Por: Prof. Roberto N. Onody *
Em 1937, dois anos depois de defender seu doutorado, o alemão Lothar Collatz (Figura 1), formulou uma hipótese matemática que segue, até hoje, não demonstrada. Pela sua simplicidade, a conjectura tem atraído matemáticos profissionais e amadores, que tentam provar a sua veracidade. Todos consideram o problema “perigoso”. Perigoso porque é apaixonante e envolvente. Muitos cientistas passaram anos, décadas, tentando resolvê-lo, inutilmente. Durante a guerra a fria, se dizia que o problema foi inventado pelos soviéticos para atrasar a ciência nos EUA.
A dinâmica de Collatz é muito simples, são apenas 2 regras. Escolha um número natural qualquer N (1, 2, 3, …)
-Se N for par, divida por 2 —> N/2
-Se N for ímpar, multiplique por 3 e adicione 1 —> 3N + 1
Se aplicarmos essas regras, por exemplo, para o número N = 17, ele evoluirá da seguinte maneira:
17 à 52 à 26 à 13 à 40 à 20 à 10 à 5 à 16 à 8 à 4 à 2 à 1
Ao chegar ao número 1, a dinâmica entra num ciclo 3 (1, 4, 2, para sempre)
A Conjectura de Collatz afirma que: “Todo e qualquer número natural, terminará sua dinâmica no ciclo 3”.
Portanto, provar a Conjectura de Collatz significa demonstrar que, iniciando o processo com qualquer número natural, não importando o seu tamanho, ele acabará no ciclo 3.
Claro, a primeira coisa que se pensa é em usar a força bruta computacional. Em 2020, a conjectura foi testada para todos os números naturais de 1 até 268 ~ 3 1020. Todos convergiram para o ciclo 3 1.
Obviamente, nenhum matemático aceita esse resultado numérico como prova da conjectura. Ele só prova que, até esse número, ela está correta. Porém, podem existir números muito maiores, que levem a dinâmica ao infinito. Ou ainda, que conduza a um conjunto de números gigantescos que formem um outro e novo ciclo. Com o número 268 nas mãos, matemáticos provaram que, se existir um ciclo acima dele, este ciclo tem que ser gigantesco e composto por, pelo menos, 186 bilhões de números!
Muito embora, os matemáticos saibam ser possível apresentar provas computacionais e numéricas na solução de algumas conjecturas matemáticas (veja ref.2 ), esse não parece ser o caso aqui. Contra a força bruta, eles têm o episódio da Conjectura de Pólya. Todo número natural maior do que 1, pode ser decomposto em um número par ou ímpar de produto de números primos. Dessa forma, 16 é par (4, 16 = 2.2.2.2), 8 é ímpar (3, 8 = 2.2.2), 17 é ímpar (1) e assim por diante. Podemos então, contar até um certo número natural N, quantos se decompõem em números pares e ímpares. Por exemplo, até N = 20, 12 são ímpares e 7 são pares. Em 1919, o matemático húngaro George Pólya, propôs a conjectura de que o conjunto de números naturais com decomposição par é sempre maior ou igual ao dos ímpares. Foi somente em 1958, que C. B. Haselgrove provou a existência de um contraexemplo para N = 1,845 10361 ! 3
Claro, bastaria um contraexemplo para quebrar a Conjectura de Collatz pois, a sua dinâmica é muito sensível à semente (inicialização). Por exemplo, para N = 63, a dinâmica chega até o número 9.232 e leva 107 passos até o ciclo (Figura 2); já para a semente N = 64, este é também o valor máximo, chegando ao ciclo em 6 passos (Figura 3) 4. Há explosões na dinâmica de Collatz, que nos fazem acreditar ser possível encontrar um contraexemplo. A Semente 9.663 atinge o máximo de 27.114.424 antes de recuar para o ciclo.
Se considerarmos a dinâmica de Collatz para os números inteiros negativos, obteremos pelo menos 3 ciclos: (-1, -2); (-5, -14, -7, -20, -10); e (-17, -50, -25, -74, -37, -110, -55, -164, -82, -41, -122, -61, -182, -91, -272, -136, -68, -34), com número de elementos 2, 5 e 18, respectivamente. Curiosamente, esses mesmos ciclos (com sinais positivos) aparecem se alterarmos a regra 3N + 1 para 3N – 1, mas ainda permanecendo no âmbito dos números naturais positivos.
Muito embora não exista hoje uma prova da conjectura de Collatz, há resultados parciais bem interessantes. Um dos mais brilhantes matemáticos da atualidade, Terence Tao 5, demonstrou, em 2019, o seguinte teorema: “Quase todos os valores iniciais N (sementes), quando iterados pela dinâmica de Collatz, têm valor menor do que f(N), para qualquer função f(N) que vá a infinito quando N tende a infinito, não importando quão lentamente f(N) cresce ”. Por qualquer função de crescimento lento, você pode pensar coisas como log(log(log(log(N)))). Para os matemáticos, quase todos significa 99,99… % (adicione quantos noves quiser). Muito convincente, é uma quase prova, mas não é uma prova.
Sobre a conjectura de Collatz, o matemático húngaro Paul Erdös declarou em 1983: “A matemática ainda não está madura para resolver esse problema”.
*Físico, Professor Sênior do IFSC – USP
(Agradecimento: ao Sr. Rui Sintra da Assessoria de Comunicação)
Referências:
1 Collatz conjecture – Wikipedia
2 A Solução da Conjectura de Keller – verdadeira, ou falsa? – Portal IFSC (usp.br)
3 Porém, com o advento dos computadores, M. Tanaka encontrou (em 1980) o menor número que viola a Conjectura de Pólya, N = 906.150.257
4 Caso tenha interesse, escrevi a Conjectura de Collatz em Python e também uma versão executável para Windows (sem vírus ). Você pode solicitar por e-mail.
5 The Notorious Collatz conjecture (wordpress.com)
Rui Sintra – Assessoria de Comunicação – IFSC/USP