Notícias

13 de abril de 2012

Eletricidade prejudicial ou fundamental?

Em 1752, o norte-americano Benjamin Franklin propôs à ciência a inusitada ideia de que as nuvens pudessem conter eletricidade. Para comprovar a teoria, ele sugeriu que alguém subisse no alto de uma montanha, em meio a uma tempestade, para verificar se uma haste metálica isolada do solo geraria faíscas em direção à sua mão. Não foi Franklin, no entanto, quem realizou pela primeira vez este experimento, provavelmente devido à ausência de montanhas suficientemente altas na Filadélfia, onde vivia, nos EUA: foi o francês Thomas François Dalibard que, em maio desse ano, conseguiu observar as faíscas vindo aos seus dedos. Franklin adaptou sua própria experiência um mês depois da façanha do francês, empinando uma pipa que continha uma chave amarrada próxima à linha na sua mão e observando que a chave emitia várias faíscas. Essa é uma experiência altamente perigosa e Franklin, considerado o inventor do para-raios, sabia disso. Desde então, muitas pessoas que tentaram repeti-la sofreram acidentes fatais. Nunca tente realizá-la, você mesmo!

franklinA hipótese de Franklin foi confirmada – há eletricidade nas nuvens. É claro que essa constatação gera outras dúvidas, tais como o porquê das nuvens se eletrificarem, como se dá o fenômeno da descarga elétrica através dos raios ou, mais recentemente, quais as implicações do famoso efeito estufa na incidência de raios mundo afora. O professor Valter Líbero, pesquisador do Grupo de Física Teórica do IFSC-USP e coordenador do Centro de Divulgação de Astronomia (Observatório Dietrich Schiel – USP), fala um pouco sobre o tema e ajuda a detalhar este fenômeno tão curioso – e assustador – de nosso cotidiano.

Fenômenos do céu

Basicamente, as nuvens se formam através do calor que, irradiado pelo Sol, atinge a superfície do nosso planeta, transformando a água em vapor. Ao atingir regiões mais frias da atmosfera, este vapor se condensa, formando minúsculas gotas de água. Isso é o que compõe as nuvens que observamos no céu. Mas nem toda nuvem é capaz de produzir relâmpagos. Somente as chamadas cumulus nimbus, conhecidas como nuvens de tempestade, é que proporcionam as condições necessárias para a emissão dos raios: alta intensidade de ventos, grande extensão vertical e partículas de vários tamanhos de água e gelo.

Este tipo de nuvens tem dimensões gigantescas. Seu diâmetro pode chegar a 20 km, atingindo até mesmo a base da estratosfera. As nuvens de tempestade, como o próprio nome já diz, são associadas a chuvas torrenciais que provocam enchentes, granizo e até mesmo furacões, que funcionam como um estabilizador do calor na Terra. Por exemplo, em um dia de calor, o ar aquecido a uma temperatura de 40ºC pode chegar até o topo da nuvem em uma temperatura de -70ºC. Segundo estimativas, sem as tempestades, a temperatura do planeta seria, em média, 10ºC, ou seja, cerca de cinco graus abaixo da média atual.

Os raios, por sua vez, são as descargas elétricas vindas destas nuvens de tempestade. Segundo o professor Valter Líbero, eles acontecem pela presença de cargas opostas entre duas regiões da atmosfera. A origem da eletricidade no interior destas nuvens é complexa e ainda motivo de estudos, mas ele explica a hipótese mais provável na atualidade:

“Ao se formar uma nuvem de tempestade, há ciclos de transformação de água líquida em cristais de gelo e em granizos. Nesses ciclos, por colisão entre partículas, os granizos ficam com cargas negativas e, por serem mais pesados, concentram-se na base da nuvem. Os cristais de gelo ficam carregados positivamente e se espalham pela nuvem”.

Ele explica que este campo elétrico formado, ao atingir um valor crítico capaz de romper a rigidez dielétrica do ar, possibilita a descarga elétrica entre nuvens – o tipo mais frequente de raios.

Outro tipo de relâmpago é aquele originado a partir da formação de um campo elétrico entre a nuvem e a terra, rompendo a isolação do ar, o que ocasiona uma descarga elétrica descendente – de cima para baixo. O mesmo campo elétrico, então, induz cargas de sinal oposto na superfície terrestre, que podem fazer a carga elétrica subir, em um movimento ascendente. Estes dois raios (um vindo do céu e um vindo da terra), que seguem um percurso ramificado, podem se cruzar e fechar um caminho único entre nuvem e terra, como se um finíssimo fio condutor fosse ligado entre nuvem e terra. “Este caminho dá início à passagem de uma descarga elétrica de altíssima intensidade, tornando o ar um plasma muito aquecido e favorecendo ainda mais a passagem de cargas. Este é o raio que vemos”, explica o pesquisador, ensinando que o repentino aquecimento do ar provocado por este raio e sua consequente expansão é o que dá origem ao trovão. “Por isso, o raio pode ser visto como regulador de um equilíbrio elétrico necessário entre o céu e a terra”, completa ele.

Para se ter ideia, a tensão elétrica necessária para um raio ocorrer é da ordem de um milhão de vezes aquela que utilizamos em nossas casas (110 volts), e a corrente elétrica, que é o fluxo de carga presente num raio, é cerca de duas mil vezes maior que a residencial (50 ampères, com um chuveiro ligado). A temperatura do ar ao redor de um raio pode alcançar os 25 mil graus celcius. Estabelecendo estes parâmetros, pode-se ter uma ideia do motivo pelo qual muitas pessoas consideram os raios como a manifestação mais violenta da natureza.

Mas o pesquisador do IFSC-USP afirma que apenas uma pequena fração da energia do raio está na corrente elétrica. “A maior porcentagem está contida na forma de calor e radiação eletromagnética (luz e ondas de rádio). Como o processo todo dura cerca de um segundo, desde formação dos precursores até a descarga final, a energia elétrica resultante é de apenas 300 KWh, o equivalente a uma lâmpada de 100 W acesa durante quatro meses”, aponta ele.

Este baixo valor energético, associado a altos custos tecnológicos, acabam por desfazer o mito de que os relâmpagos poderiam ser aproveitados como fonte de abastecimento elétrico, mesmo no Brasil, o país em que há a maior incidência de raios do mundo. “A duração de um raio é muito pequena, e teríamos que armazenar a energia de muitos raios para ser proveitoso”, lamenta Valter. Estimativas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) calculam que, mesmo se fosse possível capturar todos os relâmpagos que caem em uma cidade como São Paulo (de 5000 a 10000 por ano), a energia capturada seria suficiente para alimentar apenas 600 residências.

boxraios

A incidência de raios no território brasileiro pode ainda sofrer um considerável aumento nos próximos anos, mas aqueles que viam nesta descarga elétrica uma esperançosa – e ingênua – alternativa para o abastecimento energético mundial não devem ficar muito felizes. A mudança climática que o planeta vem sofrendo influencia em grande escala este fenômeno. “Há indicações, ainda em debate, de que cada grau de aumento na temperatura global pode corresponder de 10 a 20% de aumento no número médio de raios”, conta Valter. Em grandes centros urbanos, o número de registros de raios já vem sofrendo significativo aumento, atribuído à crescente poluição do ar e da temperatura média das cidades.

Outro fator que exerce influência na manifestação de raios são as partículas emanadas pelo Sol, que podem ajudar no desencadeamento da corrente que forma os raios precursores (que ajudam a romper a rigidez dielétrica do ar). “Neste ano de 2012 está ocorrendo o pico de manchas solares, que tem período de onze anos, e o efeito disso na incidência dos raios tem sido monitorado”, acrescenta ele.

Untitled-1O Grupo de Eletricidade Atmosférica (ELAT), do Inpe, tem coordenado nos últimos anos uma rede de monitoramento que funciona ininterruptamente, o que contribui para o aprimoramento das estatísticas no Brasil e tem o objetivo maior de proteger pessoas que exercem atividades ao ar livre.

Segurança

A forma conhecida mais eficaz de proteger a população contra os efeitos danosos de um raio ainda é o clássico para-raio, uma estrutura metálica, normalmente em forma de ponta, situada em um local alto. Esta estrutura funciona como um caminho mais fácil, seguro e controlado do raio chegar ao solo. Mas o professor Valter alerta: “Ao contrário do que se pensa, a ação de um para-raio é bem limitada em alcance, protegendo apenas uma área de diâmetro igual à sua altura”.

E agora?

Há outras maneiras já bastante conhecidas de evitar ser alvo de um raio. Em primeiro lugar, em meio a uma tempestade, deve-se evitar locais planos e abertos, onde você será o ponto mais alto no chão e facilitará o caminho do raio até o solo. Árvores também são um péssimo abrigo: úmidas e enraizadas à terra, são um atalho perfeito para as descargas elétricas. O mais seguro é esconder-se em uma edificação fechada ou um carro (sim, um carro, pois os raios não penetram em estruturas metálicas fechadas). Em todo caso, sempre evite deitar-se no chão, pois uma descarga próxima pode induzir descargas elétricas pela terra que passarão pelas extremidades do seu corpo, atingindo o coração. A melhor saída, em uma situação perigosa, é colocar os pés juntos, de joelhos dobrados, abaixar a cabeça e fechar os braços ao seu redor. Os seres vivos também podem funcionar como para-raios, e o melhor a se fazer é evitar agir como um. Valter acrescenta que também não é aconselhável, durante uma tempestade, tomar banho, usar telefones fixos, ou mesmo ficar perto de equipamentos que tenham conexões externas, como televisores ou microcomputadores.

Eletricidade vital

Apesar dos perigos e do pânico que causam na população, os raios não são uma “falha” da natureza, nem podem ser considerados resultado de um descuido dos seres humanos em relação ao planeta. Valter enfatiza que os raios sempre existiram e desempenham papel fundamental na formação e manifestação da vida na Terra. “Praticamente todo o ozônio de nossa atmosfera originou-se de descargas atmosféricas”, afirma ele, contanto que os raios também ocorrem em outros planetas, como Júpiter e Saturno, aos quais chama “gigantes gasosos”. Aqui na Terra, apesar dos prejuízos que causam à vida e ao patrimônio, as possíveis anormalidades na quantidade de raios atingindo o solo só poderão ser analisadas através de uma estatística mais aprimorada. “Esta estatística já está em curso e, aí sim, saberemos se há desequilíbrio e qual sua origem e consequências para o nosso planeta”, finaliza o professor.

valter

 

Assessoria de Comunicação

Imprimir artigo
Compartilhe!
Share On Facebook
Share On Twitter
Share On Google Plus
Fale conosco
Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
Obrigado pela mensagem! Assim que possível entraremos em contato..