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5 de março de 2014

A nova interação mais “profunda” com nanopartículas

A membrana ou parede celular, envoltório presente em todas as células– humanas, vegetais e inclusive de bactérias, fungos e protozoários- tem, basicamente, a função de proteger as células e conferir-lhes resistência. Esse envoltório separa os componentes internos da célula dos componentes externos presentes no resto do organismo ou no meio ambiente.

NanomedicinaNo caso das células, a barreira que separa os componentes internos e externos é formada por uma camada dupla de lipídeos, moléculas em forma de bastão com duas regiões diferentes: uma cauda oleosa e uma cabeça polar que, diferente da cauda, tem bastante afinidade com a água. Devido a esse caráter duplo, essas moléculas, quando dissolvidas na água, são capazes de se auto-organizar em diversas estruturas, incluindo a dupla camada da membrana celular, que tem uma espessura muito fina, por volta de 10-9 m (100 mil vezes menor que um fio de cabelo). Sua interação com diversas substâncias do organismo e externas (medicamentos e toxinas, por exemplo) é objeto de estudo de muitas pesquisas, trazendo diversos avanços no desenvolvimento de novos medicamentos e anestésicos, para citar apenas alguns exemplos.

Essa “interrogação científica” serviu de base a projeto de doutorado do pesquisador Thiers Uehara que, sob orientação do docente do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), Valtencir Zucolotto, e colaboração do também docente do IFSC, Paulo Barbeitas Miranda, conseguiu fazer algumas importantes descobertas.

Do pioneirismo do Grupo de Nanomedicina e Nanotoxicologia (GNano) do IFSC, coordenado por Zucolotto, em utilizar técnicas de filmes ultrafinos para estudos de nanotoxicologia *, surgiu a motivação do presente projeto, que foi desvendar, em detalhes, como se dá a interação entre nanopartículas magnéticas de óxidos de ferro (sintetizadas em laboratório) e a membrana das células. “Do ponto de vista molecular, queríamos entender o que acontecia quando uma nanopartícula desse tipo, encapsulada por diferentes polímeros, entra em contato com a membrana celular”, explica Paulo Miranda.

Para facilitar o estudo, os pesquisadores arquitetaram um modelo da membrana celular, o chamado “Filme de Langmuir”. Para construí-lo, foi depositada uma solução de lipídeos em um solvente volátil (clorofórmio) num recipiente contendo água que, depois de evaporar o solvente, faz com que as moléculas boiem na superfície, formando metade da camada da membrana e permitindo análises da interface da membrana com a água. “Depois da evaporação, é possível comprimir uma barreira e deixar o filme mais denso. Nesse momento, tem-se o modelo simplificado do que é a parede da célula”, explica o docente.

Embora o Filme de Langmuir seja construído sem todos os componentes reais das paredes celulares, como proteínas, carboidratos e colesterol, por exemplo, é possível estudar em mais detalhes a interação com outros elementos. Ao se inserir a nanopartícula na água, ela entrará em contato com as cabeças polares dos lipídeos, interagindo, portanto, com o Filme.

MembranaNo estudo em questão, os pesquisadores passaram a observar a interação entre as nanopartículas em solução e o Filme de Langmuir, comprimindo as barreiras na superfície do recipiente onde elas se encontravam. Ao realizar a compressão, eles notaram que, à medida que a pressão do Filme aumenta, os lipídeos passam a ficar muito próximos uns dos outros.

A observação de variações de pressão nesse modelo oferece diversas possibilidades de interpretação. Paulo conta que foi utilizada a técnica de espectroscopia SFG, implementada no IFSC em 2005, para se conseguir entender a interação entre diferentes lipídeos com nanopartículas distintas, estas, por sua vez, funcionalizadas com polímeros que geram cargas positivas ou negativas.

Os resultados foram os seguintes: lipídeos com carga negativa (similares aos encontrados nas membranas de bactérias) em contato com as nanopartículas de carga positiva fizeram com que o Filme de Langmuir fosse expandido. Isso indica duas possibilidades: ou que o Filme permanece igual – com o mesmo empacotamento denso de moléculas – e simplesmente abre espaço para que as nanopartículas sejam incorporadas, ou que as nanopartículas, ao interagirem com a parte polar do Filme, causam sua expansão, ou seja, reduzem o empacotamento das moléculas de lipídeo no Filme. “Através da técnica de espectroscopia, pudemos observar que as caudas dos lipídeos ficaram bem esticadas, o que significa que elas estão muito próximas e organizadas. Se a interação entre as cabeças dos lipídeos e as nanopartículas fosse feita por baixo do filme, as caudas teriam um maior espaço entre elas e, através da espectroscopia, vimos que isso não ocorreu”.

No caso dos lipídeos com carga neutra (similares aos encontrados nas membranas de seres humanos), os pesquisadores observaram que o Filme não foi expandido; pelo contrário: sua área foi diminuída, como se algum material estivesse sendo retirado. Ao mesmo tempo, as caudas dos lipídeos continuaram esticadas. A interpretação desse resultado é que a nanopartícula interagiu com esse lipídeo, formando uma camada extra de lipídeos ao redor da partícula que, logo na sequência, desprende-se do Filme. “Novamente, através da técnica de espectroscopia, não conseguimos visualizar alterações na estrutura molecular do Filme de Langmuir devido a essas nanopartículas envolvidas por lipídeos, o que sugere que ela, realmente, tenha sido removida da solução, ficando sobre o filme e em contato como ar”, conta Paulo.

As aplicações e projeções futuras

Embora todo experimento tenha sido realizado em nível molecular num modelo criado em laboratório (Filme de Langmuir), os pesquisadores afirmam que, no organismo humano, as reações devem ser iguais. “Nós já sabemos que nos organismos vivos as nanopartículas penetram, uma vez que são mil vezes menores do que uma célula”, explica Zucolotto. “A grande questão é descobrir como elas entram no organismo, e isso depende de outros fatores, como, por exemplo, a carga da nanopartícula e da membrana. É esse, justamente, o ineditismo da pesquisa em questão”.

Filme_de_Langmuir-2Embora tenha sido criado em laboratório, o Filme de Langmuir imita, perfeitamente, uma membrana do organismo, e, neste momento, os pesquisadores já realizam ensaios ainda mais realistas. “Desde que foi publicado nosso último artigo sobre essa pesquisa na revista Applied Materials & Interfaces, avançamos mais um ponto: já conseguimos retirar a membrana da célula para construir o Filme de Langmuir contendo, inclusive, proteínas, diversos tipos de lipídeos, colesterol, tudo o que possui a membrana real”, conta o docente. “Atualmente, a aluna de pós-doutorado do GNano, Juliana Cancino, já realizou esses experimentos com as membranas celulares reais, mais uma etapa que foi concluída nessa pesquisa”.

Os resultados desses estudos servirão, principalmente, para capacitar os pesquisadores a projetar partículas capazes de interagir satisfatoriamente com células humanas, tornando as primeiras apropriadas a, por exemplo, transportar medicamentos para células doentes. Outro resultado é o entendimento sobre o efeito de nanopartículas sobre células saudáveis. “Em diferentes situações, queremos diferentes interações, também. No caso de uma célula saudável, por exemplo, só vamos querer que a nanopartícula fique ligada a ela pelo lado de fora, para que essa célula não seja intoxicada”, elucida Zucolotto.

Sobre o futuro dessa pesquisa, ele conta que um novo artigo está para ser publicado com novos (e animadores) resultados.

*Para acessar o artigo científico sobre este trabalho, publicado na revista Nanotoxicology, clique aqui.

Assessoria de Comunicação

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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