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10 de fevereiro de 2012

Os desafios da Física nas escolas brasileiras: inovação curricular e formação de professores

Nas últimas décadas, a inovação curricular tem feito parte de grandes reformas de ensino em países ao redor de todo o globo. No que diz respeito à Física, a inserção de tópicos de Física Moderna e Contemporânea (FMC) para alunos do Ensino Médio parece ser um grande avanço na revitalização do ensino básico brasileiro, e uma solução para sintonizar a produção científica com o interior da sala de aula, ambiente do qual temas atuais como a clonagem, o teletransporte, a nanotecnologia ou a energia nuclear passam longe. A discussão sobre a inserção destes tópicos se estendeu por anos, mas foi finalmente oficializada, pelo menos em São Paulo, em 2007. No entanto, este foi um passo relativamente simples quando comparado ao desafio de adequar, na prática, o processo de ensino-aprendizagem a estes novos conteúdos. A prática de ensino tem se revelado resistente a estas mudanças, devido à grande dificuldade sentida pelos professores no trabalho com tópicos com os quais eles mesmos não tiveram contato quando estudantes. Para mudar este quadro, é essencial que todo o estado atual da formação de professores seja analisado e reconfigurado de acordo com as novas necessidades do ensin

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o nacional. O perfil do professor, agora, deve ser o perfil da inovação.

No caso do Brasil, durante os últimos quinze anos, com a implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais e das Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, por parte do Ministério da Educação e do Ministério da Cultura, já há uma proposição de se inserir conteúdos da Física Moderna e Contemporânea durante o Ensino Médio. No Estado de São Paulo, particularmente, houve a inovação curricular de 2007 que, entre outras áreas, elaborou uma reestruturação do ensino de Física, a partir da qual a FMC figura como um conteúdo a ser trabalhado nos terceiro e quarto bimestres do último ano. Neste sentido, há um aparente avanço no que toca à renovação curricular do ensino de Física, apontando para uma abordagem e uma aplicação mais recentes da disciplina, remontando de fato às pesquisas e descobertas dos séculos XX e XXI. Bons exemplos são tópicos que abordam a teoria da relatividade, mecânica quântica e física de partículas elementares.

A despeito deste movimento de renovação curricular, e da crescente tendência de grandes vestibulares (como a Unicamp) abordarem a Física Moderna, bem como iniciativas de editoras que, percebendo a transformação dos currículos, investem na publicação de material relacionado à FMC – sempre figurando nos últimos capítulos das coleções de Ensino Médio –, a prática é uma realidade bastante distinta. “A gente sabe que o professor acaba não ensinando”, conta o Professor Marcelo Alves Barros, docente do Instituto de Física de São Carlos especialista em Educação, dedicado à formação de professores de Física e inovação curricular. “Na prática isso é difícil porque passa pela questão da formação do professor, que é um processo muito tradicional e não prevê o trabalho com conteúdos inovadores”, explica. Segundo ele, o conjunto de crenças que o professor adquire quando de sua vivência como aluno e ao longo de sua formação acaba impedindo ou dificultando a eficácia de sua didática. Um exemplo clássico destas crenças cristalizadas é o fato de muitos professores considerarem a Física Moderna como “complexa e abstrata”, enquanto a Física Clássica é vista como “concreta e simples”. Isso os leva a crer que o ensino da FMC é impossível, devido a questões como o formalismo matemático, que parece um obstáculo intransponível no caso dos tópicos mais modernos, sendo já bastante difícil no caso da Física Clássica. “A vivência do professor em formação influencia sua prática de ensino, e sua formação começa quando ele ainda é um aluno”, observa o docente, que também atua como avaliador de cursos de graduação do Ministério da Educação e Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais (Inep).

E quando o aluno dos cursos de licenciatura não teve contato algum com estes tópicos no ensino básico? Como prepará-lo para esta experiência?

Marcelo conta que, atualmente, alguns bons resultados vêm surgindo de cursos de licenciatura de universidades como a Federal do Rio Grande do Sul, e também no próprio IFSC-USP, que surgem com a iniciativa de trabalhar os conteúdos da FMC durante um dos estágios supervisionados de prática de ensino. Porque o problema atual, segundo ele, é que “o aluno cursa uma disciplina chamada ‘Introdução à Física Moderna’, mas essa disciplina não tem uma relação direta com a prática real em sala de aula, com metodologias de ensino específicas e mais envolvimento na parte pedagógica em si”. Desta forma, fica muito difícil para este professor se desvincular das imagens que ele carrega consigo desde seus tempos de estudante sobre o que é ensinar, o que é aprender e o que é ser um bom professor. A tendência, a partir daqui, é perpetuar o modelo de ensino que ele vivenciou quando era um aluno. A estruturação da grade curricular do professor em formação não consegue atingir essa mudança pedagógica e não parece ser eficiente para influenciar a cultura de ensino que a vivência escolar solidificou. “Uma mudança curricular não é só a inserção de novos tópicos de uma disciplina, é também uma mudança pedagógica, de metodologias e abordagens inovadoras”, observa Marcelo.

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No entanto, a proposta não é uma substituição completa dos conteúdos da Física Clássica pela Física Moderna, é claro. O objetivo principal é desfazer a ideia de que o ensino de uma disciplina deve se dar com base em uma sequencia pré-determinada de conteúdos, como se houvesse pré-requisitos necessários para cada etapa da aprendizagem, o que é também, obviamente, herança da cultura de ensino brasileira, que importou modelos de ensino estrangeiros pouco adequados à realidade do hemisfério sul. Segundo Marcelo, os temas de Física Moderna podem ser inseridos ao longo do Ensino Médio, desde as séries iniciais, ao invés de concentrados nos últimos quatro meses de vida escolar. “Por exemplo, nós poderíamos inserir o tema ‘raios cósmicos’ nas aulas de Mecânica, no trabalho com os conceitos de conservação de energia e de momento, de velocidade, trajetória, posição, ou temas de relatividade… São inúmeras as possibilidades de se trabalhar com a Física Moderna conjuntamente com os tópicos já tradicionalmente abordados no Ensino Médio”, propõe o pesquisador.

A raiz do problema, aqui, vai além do ensino da Física Moderna e Contemporânea no Ensino Médio – o problema é o ensino da Física em si. O reflexo disso é que os temas mais recorrentes na mídia, como o Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), a clonagem, o teletransporte, ou as terapias com células-tronco, são estrangeiros às salas de aula do Brasil, pois os conteúdos tradicionais não abrangem sua totalidade. “Os conteúdos abordados hoje nas escolas são modelos do século XVI e XVII, então o aluno formado no Ensino Médio terá conhecimentos científicos defasados, quando tiver algum”, avalia o professor.

aplicativos_fmcMas, ao contrário do que se pode pensar, o apego a metodologias de ensino tradicionais não é uma tendência dos mais velhos. O professor Marcelo, que tem experiência de prática pedagógica no ensino básico, na formação inicial de professores e também na formação de professores em serviço, conta que observa em todos os casos um nível alto de interesse e procura pelo aperfeiçoamento da didática no que diz respeito ao trato destes novos conteúdos. Ele ressalta, no entanto, que a causa do problema é mais profunda: a desvalorização da profissão tem aumentado, continuamente, a estatística dos alunos que cursam uma licenciatura sem a intenção de virem a se tornar professores. “Nós estamos formando futuros professores que não vão exercer a profissão, e isso é um reflexo triste do apagão educacional que estamos vivendo”, observa ele. “Continuamos a crescer quantitativamente, no que diz respeito à ampliação do acesso ao ensino superior, mas qualitativamente vivemos uma regressão”, completa.

E, neste sentido, uma inovação que poderia revitalizar o sistema de ensino foge um pouco da questão dos conteúdos para entrar na questão da infraestrutura disponível para utilização nas escolas brasileiras. “Hoje, os professores têm de trabalhar com lousa e giz, unicamente”, comenta Marcelo. Muitas escolas nem ao menos possuem uma sala de informática com acesso à internet e, frequentemente, quando a têm, não podem usufruir de suas potencialidades devido a processos burocráticos e outros motivos. “Vem daí em grande parte que o professor não saiba como trabalhar com novas tecnologias”, entrevê ele.

Uma das justificativas mais comuns para a recusa do ensino de FMC é que, segundo alguns profissionais, este conteúdo deve ser ensinado de maneira prática e experimental, em laboratórios sofisticados e muito bem equipados. Entretanto, atualmente, há muitos recursos computacionais, multimídia, como softwares e simuladores, através dos quais podem ser realizados “experimentos virtuais”, dispensando o uso do aparato físico em mãos. Alguns exemplos bastante simples podem ser encontrados na web, como este simulador em flash relacionado ao conceito de interferência por fendas duplas de Young, ou este laboratório virtual em Mecânica Quântica.

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A interação entre comunidade escolar e Universidade têm sido muito benéfica, tanto no trabalho criativo para aplicar os novos conteúdos em sala de aula buscando alternativas para a necessidade da tecnologia inexistente ou inacessível, quanto na motivação de professores e alunos, no sentido de atrair novos talentos para carreiras científicas. Segundo Marcelo, a nova geração apresenta uma grande deficiência na visão que tem (na verdade, na visão que lhes é oferecida) sobre a ciência no mundo, porque o Brasil segue um modelo de ensino muito atrasado.

“O discurso hoje é outro, mas a prática do ensino ainda é jesuítica e propedêutica. Esse tipo de ensino atendia uma demanda e se alinhava a uma ordem social específica que hoje já se transformou – estamos na era da globalização e da internet, a informação está em todos os lugares e não mais concentrada apenas nas escolas. A questão, hoje, é como elaboramos essa informação na sala de aula”, opina o professor Marcelo. Ele reitera que, no que diz respeito a parâmetros curriculares, o Brasil está avançado, até mesmo em sintonia com países de primeiro mundo, mas é a prática que está defasada e estagnada com maneirismos didático-pedagógicos secularizados. “O professor é ‘conteudista’, ou seja, mesmo no tratamento de novos tópicos, como é o caso da Física Moderna, ele continua a dinâmica de ensino da Física Clássica: conteúdo, memória, repetição”, conclui.

Mas por que ensinar Física para um adolescente?

Nas escolas, o ensino é oferecido com base na possibilidade do aluno vir a tornar-se um cientista, o que nem sempre é o caso. E, de fato, atualmente, o ensino das ciências exatas no ensino básico não supre as necessidades dos alunos que aspiram outras carreiras e têm outras pretensões profissionais. Qual é a Física, então, que deve ser ensinada para estes jovens? O caráter finalista do ensino básico, ou seja, a ideia de que o Ensino Médio é o fim da formação de um cidadão, fez com que o ensino se horizontalizasse – a quantidade de aulas é menor para cada disciplina, que são mais extensas ao longo de toda a vida escolar. Se antes havia cinco aulas de Física por semana, hoje há duas, no máximo, em meio a inúmeras outras disciplinas, da mesma maneira que ocorreu com a Língua Portuguesa e a Matemática. “Por ser um ensino finalista, tem-se a impressão que se deve ensinar TUDO, mas será que precisamos de tudo isso? De todas estas disciplinas? De todo esse conteúdo em Física? Não há tempo suficiente”, reflete o professor.

“A chave para sermos um país com educação de primeiro mundo é conseguir atrair cada vez mais jovens talentosos para as carreiras científicas e para a docência. Inserir-se em uma sociedade do século XXI envolve uma formação científica e cultural que depende da transformação do professor. A responsabilidade da escola é a formação de cidadãos, e a Física é um instrumento privilegiado de esclarecimento dos mecanismos de produção nacionais de tecnologia, por exemplo, o que envolve economia e política e facilita a inserção do aluno nas discussões dos grandes veículos de comunicação mundiais, o que é uma premissa das inovações curriculares nacionais mais recentes”, conclui Marcelo.

Assessoria de Comunicação

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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