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23 de setembro de 2020

Prof. João Steiner (IAG/USP) – A morte de um Mestre… O luto de uma Universidade

Faleceu, no dia 10 do corrente mês, aos 70 anos, o Prof. João Steiner, professor titular do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP e um dos maiores vultos na área da astrofísica brasileira. Steiner graduou-se em Física na USP, fez mestrado e doutorado em astronomia no IAG, onde era professor desde 1977, sendo  um especialista em astronomia de raios X e núcleos ativos de galáxias e grande estudioso dos buracos negros.

O Prof. João Steiner foi o principal defensor e incentivador da participação do estado de São Paulo no projeto GMT, um supertelescópio de 24,5 metros em construção no Chile, que deve inaugurar uma nova era de observações do Universo. Apaixonado pela divulgação científica, o Prof. Steiner deixou como um de seus legados seus cursos em vídeo sobre astronomia, dedicados aos alunos ingressantes no bacharelado em astrofísica da USP, bem como sua participação periódica na Rádio USP.

O falecimento do Prof. Steiner causou um sentimento de grande perda para a USP, manifestado por inúmeras mensagens de pesar não só por parte da reitoria, como também por praticamente todas as Unidades, ao que o IFSC/USP, naturalmente, se associa, curvando-se em memória do eterno Mestre.

 

João Steiner uma das pedras fundamentais sob a qual uma nova geração de cientistas se formou

Para o docente e pesquisador do IFSC/USP – Grupo de Física Computacional e Instrumentação Aplicada, Prof. Luiz Vitor de Souza Filho, a contribuição do Prof. Steiner fica gravada para sempre na Universidade de São Paulo.

“A primeira vez que ouvi sobre o Prof. João Steiner foi em 2000 quando era aluno de doutorado na UNICAMP. Naquele momento, Steiner liderava a participação brasileira no Observatório SOAR enquanto que na UNICAMP eu começava a colaborar com a construção do Observatório Pierre Auger liderada pelo Prof. Carlos Escobar. Ambos os projetos eram muito ousados dentro do cenário científico brasileiro e com muitos paralelos que tornavam o trabalho do Steiner uma referência contínua.

A construção de grandes observatórios impõem desafios técnicos, científicos e organizacionais inimagináveis pra quem não tem contato com esta área de pesquisa. Antes do SOAR e do Observatório Pierre Auger, a participação brasileira nestes empreendimentos internacionais se dava raramente por iniciativas individuais e através de associação à instituições estrangeiras. SOAR e Auger abriram as portas para a formação de uma comunidade nacional, comprometida com a indústria local e com a formação de estudantes brasileiros no mais alto nível internacional.

João Steiner foi uma das pedras fundamentais sob a qual essa nova perspectiva de descobertas científicas se instalou e sob a qual uma nova geração de cientistas se formou. SOAR e Auger abriram as portas do sucesso para seus sucessores: Gemini, GMT e CTA.

Em 2004, comecei meu primeiro pós-doc no IAG e tive a oportunidade de acompanhar mais de perto o trabalho do Steiner. Minha primeira imagem dele como competente construtor de telescópios foi aos poucos sendo sobreposta com outras camadas. Pude então ver seminários dele e de membros do seu grupo sobre a análise das observações feitas pelos observatórios que ele ajudara a construir. Chamava-me atenção a busca que ele promovia por técnicas inovadoras de análise dos dados.
Em 2011, convidei ele pra dar um seminário de pesquisa no IFSC que ele aceitou prontamente. João foi um orador excepcional. Sabia entender as expectativas da audiência, se aprofundando quando possível e criando analogias fantásticas quando falava para um público menos especializado. Em 2011 ele escolheu o título “Como observar buracos negros super-massivos de baixa luminosidade ?” tema no qual ele fez várias publicações importantes nos últimos anos. Seu seminário encantou mais uma vez a plateia que não deixava ele ir embora mesmo depois do final do seminário.

Steiner tinha uma presença marcante, a figura nítida de um líder. Preenchia o espaço à sua volta o que muitas vezes o colocou em rotas de conflito com outras lideranças nacionais. Apesar de nunca ter trabalhado diretamente com ele, Steiner sempre me inspirou por ser um pesquisador completo e um líder por exemplo. Atuava na instrumentação e nos resultados finais de importantes descobertas científicas. Sua liderança era percebida nas suas realizações concretas, o que o destacava dos falsos líderes só de retórica.

No começo do ano, encontrei o João em uma reunião na FAPESP. Ele foi a primeira pessoa que se recusou a me dar um aperto de mão para me cumprimentar se justificando amistosamente que era parte do grupo de risco para o então novo Coronavírus. Os novos costumes de relacionamento social ainda não estavam implantados e estávamos todos nos adaptando. Era a primeira vez que eu participava de um reunião importante junto com o Steiner.

Sentei-me ao lado dele e fiquei observando-o, tentando mais uma vez aprender com sua experiência naquele novo contexto. Foram várias horas de reunião, saímos juntos da FAPESP e eu perguntei se ele podia me receber no IAG nos próximos meses porque eu precisava de uns conselhos dele sobre meus projetos. Ele disse que sim e pediu pra eu escrever um e-mail que marcaríamos um café. A pandemia se instaurou logo em seguida e eu não tive a oportunidade de voltar a vê-lo. Fiquei sem os importantes conselhos que ele certamente me daria. Ficamos todos sem uma das principais liderança da astrofísica brasileira das últimas décadas.

Espero que neste momento de múltiplo luto, saibamos nos inspirar nas conquistas do Prof. João Steiner para continuar traçando nossas vidas e os rumos da ciência brasileira”.

 

Cabe a nós, agora órfãos de João Steiner, valorizar e fazer crescer sua herança

O Prof. Luiz Nunes de Oliveira, igualmente docente e pesquisador do IFSC/USP – Grupo de Física Teórica -, recorda o grande amigo que foi João Steiner.

“Conheci o João, de verdade, há 25 anos. Na época, ele tinha um sonho. Queria inserir a ciência brasileira na idade de ouro da astronomia, a era dos grandes telescópios, que começava a iluminar o céu. Reconhecemos, hoje, que o sonho se concretizou e que isso somente foi possível porque Steiner pôs seu  entusiasmo e suas liderança, enorme disposição para o trabalho e capacidade incomum de comunicação a serviço da comunidade. João ofereceu o combustível que propeliu nossa astrofísica para a frente e para o alto.

Encontrei nele um grande amigo, numa dessas amizades que crescem desproporcionalmente ao número de oportunidades para convívio. Ele em São Paulo e eu em São Carlos, encontrávamo-nos esporadicamente. Bancas de concurso, reuniões de trabalho. O tempo para outras discussões era sempre curto, mas como não ser cativado por alguém que gostava de tudo o que estimula o pensamento.

Algumas as vezes, a conversa era sobre astrofísica. Uma nova ideia, a descrição inspirada de uma foto do céu ou a explicação para alguma questões que me intrigavam.

O que seria mais importante para a comunidade brasileira: resolução ou campo visual?

Existe um buraco negro no centro da galáxia? Ou falávamos sobre aspectos humanos da astronomia. Como se sente alguém numa elevação da cordilheira dos Andes quando o Sol se põe e o manto estrelado cobre a terra. Como foi feito o vídeo sobre a construção do SOAR. A emoção que as crianças iriam sentir ao ver o céu pelas lentes e espelhos de um telescópio a milhares de quilômetros.

João tinha ideias claras sobre as estruturas acadêmicas, e não lhe faltavam exemplos. Numa conversa de cantina, entre um gole de café e outro, enunciou um destilado do que aprendera em sua experiência com os institutos do CNPq: “Os elementos de que depende o sucesso de uma instituição são dois: missão e liderança.” Não por acidente, sua atuação como Diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP revigorou a instituição. Mais tarde, durante um período relativamente curto, ele pôde explorar suas ideias ao trabalhar visando à constituição de uma rede de parques tecnológicos no Estado; estamos colhendo agora alguns frutos das sementes plantadas na época.

Outra de suas paixões era a divulgação ciências e ideias. João escreveu regularmente para a Super Interessante. A escolha de temas era uma das marcas de suas matérias; o que mais brilhava, entretanto, era a perspectiva diferente que oferecia sobre cada assunto. Ao discorrer sobre o fenômeno “El Niño”, por exemplo, ele lembrou que o efeito das estações do ano sobre o clima foi reconhecido na pré-história. Já a segunda influência mais importante, o aquecimento das águas do Pacífico, somente atraiu o interesse da ciência na década de 1980. Mais recentemente, passou a falar na Rádio USP. Seu curso de astronomia faz enorme sucesso no Youtube.

Suas palestras eram memoráveis. No IFSC, ora discutia assuntos especializados, ora falava para o grande público. Em cada caso, o tempo foi sempre muito pequeno para tantas perguntas. Numa ocasião, falou sobre o futuro da Astrofísica para o Conselho de Pesquisa da USP. Ao final da sessão, alguns conselheiros correram para a frente, para pedir que ele repetisse a palestra em eventos nas suas unidades. À frente de todos, o mais entusiasmado era o representante da Faculdade de Filosofia Ciências, Letras e Humanidades, um jovem filósofo que, de imediato, apreciara a profundidade das ideias apresentadas por Steiner.

A família de João é ilustre na hierarquia católica. Dom Paulo e Dona Zilda fazem parte dela, assim como Leonardo Arns, Arcebispo de Manaus. Ele não era religioso, mas tenho para mim que e a amplitude de seus interesses e a combinação de firmeza de caráter com a generosidade de espírito tinham raízes na formação recebida na infância. Homem renascentista de nossos tempos, ele nos deixa um legado extraordinário. Uma fração foi gravada, em papel  e meio digital; outra se materializou em um observatório astronômico no Chile. A terceira fração, majoritária, também consiste de bens duráveis, se bem que intangíveis e incontáveis: a inspiração, a visão e a motivação que dele recebemos. Cabe a nós, agora órfãos, valorizar e fazer crescer essa herança. Temos a nossa frente um desafio à altura dos grandes enigmas cosmológicos”.

A última visita do Prof. João Steiner ao Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP) aconteceu em junho de 2019, quando, de forma muito amistosa, concedeu uma entrevista à Assessoria de Comunicação, no âmbito de sua palestra intitulada “Conversa sobre Buracos Negros”, apresentada aos alunos da Escola Estadual Dr. Álvaro Guião, na cidade de São Carlos, e que abaixo recordamos.

Clique na imagem abaixo para recordar essa entrevista.

O IFSC/USP curva-se respeitosamente em memória do Prof. João Steiner.

Rui Sintra – Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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