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30 de outubro de 2025

A importância das ciências quânticas nas comemorações de seu centenário – Passado, presente e futuro

(Physics World)

Neste ano de 2025 comemora-se o centenário das ciências quânticas, só que essa comemoração é diferente de uma comemoração simples, típica. De fato, uma comemoração simples apenas recorda um acontecimento que foi importante e que ficou para a memória coletiva, para a história, enquanto que a comemoração deste centenário das ciências quânticas é uma efeméride de algo que se iniciou há cem anos, mas que ainda não terminou: ou seja, estamos comemorando uma ciência quântica que ainda está acontecendo e que, por exemplo, contribuiu para o Prêmio Nobel da Física deste ano de 2025. Da mesma forma, a descoberta de Pasteur, que confirmou que as doenças são provocadas por germes, também aconteceu há duzentos anos e ela continua em plena evolução, sendo que o Prêmio Nobel de Medicina é uma extensão do que esse cientista fez, um tema que continua evoluindo.

Linha do tempo

O nascimento da mecânica quântica, ocorrido no início do século XX, surgiu da necessidade de explicar fenômenos que a física clássica não conseguia descrever adequadamente. O trabalho de Max Planck (1900) sobre a radiação do corpo negro introduziu a ideia de que a energia é emitida em pacotes discretos, denominados quanta. Albert Einstein, em 1905, reforçou essa concepção ao explicar o efeito fotoelétrico, demonstrando que a luz apresenta comportamento corpuscular, constituída por fótons.

Posteriormente, Niels Bohr desenvolveu seu modelo atômico (1913), ao descrever órbitas quantizadas para os elétrons em torno do núcleo. A formulação matemática mais robusta da teoria emergiu com Werner Heisenberg (1925), com a mecânica matricial, e com Erwin Schrödinger (1926), com a equação de ondas, onde descreveu a evolução temporal dos sistemas quânticos. O princípio da incerteza de Heisenberg (1927), ao postular a impossibilidade de determinar simultaneamente a posição e momento de uma partícula, e o postulado da superposição, segundo o qual um sistema pode existir em múltiplos estados até ser medido, revolucionaram a concepção determinista da física clássica.

Max Planck (Créditos – “HubePages”)

Uma etapa igualmente importante marcou os anos de 1923-1924, através do efeito Compton, que mostrou que a luz, além de ter sua energia quantizada, também apresentava a “grandeza quantidade de movimento”, ambas típicas de uma partícula, algo que causou grande alvoroço sobre essa descoberta. Por outro lado, mais ou menos ao mesmo tempo, apareceu a ideia e De Broglie, confirmando que os elétrons também tinham características de onda. Nascia, então, o conceito de dualidade onda-partícula.

Esses fundamentos sustentaram a chamada primeira revolução quântica, cujas aplicações tecnológicas se materializaram no transistor, no laser e na espectroscopia, tornando-se a base da eletrônica moderna, telecomunicações e medicina diagnóstica.

Na contemporaneidade, a física quântica expandiu-se para além da explicação de fenômenos microscópicos, incorporando-se a múltiplas disciplinas. Os semicondutores, que fundamentam os microprocessadores, dependem diretamente da compreensão da banda de energia dos sólidos e do efeito túnel, algo que, neste caso concreto – e não por coincidência -, o Prêmio Nobel de Física deste ano foi atribuído a um grupo de pesquisadores americanos que explorou exatamente uma ideia proposta na tese de um brasileiro – Amir Caldeira – conforme mencionado no anúncio feito pela comissão do Prêmio Nobel.

Por outro lado, o laser, fruto do princípio da emissão estimulada, é hoje essencial em cirurgias oftalmológicas, telecomunicações e armazenamento óptico de dados. A espectroscopia de ressonância magnética nuclear (RMN) e a ressonância magnética por imagem (MRI) derivam do comportamento quântico dos spins nucleares em campos magnéticos intensos. Além disso, a tomografia por emissão de pósitrons (PET) fundamenta-se na aniquilação de pósitrons, prevista pela teoria quântica de campos. Estamos também na fase da segunda revolução quântica, marcada pela exploração controlada de fenômenos como a coerência quântica, a superposição e o entrelaçamento (entanglement). A computação quântica utiliza qbits em vez de bits clássicos, explorando estados sobrepostos para realizar cálculos paralelos em escala exponencial. Já a criptografia quântica, baseada no teorema de não clonagem e na distribuição de chaves quânticas (QKD), promete comunicações seguras contra qualquer tentativa de interceptação.

A incógnita sobre o futuro

O futuro das ciências quânticas antevê avanços disruptivos. A computação quântica universal poderá simular a dinâmica eletrônica de moléculas complexas, acelerando a descoberta de novos materiais, como fármacos. Problemas de otimização em logística, inteligência artificial e finanças poderão ser resolvidos em tempos inviáveis para computadores clássicos.

A biologia quântica desponta como campo emergente, investigando o papel de processos quânticos na transferência eficiente de energia durante a fotossíntese, dando, como exemplo grosseiro, o mecanismo de orientação magnética em aves migratórias e, possivelmente, até em fenômenos da consciência.

No campo das comunicações, redes quânticas globais estão em desenvolvimento, integrando satélites e fibras ópticas para possibilitar a internet quântica com segurança baseada em princípios fundamentais da mecânica quântica. A metrologia quântica, por sua vez, busca redefinir padrões de tempo, massa e grandezas físicas com precisão, sem precedentes, utilizando relógios atômicos de íons aprisionados e interferometria quântica.

A importância da física quântica ultrapassa a esfera teórica

Prof. Dr. Luiz Nunes de Oliveira (IFSC/USP)

Entretanto, tais avanços suscitam dilemas éticos e geopolíticos. O domínio da computação quântica poderá alterar drasticamente o equilíbrio de poder entre nações, dado o impacto potencial na quebra de sistemas criptográficos atuais. Além disso, questões filosóficas persistem sobre a interpretação da teoria quântica — desde a interpretação de Copenhague até à dos “muitos mundos” — revelando que mais de um século após seu surgimento a mecânica quântica continua a provocar debates epistemológicos.

Sucintamente, as ciências quânticas são mais que um marco científico, já que elas constituem uma força transformadora da história do conhecimento. O passado revelou a ruptura com o determinismo clássico, o presente mostra sua incorporação em tecnologias indispensáveis, e o futuro anuncia uma terceira revolução com potencial de redefinir fronteiras científicas, econômicas e sociais. A importância da física quântica, portanto, ultrapassa a esfera teórica, sendo que ela está intrinsecamente ligada à evolução tecnológica, à inovação interdisciplinar e à reflexão ética sobre os rumos da humanidade.

Embora seja muito difícil fazer previsões sobre o futuro, o que se cogita são dois campos em que a mecânica quântica pode expandir. O primeiro, já mencionado, é o da computação quântica que, embora não se saiba que velocidade irá avançar, o certo é que quando isso acontecer surgirá uma revolução em vários aspectos, principalmente na questão da interdisciplinaridade da ciência, sendo que a Física, por definição, é a ciência que se preocupa com a maneira como as coisas funcionam. “De certa maneira, isso aí dá uma chave para a física entrar em todas as portas e dar contribuições para a química, para a biologia, algo parecido com uma “chave mestra”. Outro aspecto que acho que é mais importante ainda, é que estamos agora, de certa forma, em uma situação que é um pouco parecida com o que aconteceu em 1900, ou seja, ter no colo uma série de problemas… Não é que se tenha previsões erradas, mas existe uma série de problemas importantes que estão aparecendo e que ninguém consegue resolver; esses problemas estão presentes entre a mecânica quântica, o domínio da mecânica quântica e o domínio da mecânica clássica”, comenta o docente do IFSC/USP, Prof. Dr. Luiz Nunes de Oliveira.

A mecânica clássica trata das coisas macroscópicas, que já são bastante conhecidas, enquanto a mecânica quântica trata da escala atômica. E, em princípio, ela trata de tudo. Inclusive, poder-se-ia construir um automóvel baseado na solução da equação de Schrödinger, que, na prática, é impossível, mas, teoricamente poderia ser feito. Agora, entre esses dois domínios existe o domínio do mesoscópico, que é justamente onde operam as moléculas biológicas. Contudo, existem muitas outras coisas que acontecem nessa escala e que já estão surgindo. “Por exemplo, os supercondutores de alta temperatura crítica, que são fenômenos que acontecem nessa outra escala e que são muito mal compreendidos, atendendo a que neste momento só entendemos de forma pontual determinados aspectos desse problema. Mas, o mais importante do ponto de vista prático, são as moléculas biológicas. Existe a necessidade de se saber de que forma elas se comportam e como podem ser organizadas. Assim, se tivéssemos o conhecimento pleno para tratar esse problema, poderíamos, inclusive, resolver o problema da construção de novos fármacos. Seria ótimo se você falasse ‘eu quero uma droga que acabe com a minha dor de cabeça’, e aí alguém faz uma conta e responde para você ‘eu tenho uma droga aqui que é muito melhor do que todas as outras que se encontram no mercado’”, sublinha o Prof. Luíz Nunes.

O que os cientistas ambicionam é ter uma ciência, uma mecânica mesoscópica, que embora pudesse apresentar equações diferentes da mecânica clássica e da mecânica quântica, pudesse resolver, de alguma forma, algoritmos matemáticos. “Aí, talvez conseguíssemos essa descrição da mesma maneira que hoje em dia sabemos descrever átomos e sistemas com poucos elétrons, usando a mecânica quântica”, pontua o docente. Quer dizer que, na perspectiva do docente do IFSC/USP, em termos das macromoléculas e de novos fármacos, os pesquisadores poderiam fazer fármacos por demanda e para determinadas doenças ou sintomatologias. Contudo, essas perspectivas podem impactar violentamente o futuro que tanto se ambiciona alcançar. “Exatamente! Você vai criar novas ciências interdisciplinares. Por exemplo, você poderá, talvez, ter a biologia combinada com algum tipo de engenharia – algo que nem sequer imaginamos que possa ter uma conexão. Então, esse é o caminho que eu acho muito importante. Pode ser que demore muito para se chegar a esse ponto e pode haver alguém que, de repente, nos demonstre que é impossível você ter equações desse tipo. Mas, é uma coisa para pensarmos”, conclui o docente.

O salto para o futuro passa por compreender o passado

Prof. Dr. Valter Líbero (IFSC/USP)

“As previsões para o futuro são sempre muito difíceis. Mas podemos, por vezes, aprender com o passado para compreender e de alguma forma antever o futuro”, enfatiza o Prof. Dr. Valter Líbero, também docente do IFSC/USP. Segundo ele, é preciso ficar atento às previsões que se fizeram no passado e como elas transcorreram. O curioso é que, às vezes, segundo Valter Líbero, mesmo olhando para o passado, os cientistas se surpreendem com a evolução que aconteceu. A virada do século XIX para o XX foi uma grande revolução na ciência e, segundo o docente, embora estejamos em um momento de uma nova revolução, nada se compara com o que aconteceu nesse período. “Acho que, naquela época as pessoas também tentaram fazer alguma previsão. Talvez até uma entrevista parecida como esta deva ter acontecido. E, certamente não falaram sobre como iria ser o futuro da ciência e em particular do nascimento dessa nova mecânica. Acho que eles não conseguiram fazer a previsão dessa revolução que a mecânica quântica trouxe, já que ela foi muito além do que se poderia ter imaginado naquela época. Eu gostaria muito de encontrar, por exemplo, um desses grandes físicos e perguntar-lhe, depois de 1950, por exemplo, o que ele acha da evolução que a mecânica quântica teve nesses cinquenta últimos anos. Talvez um deles – talvez um dos pais da mecânica quântica poderia argumentar ‘me surpreendi com a evolução dela’. Porque, de fato, ela nos trouxe a compreensão daquilo que é uma das coisas mais relevantes que temos no nosso meio, que é a matéria, ou seja, aquilo que nos cerca, aquilo do qual nós somos feitos”, salienta o Prof. Valter Líbero, sorrindo.

“A mecânica quântica veio explicar como é que as coisas funcionam, permitindo a construção de fármacos, por exemplo, novos materiais para a indústria, telecomunicações e computação. Então, a computação, hoje, tem uma componente de mecânica quântica muito importante – a tal computação quântica, que no meu ponto de vista, tem duas direções. Estamos fazendo com que a computação quântica tenha uma evolução enorme, mas também acho que estamos aprendendo a mecânica quântica com a computação quântica. Hoje, vemos engenheiros que não têm formação em mecânica quântica envolvidos em computação quântica. E eles estão como que aprendendo mecânica quântica justamente pelo fato de saberem computação. Então, a mecânica quântica traz essa questão de explicar as coisas à nossa volta e, ao mesmo tempo, tudo o que se encontra à nossa volta permite que em cada dia que passa possamos compreendê-la”, pontua o docente.

O fato inquestionável é que a mecânica quântica está praticamente “na boca do povo”. Há cinco anos, falar em mecânica quântica era algo incompreensível para quase todo o mundo. Hoje, fala-se muito dela, porque a mecânica quântica está indo além dos muros da universidade e está realmente caindo na discussão das pessoas. “Acho que isso vai até ajudar a compreender melhor a mecânica quântica. Quanto à incerteza, característica da mecânica quântica, essa incerteza não é interpretada no mesmo sentido que nós usamos essa palavra no dia a dia. A incerteza da mecânica quântica é algo intrínseco à natureza. Estamos aprendendo que a natureza tem essa incerteza na hora em que tentamos medir certas quantidades, porque elas são de um domínio microscópico, e eu sou um sujeito que vive num mundo macroscópico. Essa interação entre os dois mundos acaba tendo uma incerteza natural, que eu não vou conseguir transpor. Mesmo com as maiores revoluções tecnológicas que eu possa fazer, a nossa compreensão atual da mecânica quântica é que a incerteza é intrínseca e ela explora esse fato. A incerteza dentro da mecânica quântica é fundamental. Se você não tiver essa incerteza, ela se destrói. Então, o mundo é naturalmente incerto no nível quântico”, conclui o docente.

A mecânica quântica no Direcionamento Acadêmico do IFSC/USP

Seminários da disciplina “Direcionamento Acadêmico”

O Direcionamento Acadêmico do IFSC/USP é uma iniciativa que visa ajudar os alunos em todos os sentidos, principalmente incentivando-os a trilhar o caminho para um futuro na ciência, algo que é sublinhado pelo Prof. Luiz Nunes de Oliveira ao recordar que os docentes e pesquisadores apenas dão o treinamento indispensável. “Os alunos precisam ter uma visão mais ampla e, naturalmente, como eles estão no primeiro ano, vão levar um certo tempo para construir esse capital de conhecimento, mas o certo é que estamos plantando uma sementinha e esperando que ela frutifique. Tanto o Prof. Valter Líbero, como eu, procuramos explicar como é que apareceu a mecânica quântica, de que forma houve essa ruptura do conhecimento. E, por outro lado, desmitificar. Quer dizer, nós procuramos mostrar que as coisas não são tão vagas e imprecisas como se imagina. Hoje em dia, nas redes sociais, utiliza-se um termo bastante comum. Pessoas que estão com um problema e que não sabem como resolver, dizem ‘estou com um problema quântico’. Expressões como essa ocupam um lugar radicalmente oposto ao que nós estamos querendo mostrar, ou seja, banalizam o conceito. De fato, a mecânica quântica tem uma componente de incerteza, algo que já foi abordado pelo Prof. Valter Líbero. Essa disciplina Direcionamento Acadêmico, que se iniciou em 2024, tem sido um sucesso graças à concepção e à dedicação do nosso colega, Prof. Luiz Antônio de Oliveira Nunes”, pontua o docente.

Profs. Luiz Antônio de Oliveira Nunes, Valter Líbero e Luiz Nunes de Oliveira

Para o Prof. Valter Líbero, a disciplina de Direcionamento Académico do IFSC/USP tem uma característica bem singular, quando comparada com outros programas. Na verdade, essa disciplina causa uma maior proximidade entre professores e alunos e com o conteúdo de física, principalmente na área de experimentação, bem acessível aos jovens.

“A mecânica quântica está em um nível que permeia toda a sociedade, onde ela não precisa saber os detalhes. Ela precisa saber que existe uma mecânica quântica que trata de problemas da matéria, do âmbito da matéria, e que produz certos resultados. Acho que o Prêmio Nobel de 2025, não por acaso, caiu bem no momento certo, mostrando que princípios básicos de mecânica quântica são importantes, mesmo em um nível macroscópico do dia a dia. Não é algo que fica só restrito àquela experiência de laboratório extremamente delicada, com algum tipo de partícula que a gente nem sabe direito o que é. Então, ele traz realmente para a sociedade um resultado de mecânica quântica, que ela pode dizer ‘olha, de fato aquilo que eu achava que era específico de um mundo microscópico influencia o meu próprio mundo’. Acho que o Direcionamento Acadêmico no IFSC/USP faz exatamente isso. Traz coisas bastante abstratas do mundo da física, mas agora com uma roupagem concreta. Contudo, essa disciplina mostra que nós estamos falando a linguagem dos alunos”, conclui o docente.

A propósito das comemorações do centenário da mecânica quântica, o Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CEPOF), alocado no IFSC/USP, preparou uma programação especial neste mês de novembro, que pode ser conferida AQUI.

*O tema constante nesta matéria tem como base as importantes palestras ministradas na disciplina Direcionamento Acadêmico pelos Profs. Valter Líbero e Luiz Nunes de Oliveira – “Fóton, uma luz no fim do túnel” (CONFIRA AQUI) e “Afinal, a luz é feita de ondas ou de partículas?” (VEJA AQUI).

Rui Sintra – Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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