Notícias

7 de agosto de 2015

A física nos instrumentos musicais*

Donoso-_EinsteinAo ouvir sinfonias de Mozart, Bach e Beethoven, muitos costumam se perguntar como foi possível que seres humanos fossem capazes de compor tais obras-primas musicais. Mas certamente poucos já pararam para pensar que essas e outras obras jamais poderiam ser executadas caso algumas pessoas não tivessem dedicado estudos para construção dos instrumentos musicais que dão som e ainda mais beleza às composições clássicas.

Para que o desenvolvimento e aperfeiçoamento de materiais para feitura de pianos, violinos, flautas e diversos outros instrumentos musicais fosse possível, princípios básicos de física foram protagonistas, assim como os próprios físicos em si. Albert Einstein, por exemplo, costumava reunir-se semanalmente com colegas e amigos para tocar música de câmara. O físico francês Félix Savart é considerado um dos pioneiros a pesquisar a física do violino. O fisiologista e físico alemão Hermann Von Helmholtz elucidou o tipo de vibração que distingui uma corda excitada por um arco da corda tangida**. O pai de Galileu Galilei, Vincenzo Galilei, demonstrou que a música não poderia ser embasada em ideias abstratas vigentes na época de razões de números inteiros, mas sim no fenômeno físico sonoro ***.

Física básica nos instrumentos musicais

Propagação de som e acústica são dois conceitos de física básica extremamente importantes para compreensão do funcionamento dos instrumentos musicais, que são classificados em três categorias: os com base em cordas vibrantes, os que dependem de vibração de colunas de ar e os de percussão.

Quando fazemos vibrar a corda de um instrumento musical, diversos harmônicos, configurações de ondas estacionárias também chamadas de “ressonâncias”, podem ser formados ao mesmo tempo, que serão sempre múltiplos inteiros da frequência fundamental original. Ou seja, para uma frequência f emitida pela corda de um violino, seus harmônicos terão frequências 2f, 3f, 4f e assim por diante. “Ao ouvir uma nota musical, nossos ouvidos, na realidade, captam as diversas frequências, ou harmônicos, emitidas. Um instrumento musical de qualidade ruim não será capaz de produzir muitos harmônicos, e, por isso, não será agradável aos nossos ouvidos”, explica o docente do Grupo de Ressonância Magnética do Instituto de Física de São Carlos (RMN- IFSC/USP), José Pedro Donoso.

TimbreCada instrumento musical possui um tipo de “impressão digital sonora” com descrições matemáticas extremamente precisas. O que irá realmente diferenciar um instrumento de outro são as amplitudes e durações de cada um dos harmônicos presentes no som resultante, ou imperfeições das ondas sonoras, conjunto de características que é chamado de timbre. É graças a ele que conseguimos diferenciar o som de um violão do som de um piano, por exemplo.

As particularidades de cada instrumento

Embora todos os instrumentos musicais sigam uma mesma lógica de funcionamento, cada um possui peculiaridades. No caso de instrumentos de sopro, o que produz o som é a vibração da coluna de ar dentro do tubo. “Ao assoprar o instrumento, são geradas diversas frentes de ondas de ar, que se propagam dentro do tubo. Ai dedilhar o instrumento, os orifícios abrem e fecham, mudando o comprimento do tubo e gerando diferentes notas musicais”, explica Donoso.

No caso de uma flauta transversal, ao aproximar a boca da borda e assoprar, o ar incidirá contra a borda, dando origem a “redemoinhos”. São as perturbações do ar introduzidas por estes redemoinhos que gerarão os sons do instrumento. Para produzir sons mais graves ou agudos, basta que o executante dedilhe os orifícios do tubo e mude o ângulo e força do sopro.

Diferente da flauta transversal, a flauta doce possui uma boquilha de geometria fixa, o que faz com que seja relativamente fácil produzir um som musical neste instrumento. Mas, seja qual for o instrumento de sopro, quando seus orifícios são destampados, o efeito é o mesmo: a produção de uma nota de altura maior, já que destampar os orifícios é como se o tubo tivesse sido encurtado. Na região da abertura, a pressão do ar coincidirá com a pressão atmosférica, e a coluna de ar, originada pelo sopro, irá se comportar como se nesse local o instrumento tivesse uma extremidade aberta.

Donoso-_percussoNos instrumentos de percussão, os sons são produzidos graças a uma membrana bastante esticada que fica na parte superior. As chaves de afinação, que seguram a membrana, são também responsáveis pelo controle da tensão e da afinação. Para visualizar os modos de vibração, é empregado o método de Chladni, que consiste no espalhamento de uma cortiça fina sobre a membrana, para se observar as figuras produzidas quando a membrana é posta para vibrar numa determinada frequência.

Instrumentos diferenciados

Considerado um dos instrumentos musicais mais complexos, o desenho do piano moderno foi concebido por Henry Steinway. Formado por 88 teclas, o som das 10 notas mais agudas é gerado por cordas individuais, o som das notas seguintes é gerado por conjuntos de duas cordas, e o som das notas mais graves é gerado por bordões, com um fio de cobre enrolado na corda de aço. “O martelo que bate nas cordas do piano, para produzir os sons, não pode bater em qualquer parte da corda: o melhor local é aquele que fica a uma distância de 1/9 de sua extremidade. Assim, apenas as intensidades dos harmônicos 9, 18, 27, 36 e 45 serão prejudicadas no espectro sonoro do instrumento”, explica Donoso.

Outra particularidade do piano é sua tábua harmônica, responsável por aumentar a sonoridade do instrumento. Isso porque a vibração das cordas do piano, quando transferidas a uma superfície maior, aumenta a sonoridade do instrumento. “Não se trata de uma tábua de madeira qualquer; ela precisa ser harmônica”, enfatiza o docente.

Mas o piano não é considerado um instrumento harmônico. Isso porque, como já explicado anteriormente, os harmônicos são sempre múltiplos inteiros da uma frequência fundamental. No caso do piano, essa regra não é seguida nas notas mais agudas e nas notas mais graves, nas quais os harmônicos não são exatamente múltiplos inteiros. “Este problema dificultou muito o desenvolvimento do piano eletrônico. Demoraram-se muitos anos para desenvolver um piano eletrônico capaz de reproduzir sons da maneira que o faz um autêntico piano. Fazer um teclado, entretanto, era barato e fácil, o que não se pode dizer do piano”, conta Donoso.

Outro instrumento de arquitetura tão complexa quanto a do piano é o violino. Os mais famosos, os Stradivarius e os Guarneri, podem chegar a custar alguns milhões de dólares. Novamente, ondas sonoras e vibração são dois conceitos de física básica extremamente importantes para explicar seu funcionamento: no campo superior da caixa de ressonância, há dois orifícios em forma de “f” que comunicam as vibrações do ar dentro do violino ao exterior. O cavalete atua como transdutor mecânico, transmitindo a vibração das cordas para a caixa acústica do instrumento. Ele também atua como um filtro acústico, suprimindo frequências indesejáveis.

Donoso-_alma_do_violinoOutra peça importante no instrumento é a chamada “alma do violino”, palito cilíndrico da grossura de um lápis, que se apoia entre os dois tampos. A alma possui duas funções: uma acústica, na transmissão das vibrações do tampo superior para o tampo inferior, e outra estrutural ajudando a suportar a tensão das cordas sobre o tampo superior. Desta forma, é possível movimentar-se uma grande área, trazendo como consequência o aumento da sonoridade do instrumento.

O som do violino é o resultado da forma de onda originada pela excitação das cordas pelo arco, que é influenciada pelas vibrações e ressonâncias do corpo do violino, seus tampos e cavalete. O arco do violino, feito de fios de crina de cavalo, é de extrema importância para a geração de sons afinados e agradáveis aos nossos ouvidos. A tensão das cordas do violino sobre o tampo do mesmo é tão grande, que é como se um objeto de nove quilos estivesse apoiado sobre ele. “No caso do piano, essa medida é ainda mais impressionante: a tensão causada pelas cordas equivale a três toneladas. Por isso é que o marco do piano precisa ser de ferro. Do contrário, suas cordas estourariam”, elucida Donoso.

Outro diferencial do violino é o tipo de onda que ele produz, quando o arco passa sobre suas cordas, a chamada onda dente de serra. “A propriedade mais importante deste tipo de onda é que ela gera sons ricos em harmônicos”, complementa Donoso.

Tal propriedade, por exemplo, não pode ser verificada no violão. Embora suas cordas possuam o mesmo comprimento (65 cm), todas têm diferentes espessuras. Ao vibrarem, vibram também o ar ao redor e produzem ondas sonoras estacionárias. Sua caixa de ressonância no formato do número 8 permite que certas regiões entrem em ressonância, amplificando os sons fracos. Outra coisa que diferencia o violão do violino (e também do violoncelo) é seu braço, que é dividido em frações (chamadas de casa) bem definidas.

A contribuição de alguns físicos no mundo musical

A maioria dos instrumentos musicais que conhecemos foi confeccionada há muitos anos, e o design de todos eles permanece o mesmo, com sutis alterações em um ou outro instrumento. Mas, no que diz respeito ao funcionamento dos instrumentos- o que interferiu, inclusive, na confecção dos mesmos-, muitos físicos trouxeram importantes colaborações.

Além dos já citados no início da matéria, outros, como Chandrasekhara V. Raman, que ganhou o prêmio Nobel de Física de 1930, trabalhou com a acústica de instrumentos musicais, desenvolvendo teorias de vibração que o arco do violino produz em suas cordas. Ele também foi o primeiro a investigar a natureza harmônica dos instrumentos indianos.

Frederick Saunders, mais conhecido no mundo da física pelo acoplamento Russell & Saunders, estudou as propriedades acústicas de instrumentos de cordas e desenvolveu um método para analisar a resposta acústica dos instrumentos, utilizando um analisador para registrar a amplitude e as freqüências dos harmônicos produzidos.

Novas áreas de estudos relacionando a música com outras áreas do conhecimento também têm ganhado destaque. Os estudos de processamento da música por técnicas de Imagens de Ressonância Magnética são um exemplo. O objetivo principal é identificar regiões do cérebro envolvidas no processamento da harmonia e da melodia. Estudos similares tentam relacionar a música com as neurociências, particularmente a organização cerebral das funções musicais. Dados interessantes já foram verificados em pesquisas desse tipo, como o fato de a música ter acesso direto à afetividade e áreas límbicas (responsáveis pelas emoções e comportamentos sociais).

Mas, já há muitos anos, é sabido que a música exerce grande influência no cérebro e na vida de qualquer pessoa. Basta torcer para que continue existindo pesquisadores dispostos a explorar essa importante e belíssima área de estudos ****.

*Essa matéria teve como base a palestra “A física dos instrumentos musicais”, ministrada há anos pelo docente do IFSC/USP José Pedro Donoso

**Informações retiradas do artigo “A física do violino”, que pode ser acessado através do endereço eletrônico http://www.sbfisica.org.br/rbef/pdf/302305.pdf

***Fonte: http://www.jb.com.br/ciencia-e-tecnologia/noticias/2011/11/04/livro-aborda-contribuicao-do-pai-de-galileu-galilei-para-a-historia-da-musica/

****Mais informações sobre a física dos instrumentos musicais pode ser encontrada nos livros “Instrumentos Musicales: artesania y ciência” de H. Massmann e R. Ferrer (Biblioteca IFSC, catalogação 534 M418i) e “The Physics of Musical Instruments” de N.H. Fletcher e T.D. Rossing (Biblioteca IFSC, 534 F612p), e no artigo “A Física do violino” de J.P. Donoso, A. Tannus, F. Guimarães e T.C. de Freitas, publicado na Revista Brasileira de Ensino de Física 30 (2) 2305 (2008).

Imagens:

Imagem 1- Fonte: Life Magazine

Imagem 2- Fonte: http://www.musictheoryis.com/timbre/

Imagem 3- Fonte: www.phys.unsw.edu.au/music

Imagem 4- Fonte: http://musicartgaruva.blogspot.com.br/2012/02/curiosidades-do-violino.html

Assessoria de Comunicação

Imprimir artigo
Compartilhe!
Share On Facebook
Share On Twitter
Share On Google Plus
Fale conosco
Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
Obrigado pela mensagem! Assim que possível entraremos em contato..