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17 de fevereiro de 2012

Dos mistérios da transmissão de informação ao teletransporte

Para a maioria das pessoas, o teletransporte não passa de um fruto do imaginário, criado por produções de ficção científica que passam longe do mundo real. Baseado em fenômenos e técnicas que têm aplicações na promissora Computação Quântica, e nutrindo esperanças a partir da esperada descoberta da polêmica “partícula de Deus”, o teletransporte pode estar um passo à frente na evolução das tecnologias de comunicação que nos cercam dia e noite

Como sabemos, a forma mais simples de comunicação é através da expressão vocal. Nela, as cordas vocais geram uma onda de pressão que é transmitida pelo ar até chegar ao receptor – o ouvido – que vibra e codifica a mensagem no seu caminho até o cérebro, órgão que já tem um algoritmo específico para gerar essa compreensão.

Mas, a informação também pode ser visual. Por exemplo, um sinal gestual de positivo, já significa que “está tudo bem” sem a necessidade de dados complementares. Aqui, da mesma forma, a transmissão se dá através de uma onda eletromagnética – neste caso, a luz. A luz da lâmpada reflete no dedo e o torna visível, e o olho é o receptor da mensagem.

Com o decorrer do tempo, formas artificiais de transmissão de informação foram criadas. Como fazer para se comunicar com uma pessoa que está em outra cidade? No século XIX, o pesquisador alemão H. Hertz constatou que ondas eletromagnéticas se propagam no espaço, sem a necessidade de um meio físico específico para tanto. Este foi o início da comunicação à longa distância. Rapidamente, descobriu-se que é possível gerar e receber energia eletromagnética contendo informações através de duas antenas. A primeira forma desenvolvida para a troca de informações, através de ondas eletromagnéticas, foi o telégrafo, ao qual se seguiu o rádio, o telefone e a televisão, fazendo evoluir o conteúdo da informação transmitida por sinais, passando por áudio até imagens.

Atualmente, a evolução se dá meramente na forma de transmissão: as imagens são de alta resolução, a velocidade da transmissão não para de crescer… Mas a sede pela informação em massa também não tem fim: então, qual seria o próximo passo da evolução da informação? Transmitir objetos físicos, talvez?

Ficção ou realidade?

startrekNa série de tevê “Jornada nas Estrelas”, que, inclusive, previu a tecnologia dos telefones celulares através do uso constante dos famosos comunicadores, os personagens tinham também uma forma muito particular de se locomover para outros planetas ou outras naves espaciais – o teletransporte. Inicialmente proposto como uma maneira de economizar os custos de filmagem de inúmeros cenários e poupar tempo dos episódios com cenas de pouso e voo das naves, o “transporter“, como era chamado na série, acabou criando em toda uma geração grandes expectativas sobre esta tecnologia. Ao entrar na câmara ou no espaço reservado ao transporter, com alguns comandos, os personagens desapareciam, em um processo chamado desmaterialização, e rapidamente apareciam em seu destino, rematerializados.

Isso é possível no mundo real? Cientificamente, fisicamente, o teletransporte é possível? Segundo o Professor Dr. Euclydes Marega Junior, do Instituto de Física de São Carlos, sim. “Einstein já nos ensinou que energia e matéria são a mesma coisa”, explica ele, “então, provavelmente a função da máquina em Jornada nas Estrelas era transformar a matéria humana em uma forma de energia que contivesse toda a informação daquela pessoa, desde o número de células que possui no corpo até seu DNA e seu conjunto de memórias e vivências”. Contudo, este processo é a parte surreal de todo o projeto. Segundo o pesquisador, esta conversão teria como resultado uma quantidade de energia absurdamente alta. Se a energia é a massa multiplicada pela velocidade da luz ao quadrado (E=mc²), o cálculo da desmaterialização de toda a informação contida em um ser humano de 80 kg, convertida em energia eletromagnética, seria o equivalente à produção de energia da Usina Hidrelétrica de Itaipu, em um dia.

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Macroscópico VS microscópico

“Se é possível teletransportar um átomo, é possível teletransportar uma pessoa, que nada mais é que um conjunto de átomos, mas este é um processo realmente complexo”, refere Marega. Ele explica que as coisas funcionam de uma maneira bastante distinta no universo macroscópico e no universo microscópico. “O nosso mundo, macroscópico, funciona de forma determinística, ou seja, podemos prever as consequências de um fenômeno antes mesmo dele acontecer”, ele compara, explicando que o mundo microscópico, atômico, estudado pela Mecânica Quântica, não são determinísticas do nosso ponto de vista.

“Aqui, podemos dizer com facilidade onde está uma caneta, uma folha de papel, uma mesa. Porém, todas as coisas do universo têm uma dualidade, porque se comportam ora como onda, ora como partícula. Uma pessoa pode apresentar comportamento ondulatório e também de partícula, mas por ser algo muito grande, sua localização é muito fácil. Um elétron, muito menor que um átomo, tem um comportamento essencialmente quântico, e sua localização é indefinida. Não é possível determinar, com simples observações, a posição do elétron”, explica.

A Mecânica Quântica postula que, para definir a localização de um elétron, é necessário abrir mão de outras informações complementares. Isso porque a determinação de uma partícula depende de duas informações básicas: posição e velocidade. Ao definir sua posição, perde-se a informação sobre sua velocidade, e vice-versa. Este é o chamado “Princípio da Incerteza de Heisenberg”.

Se o elétron tem dois lugares possíveis de posição, onde ele está? Segundo as leis da Mecânica Quântica, em nenhum dos dois, pois ele está emaranhado entre as duas posições, e a função que o representa é não determinística. Contudo, ao determinar a localização do elétron, ele entra para o mundo determinístico e nunca mais sairá deste mesmo local. “É como se nunca tivesse saído de lá”, comenta o docente. Esse fato é relacionado ao conceito de “entrelaçamento”, que é uma superposição de estados em Mecânica Quântica, desfeita a partir do momento em que se cruza a barreira entre o universo não determinístico e o universo determinístico.

A luz

A chave para a transmissão de informação no mundo quântico é a luz. Qual é a massa da luz? Zero. “Luz é composta por fótons, e estas partículas de luz têm massa zero, é por isso que a luz consegue viajar em velocidades tão altas”, explica Marega. Outro aspecto interessante é que, para a luz, o tempo não passa. “A luz é a mesma desde sempre. Coisa estranha, não?”, reflete o docente, contando que, para viajar na velocidade da luz, é preciso se tornar essencialmente luz. Segundo a Teoria da Relatividade de Einstein, se você viaja na velocidade da luz, o tempo fica parado, do seu ponto de vista. Por essas razões, é mais fácil teletransportar a luz. Na verdade, experiências de teletransporte são mais comuns com esta partícula de energia.

A primeira experiência bem-sucedida de teletransporte, realizada em 1997 pelo austríaco Anton Zeilinger e pelo italiano Francesco de Martini, baseia-se na réplica do spin – movimento de rotação ao redor de si mesmo – de um fóton. Para isso foram criadas duas partículas a partir de um mesmo fóton chocado contra um cristal, e posicionadas em pontos bem distantes. Segundo a Física Quântica e conforme exposto por Marega, as partículas não têm nenhuma propriedade até que sejam medidas, ou seja, para nós, é como se os fótons só começassem a girar quando o cientista percebe o giro. E, nestas experiências, quando os pesquisadores mediram o spin do fóton mais próximo, adivinhe o que aconteceu? O outro fóton começou a girar na direção oposta. Não importa a que distância, não importa quantos movimentos faz o primeiro fóton: o segundo fóton sempre repete estes giros instantaneamente. Também, em 1998, físicos do California Institute of Technology conseguiram replicar um fóton através de um cabo coaxial de 1 metro, contornando o desafio do Princípio da Incerteza de Heisenberg justamente através do fenômeno do entrelaçamento em três fótons. O fóton A, a ser teletransportado, fora do entrelaçamento, poderia sofrer uma colisão e ser modificado caso os pesquisadores tentassem determiná-lo. Os fótons B e C, se entrelaçados, poderiam fornecer algumas informações sobre o fóton A, e o resto das informações seria transferido para o fóton B através do entrelaçamento e, depois, para o fóton C. Quando essas informações do fóton A passam para o fóton C, tem-se uma réplica exata do fóton A, mas este fóton nunca mais existirá da forma como existia antes.

TransporterDito isso, temos que o teletransporte não é um simples transporte de partículas, mas de informação quântica. A informação se materializa em outros átomos, ou seja, após o teletransporte, o que passa a existir é uma “cópia” do corpo original. Em outras palavras, no caso de Jornada nas Estrelas, quando o Capitão Kirk se teletransporta para outros planetas, é como se o transporter fizesse uma análise de sua estrutura atômica e a enviasse para o local de destino, onde uma réplica dele é criada, e o original é destruído. O pesquisador norte-americano Charles H. Bennett afirma que o grande desafio do teletransporte, da maneira como imaginamos, é a forma apropriada de lidar com a delicadeza e a complexidade das partículas que formam os átomos sem interferência alguma, ou seja, como imprimir a informação em átomos de maneira idêntica ao original. A única maneira para lidar com este problema, segundo o físico, é estabelecer uma comunicação instantânea entre as partículas, mesmo sem nenhuma ligação entre elas, como uma energia eletromagnética que comunique a segunda partícula sobre o comportamento da primeira, construindo um sistema. E isto é possível, através do fenômeno de entrelaçamento, que permitiria a criação de partículas com propriedades idênticas a qualquer distância. O inglês Samuel Braunstein, da Universidade de York, provou a teoria no final da década de 90, teletransportando um feixe de raio laser em laboratório, utilizando a teoria criada por Bennett. Mas, segundo Marega, os elementos luminosos são muito menos complexos que um átomo e a quantidade de informações contidas em um ser humano é milhões de vezes maior, ou até mais. “Essa quantidade é imensurável, e é difícil saber quando a ciência poderá lidar com tudo isso”, afirma o pesquisador do IFSC-USP.

A partícula de Deus

Teletransporte é possível, via luz, mas tem uma série de empecilhos. Basicamente, seria necessária a existência de duas antenas quânticas, uma para enviar e uma para receber informação, em forma de luz, sem nenhuma interferência material entre elas, para transformar o que houvesse no local da antena receptora naquela mesma coisa que houvesse no local da antena emissora. O problema é que a informação que existe numa pessoa, convertida, por exemplo, em gigabytes, é incalculável. Além disso, a energia é algo totalmente fugaz e ainda não foi descoberta uma forma de transformá-la em matéria. A resposta para isso, segundo Marega, está intimamente relacionada com a existência do bóson de Higgs, a famosa “partícula de Deus”, que ainda não foi encontrada mas tem grande potencial de representar o elo perdido entre energia e matéria.

Para viabilizar o teletransporte, a matéria precisa ser desintegrada, de alguma forma, para se transformar em energia. O pesquisador dá o exemplo de uma reação nuclear, em que o urânio, que tem uma radioatividade natural e núcleo instável, se desintegra quase totalmente, ou seja, quebra suas ligações nucleares e libera nêutrons. O interessante é que a massa que resulta desse processo é menor do que a massa do urânio original, porque a diferença é justamente energia, que estava armazenada nas ligações nucleares. “É esta energia que unia o núcleo do urânio”, esclarece o professor. “Mas transformar nêutron em fóton é uma tarefa nunca antes realizada” completa, a tempo.

Na busca pelas partículas mais elementares do Universo, constatou-se, em séculos de investigação, que grandes quantidades de energia as mantém unidas. Mas, em algum ponto, resta apenas matéria; e é aqui que reside a grande descoberta da “partícula de Deus”. Esta é a intenção dos grandes aceleradores de partículas do mundo: chocar as partículas e desintegrá-las o máximo possível até que reste apenas um elemento, responsável pela existência de todos os outros. A partícula comprovaria a existência do “campo de Higgs”, uma energia que preenche o vácuo do Universo e pode ser responsável por dar massa às partículas subatômicas. Crê-se que, após o “Big Bang”, nenhuma partícula teria massa a não ser que entrasse em contato com o campo de Higgs. Exceto pelos fótons, que não têm massa, todas as partículas que formam a matéria têm íntima relação com este campo. “Quanto mais perto chegamos da desintegração total das partículas que conhecemos, mais perto chegamos a descobrir como a energia é transformada em massa e vice-versa, e podemos ficar mais próximos de entender como tiveram origem todas as coisas do Universo tais quais conhecemos atualmente”, explica ele.

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Com estas reflexões, fica fácil não ficar desapontado com a distância que ainda existe entre realidade e ficção. O teletransporte pode ser o ápice do desenvolvimento tecnológico com o qual a humanidade sonha, mas a maior parte do planeta não consegue nem imaginar os avanços científicos e benefícios práticos que a pesquisa e a discussão sobre o tema tem gerado, e ainda podem gerar em nosso cotidiano. E quem diria que a chave para o pleno desenvolvimento do teletransporte poderia abrir portas que levam a uma nova percepção da natureza e, por consequência, incontáveis novidades tecnológicas? O transporter de Jornada nas Estrelas seria, então, considerado coisa do passado. Pode-se dizer que, mesmo estando muito longe da nossa realidade, esta técnica, aparentemente sobrenatural, pode estar, ao mesmo tempo, muito, muito perto de nós.

Assessoria de Comunicação

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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