos, regressaram ao auditório, até porque Herbert havia proposto um desafio a esses docentes: com base na apresentação feita pelo educador, os índios poderiam apresentar os mesmos experimentos aos seus estudantes, no idioma tupi-guarani.

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Dos cerca de vinte professores, apenas dois aceitaram o desafio, com o público seguindo a dupla como se fossem mágicos: diminuíram o raio de um simples objeto quando o submeteram à temperatura fria do nitrogênio líquido, e fizeram uma bexiga e um canudo grudarem na parede, após esfregá-los nos cabelos, exemplificando a eletrostática.

A experiência foi um grande sucesso, particularmente entre os índios mais jovens. As crianças gracejavam quando a tentativa de fazer um experimento falhava, e ficavam boquiabertas quando os experimentos eram executados com perfeição.

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“Foi bem legal”, disse Liedson Tibes, animado, ao se referir à apresentação. Filho de indígenas que chegaram à aldeia há 16 anos, o jovem de 14 anos disse ter gostado da apresentação, principalmente quando um dos indígenas que assistia aos experimentos foi convidado para se sentar em um banco giratório, segurando dois halteres pequenos no nível do peito – quando o índio girava, segurando os halteres com os braços abertos, a velocidade do giro diminuía, e, conforme fechava os braços diante do peito, a velocidade aumentava, em razão de uma maior concentração de massa corporal.

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Claudio Vera, de 35 anos, dá aulas de artes e educação física para jovens do ensino fundamental da Escola Estadual Krukutu, que envolve aproximadamente 70 alunos. Ele participou do Programa que ocorreu no IFSC, em outubro de 2016, tendo sido um dos dois professores que aceitaram o desafio de Herbert. O professor indígena destacou a importância de se explicar os conceitos da física de modo didático e lúdico a seu povo, que geralmente aprende sobre a natureza, a partir das histórias que ouve dos Guaranis mais antigos.

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De acordo com a Profa. Teresa Regina Azevedo, da Diretoria de Ensino – Região Sul 3 (São Paulo), a educação escolar indígena, assim como a colaboração estabelecida entre a Diretoria e o IFSC, tem se consolidado cada vez mais. “A nossa expectativa é que essa iniciativa [a oportunidade que os professores tiveram de apresentar os experimentos] possa trazer aos nossos alunos uma visão diferente da vivência que eles têm, sendo também uma experiência diferente e importante para a formação dos professores indígenas que não têm formação superior”, disse ela, minutos antes da apresentação de Herbert.

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Para o Prof. Dr. Tito José Bonagamba, Diretor do IFSC/USP, o principal objetivo de integrar as comunidades indígenas no Programa Universitário por Um Dia é estabelecer um “canal de contato” com as escolas de aldeias, da mesma forma como já há com outras instituições de ensino municipais e estaduais. “Afinal, as escolas indígenas também são públicas”, enfatizou ele, quando o Instituto recebeu alguns docentes indígenas em 2016.

Agora, mesmo não tendo os equipamentos e a infraestrutura que existem no Instituto, os professores indígenas podem se basear nas apresentações do Show da Física, para ensinarem os mesmos conceitos físicos destacados pelo educador do IFSC, que tem a perspectiva de levar suas apresentações a outras aldeias que posteriormente poderiam visitar o Instituto, para vivenciarem todas as atividades propostas pelo Programa Universitário por Um Dia, que inclui as visitas pelo Campus USP São Carlos.

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Ao sair de Tenondé Porã, Herbert recordou algumas palavras que ouviu de Karai Tataendy, o professor Tiago Santos. “Lembro-me de que Tiago falou que os indígenas têm suas lutas, mas que, mesmo assim, pararam para ter esse dia de atividades de divulgação científica, o que valeu a pena, porque ele pôde ver o brilho nos olhos dos professores e dos alunos indígenas”.

“Xondaro”

Parte dos Guaranis que vive nesse território indígena foi retratada na HQ Xondaro (em português, o termo significa “guerreiro”), do artista Vitor Flynn Paciornik. O livro resgata alguns episódios da luta desses índios pela valorização de sua cultura, relatando, por exemplo, o dia em que Werá Jeguaká Mirim, um jovem Guarani, foi convidado para participar da abertura da Copa do Mundo de 2014, no Itaquerão (SP), onde ergueu uma faixa vermelha, em que se podia ler “demarcação”.

A HQ, publicada em 2016 pela Fundação Rosa Luxemburgo e Editora Elefante, está disponível para empréstimo na Biblioteca “Professor Bernhard Gross” do IFSC.

Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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