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4 de fevereiro de 2024

Uma Universidade pública, gratuita, socialmente democrática e aberta ao talento

Carlos Gilberto Carlotti Junior – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Por: Carlos Gilberto Carlotti Junior, reitor da USP

Hoje, quando celebramos os 90 anos da nossa Universidade de São Paulo, além da alegria, do orgulho legítimo e da confiança na potência transformadora do conhecimento, somos convidados a analisar nosso passado e a pensar nosso futuro. A grandeza da USP decorre do trabalho de excelência de gerações que pesquisaram, estudaram, ensinaram e difundiram o saber para o progresso do nosso país.

A universidade é resultado do pensamento livre que existia em nosso estado no final dos anos 20 e início dos anos 30, principalmente considerando as mudanças políticas e sociais após a derrota paulista na revolução constitucionalista.

Foi na redação do jornal O Estado de S. Paulo, sob a liderança de Júlio de Mesquita Filho e de Fernando de Azevedo, que a ideia tomou corpo. O que estava em questão eram os destinos da República e da democracia. Essas importantes figuras, em consórcio com os governantes estaduais e com o grupo dos Reformadores da Educação, autores do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, mobilizaram energias poderosas.

Havia interesses de classe presentes naqueles debates primordiais? É claro que sim. Há interesses de classe em todos os movimentos de todas as partes da vida social e aquele momento não foi exceção.

O lema que confere significado ao brasão da Universidade – Vencerás pela Ciência – condensa a teia dos sentidos presentes na mente de seus fundadores. Ou seja, o conhecimento é arma duradora e resistente às conjunturas momentâneas.

E, de fato, a USP foi uma resposta inteligente ao vácuo deixado pela crise política, instituindo um modelo de universidade pública, gratuita, socialmente democrática e aberta ao talento.

A USP foi pensada como uma instituição moderna, alicerçada na relação indivisível entre ensino, pesquisa e extensão. Pulsava nela uma visão de país que se ancorava na ciência, na razão e no valor da liberdade, um modelo estruturado, norteado por princípios científicos e por uma visão integrada de vida intelectual.

A essência do que foi pensado naquela época sobreviveu e cresceu nas décadas seguintes, até se converter no que celebramos nesta data.

Para que a USP fosse possível, uma consonância entre o passado e o futuro foi tecida. A USP nasceu pela agregação de seis escolas que já existiam, a Faculdade de Direito, nossa mais antiga unidade; a Escola Politécnica; a Faculdade de Medicina; a Faculdade de Farmácia e Odontologia; a Faculdade de Medicina Veterinária; e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz.

Mas a Universidade também nasceu de uma visão moderna de futuro, que se traduziu na criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, um centro de altos estudos, concebida para realizar ciência desinteressada, buscando a universalidade do saber, e coordenar e integrar as atividades das demais escolas.

O projeto da USP foi, assim, inovador, ambicioso, plenamente realizado em curto prazo, revelação de uma arquitetura inusitada, se pensarmos as condições do país na época.

A USP ganhou vida ao sincronizar-se ao movimento ascendente de São Paulo e tornou-se parte da intensificação das mudanças que ocorriam em todas as esferas, revelando o elo entre a instituição e a sociedade.

A criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp – no final dos anos 40, formalizada em 1960 e consolidada em 1962, gestou uma parceria virtuosa entre as duas instituições, que se autoalimentaram. Daí, nascia uma relação que se fortaleceu e se constituiu em organismo central à diferenciação do sistema científico e cultural paulista.

Fora de São Paulo, no âmbito federal, deve ser salientada a contribuição fundamental do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, criado em 1951; e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes, no mesmo ano, importantes agências de apoio e promoção da pesquisa e do ensino e fundamentais para o desenvolvimento da pós-graduação nas universidades brasileiras.

Projetos importantes também surgiram em São Paulo, com a criação de instituições universitárias coirmãs, como a Universidade de Campinas – Unicamp – em 1966, e a Universidade Estadual Paulista – Unesp, em 1976, produtoras de parte relevante da produção científica brasileira, que honram nosso sistema educacional.

A USP, a Unicamp e a Unesp têm merecido apoio integral dos dirigentes do estado de SP, tanto do poder executivo como do poder legislativo, cuja persistência no tempo e respeito à autonomia financeira e acadêmica garantem a expansão, o aprimoramento, o planejamento a longo prazo e a renovação institucional. As três universidades têm correspondido a esse apoio e se destacam por combinarem excelência acadêmica e de pesquisa.

Fundamental também foi a expansão da USP para outras cidades do estado. Excetuando a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, instalada em Piracicaba e pré-existente à fundação da USP, faculdades foram erigidas em outros municípios, formando verdadeiras cidades universitárias.

A criação da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Escola de Engenharia de São Carlos e da Faculdade de Odontologia de Bauru, nos anos 50, e de novas unidades nos anos subsequentes, foram símbolos da expansão em direção a centros emergentes. Além disso, sinalizaram a preocupação em facilitar o acesso ao ensino superior de estudantes que teriam dificuldades em se deslocar para a capital.

Os sete campi da USP instalados em Bauru, Lorena, Piracicaba, Pirassununga, Ribeirão Preto, Santos e São Carlos são vetores de desenvolvimento regional no interior do estado. A criação da Escola de Artes, Ciências e Humanidades, a EACH, em 2005, na zona leste da capital, em uma região socialmente vulnerável, acompanhou o espírito democrático presente no ideário dos fundadores.

O mapa do desenvolvimento econômico e social do estado de São Paulo tem forte sobreposição com os campi das universidades estaduais já citadas, e das instituições federais, como a Unifesp, a UFSCar e a UFABC.

A USP tem acolhido as demandas surgidas na cena social brasileira, haja vista o desenvolvimento de políticas afirmativas e inclusivas que a situam na vanguarda das universidades brasileiras e mundiais. As medidas para facilitar o acesso de estudantes das escolas públicas e de camadas sociais populares são inovadoras, bem como na diversidade e abrangência das políticas construídas.

Nossa excelência aumentou com essas iniciativas, nossa produção acadêmica se ampliou em número e qualidade e galgamos posições inéditas de destaque em rankings nacionais e internacionais. Em 2023, fomos classificados pelo QS como a 85ª universidade no mundo e a primeira da Ibero América. Foi a primeira vez na história que o Brasil teve uma universidade entre as 100 melhores do mundo.

Estamos formando líderes e produzindo pesquisas com excelência, acrescidos da diversidade.

Durante nossa história, tivemos momentos de dificuldades. Esta Universidade enfrentou o arbítrio do regime autoritário instalado em 1964, que aposentou lideranças intelectuais e científicas notáveis. Apesar de duramente atingida, a USP teve força para resistir e conservar seus fundamentos originais.

Recentemente também enfrentamos a pandemia da covid-19, que impediu o convívio universitário por mais de dois anos, obrigando a USP a se reinventar para manter suas atividades.

Reafirmando seus ideais, a universidade precisa estar continuamente se atualizando para responder aos problemas da sociedade, buscando novas soluções.

Para isso, presentemente, a USP tem priorizado as pessoas; a qualificação de suas pesquisas e a transferência desse conhecimento para a sociedade; o aperfeiçoamento da internacionalização nos nossos campi; o desenvolvimento sustentável; e a modernização do processo ensino-aprendizagem.

Considerando as pessoas, precisamos aprimorar as políticas de permanência estudantil e fortalecer a percepção de pertencimento à universidade. O ingresso dos alunos deve ser diverso, considerando as condições econômicas e étnico-raciais de nossa sociedade.

Mas, no momento da saída da universidade, essas diferenças já devem estar superadas e todos os alunos e alunas devem estar equiparados em suas capacidades profissionais e na formação de excelência, igualando suas perspectivas futuras, e com disposição para implementar mudanças na sociedade.

As condições sociais atuais também nos impõem a preocupação com a saúde mental de nossos alunos, servidores técnicos e administrativos e de nossos professores.

No que se refere à qualificação das pesquisas e à transferência do conhecimento, a USP tem criado Centros de Pesquisas interunidades e multidisciplinares em áreas de temas relevantes, como oncologia de precisão, inteligência artificial, agricultura tropical sustentável, fixação de carbono pela agricultura, amazônia sustentável, estudo sobre as instituições brasileiras e controle dos gases responsáveis pelo efeito estufa, além de institucionalizar 11 Cepids da Fapesp, dando mais autonomia aos grupos de pesquisa.

A USP produz cerca de 20% da produção científica do Brasil e o objetivo é qualificar cada vez mais essa pesquisa para aumentar seu impacto social.

Esse conhecimento precisa ser transferido para a sociedade por meio da inovação, entendida como uma ferramenta para induzir mudanças sociais, para o aperfeiçoamento de políticas públicas, para a transferência tecnológica para o setor privado e para a inovação nas artes e na cultura.

Para esse projeto, precisamos da colaboração de vários atores além da Universidade: o governo, o setor privado, a sociedade e o meio ambiente. Estamos buscando espaços na USP para que essas interações possam ser aceleradas. No momento em que São Paulo e o Brasil discutem modelos industriais, estamos prontos para colaborar.

A internacionalização é uma tradição na Universidade e muitas atividades já foram desenvolvidas e serão mantidas. Mas, agora, essa internacionalização entra em nova fase, com a implantação de laboratórios internacionais em nossos campi.

Já temos dois laboratórios franceses, o Institut Pasteur e o CNRS, que iniciaram suas atividades, e estamos negociando com dois institutos alemães e um inglês, além da criação de um centro USP-China para abrigar cooperações com universidades e institutos de pesquisa daquele país.

Essas ações permitirão que nossa comunidade universitária possa vivenciar o ambiente acadêmico internacional em todas as suas dimensões.

Quanto ao desenvolvimento sustentável, este tema deve ser uma prioridade para toda a sociedade e acreditamos que as universidades devem ser agentes importantes na busca de soluções para a saúde do planeta.

Estamos estudando e colaborando na identificação de energias sustentáveis para realizar a transição energética, na conservação da água e dos oceanos, no destino de resíduos sólidos e em novas metodologias para a fixação de carbono. Nossos campi devem ser modelos para a sociedade.

O desenvolvimento sustentável é uma oportunidade para o Brasil ser uma liderança mundial e criar um novo modelo econômico para melhorar as condições de vida da população. Não podemos perder essa oportunidade.

O aperfeiçoamento de nosso modo de ensinar também é prioridade. Nosso modelo de ensino passa por reorganização importante. As escolas e faculdades da USP estão revendo suas matrizes curriculares e apresentando projetos para que o ensino esteja de acordo com as necessidades da sociedade.

Devemos preparar jovens para profissões que ainda não existem, que exigem cada vez mais novas habilidades, como a comunicação e o empreendedorismo, e capacidade de adaptação durante sua vida profissional. Não é uma tarefa simples, mas há um desejo grande da comunidade em implementar essas modificações.

Ao longo de seus noventa anos, a USP se desenvolveu no compasso das transformações profundas ocorridas em São Paulo, no Brasil e na cena mundial.

Na data de hoje, quando exaltamos a USP, devemos valorizar nosso caráter público. A universidade pública e gratuita nasce do esforço indistinto de todos e todas e conflui para o atendimento das aspirações das coletividades e dos direitos e necessidades de cada pessoa.

Existimos para dignificar a nossa democracia, o nosso padrão civilizatório, para honrar a razão e para contribuir para o desenvolvimento de São Paulo e do Brasil. A USP é sinônimo de generosidade e de partilha.

Que venham mais 90 anos. Viva a USP!

(Jornal da USP – Discurso proferido pelo reitor na cerimônia de abertura das comemorações dos 90 anos da USP, em 25/01/24)

Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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