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28 de setembro de 2021

Teste de Turing e Inteligência Artificial

Século 21 – a era da Inteligência Artificial (Crédito: Worldpedia.info)

Por: Prof. Roberto N. Onody *

Alan Mathison Turing (1912 – 1954) foi um matemático britânico brilhante (Figura 1) que ficou conhecido como “Pai da Computação” 1. Concebeu, teoricamente, o dispositivo denominado Máquina de Turing que é um modelo abstrato de um computador. Criptoanalista, ajudou a decifrar a máquina Enigma, amplamente utilizada pelo exército e marinha nazistas, para enviar mensagens secretas durante a Segunda Guerra Mundial.  Enigma é uma máquina eletromecânica patenteada em 1918 e que teve várias versões ao longo do tempo 2 (Figura 2). Sua decodificação, pelos Aliados, permitiu encurtar a guerra na Europa e poupar milhares de vidas.

Turing contribuiu, de maneira muito importante, para a chamada lógica matemática. David Hilbert (1862-1943), um notável matemático alemão, analisando a estrutura da matemática (composta por axiomas e afirmações) concluiu que ela era: completa (toda afirmação verdadeira pode ser provada), consistente (sem contradições) e decidível (isto é, existe um algoritmo que pode determinar ou decidir se uma afirmação é consequência de seus axiomas). Na sua palestra de aposentadoria da Sociedade de Cientistas e Físicos Alemães (em 1930), em resposta à máxima latina Ignoramus et ignoramibus (não sabemos e não saberemos), ele afirmou Wir mussen wissen, wir werden wissen (nós precisamos saber, nós saberemos). Esta frase está em seu epitáfio no cemitério de Göttingen. Nesse mesmo ano, o brilhante matemático austríaco Kurt Gödel (1906-1978), publicou os seus 2 teoremas de inconsistência, que derrubaram as 2 primeiras afirmações de Hilbert. A máquina de Turing, quando operando um algoritmo que nunca para, é um exemplo de indecidibilidade 3.

Figura 1 – A. Turing, matemático, cientista computacional e criptoanalista.  Era um grande corredor, fez a maratona em 2:46 h. Foi condenado em 1952 por atos homossexuais e obrigado a tomar estrogênio. Suicidou-se em 1954. Recebeu o perdão póstumo da Rainha Elizabeth II em 2013 – Crédito: Domínio público

Quando os primeiros computadores começaram a funcionar, muitos já se perguntavam: Eles podem pensar? Em caso positivo, um dia eles se equiparariam aos seres humanos? Pensando neste assunto, Turing publicou um artigo em 1950 4. Na primeira parte desse artigo ele propõe o Jogo da Imitação 5. Nesse jogo, 3 indivíduos – um homem, uma mulher e um juiz (homem ou mulher), em salas isoladas, podem se comunicar somente através de textos datilografados. O homem e a mulher devem ludibriar o juiz, fazendo-se passar por mulher e homem, respectivamente. Em seguida, Turing substitui um deles por um computador. Esta última forma, ficou conhecida como Teste de Turing.

Neste teste, uma pessoa, um computador e um interrogador humano (juiz) são mantidos em salas separadas e, novamente, só podem se comunicar por texto impresso. A máquina e o ser humano manterão uma conversação entre si. O juiz deverá analisar o conteúdo e tentar distinguir qual é a máquina e qual é o ser humano. A pergunta que Turing se fazia era: poderia a máquina imitar o pensamento humano e confundir o juiz?

Há muito tempo, clássicos dos filmes de ficção científica, exploram essa possibilidade. Por exemplo 6, nos filmes 2001 – Uma Odisséia no Espaço (com o computador HAL 9000), Blade Runner, e outros.

Em 1966, Joseph Weizenbaum criou um programa chamado ELIZA que ‘passou’ (há múltiplas e sérias contestações) no teste de Turing. Um programa passa no teste de Turing se, após uma série de 5 minutos de conversação (no teclado), o juiz é enganado pelo menos em 30% das vezes.

Vários programas parecidos (chamados de ‘chatbots’) foram propostos. Em 1991, o inventor Hugh Loebner instituiu um torneio (Prêmio Loebner) para programas ou chatbots dirigidos para o teste de Turing. Nessa competição (que é anual), participam dez juízes, os programas inscritos e 4 pessoas. Até 2014, nenhum chatbot havia passado no teste de Turing. Porém, nesse ano, um chatbot atingiu o índice de 30%, fazendo-se passar por menino ucraniano de 13 anos de idade.

Figura 2 – Máquina Turing com 3 rotores (a partir de 1938, elas passaram a contar com 5 rotores). Uma das versões da máquina Turing foi decifrada pelos matemáticos poloneses M. Rejewski, J. Różycki e H. Zygalski em 1933. Restaram 284 máquinas Turing usadas pelos nazistas na II Guerra Mundial (Crédito: ref  2.)

Com a evolução na qualidade dos chatbots, a competição se tornou mais aberta e os juízes passaram a ser milhares de usuários da internet. Entre 2016 e 2019 (em 2020 não houve o torneio, devido à pandemia) o chatbot tetracampeão foi o Mitsuku 7 (mais conhecido como Kuki). O programa já manteve conversação com mais de 25 milhões de pessoas em todo o mundo. Foi desenvolvido pelo programador britânico Steve Worswick.

Hoje em dia, os chatbots, na forma de aplicativos, estão em toda parte (como no WhatsApp de empresas, por exemplo). Progrediram bastante, incorporando som e imagem, e se transformando em sistemas de inteligência artificial de bancos e com outras multifuncionalidades, como no Assistente do Google, na Siri da Apple e na Alexa da Amazon. É muito importante enfatizar que, como bem observou o próprio Worswick 6, os chatbots voltados para testes de Turing, andam na contramão dos aplicativos citados acima. Por exemplo, se perguntarmos à Siri qual a população da Noruega, ela responderá “5.385.300”, já o Kuki deverá retornar algo como “menos de 10 milhões”, para não deixar transparecer sua natureza computacional.

O prêmio Loebner também ganhou uma forma multimodal em que máquina deve processar fala, figuras, música e vídeos como se fora um ser humano.

É interessante observar que até já estamos acostumados com os Testes de Turing invertidos – os CAPTCHAs, onde temos que provar que não somos robôs!

Hoje em dia, máquinas de aprendizado conseguem processar uma grande base de dados e escrever textos quase humanos. Até 2020, a maior máquina de aprendizado era a Turing NLG, da Microsoft, com cerca de 17 bilhões de parâmetros. Em maio de 2020, foi lançado o GPT-3 (Generative Pre-trained Transformer-3) com incríveis 175 bilhões de parâmetros de aprendizado. Foi criado pela OpenAI 8, um laboratório de Inteligência Artificial sediado em São Francisco.

A OpenAI também treinou uma rede neural para criar imagens a partir de descrições textuais. Foi batizada de DALL-E, uma referência ao pintor Salvador Dali e ao filme da Pixar, WAAL E (Figura 3).

Figura 3 – Imagens criadas pela Inteligência Artificial DALL -E a partir de descrição textual – objetos reais: a) secção transversal de uma noz; b) coração humano; c) conjunto de taças – objetos surreais: d) esfera com textura de orquídeas; e) quimera tartaruga-girafa; f) poltrona-abacate (Crédito: ref. 8)

O século 21 testemunhou um crescimento assombroso da internet e, em particular, das redes sociais. Em que pesem os enormes benefícios resultantes das redes sociais, desde a rapidez da comunicação, informação e a estreita interação familiar e entre amigos, a existência das chamadas ‘Fake News’ opera, porém, no sentido oposto: desinforma, ludibria e espalha a ignorância de maneira implacável e perversa. Visando usar Inteligência Artificial para combater essa praga, criou-se o projeto PANACEA 9(excelente a escolha do nome) objetivando localizar informações falsas sejam elas de natureza política, climáticas (aquecimento global) ou sobre vacinação.

Necessitamos e utilizamos, cada vez mais, a Inteligência Artificial. Ela está presente na Medicina, em nossos celulares, nos aviões, automóveis, enfim, em todo lugar. O processo de dedução, supostamente humano, já está entre as máquinas. O programa de Inteligência Artificial MuZero, desenvolvido pela DeepMind 10 (Google), aprendeu a jogar xadrez sem que lhe tenha sido ensinado as regras do jogo!

No Brasil 11, visando regulamentar o uso da tecnologia baseada em Inteligência Artificial, há 4 projetos na Câmara dos Deputados e 3 no Senado Federal. O mais avançado, o do deputado federal Eduardo Bismarck (PDT-CE), deve ir, em breve, à votação no plenário da Câmara. Pela proposta, os programas de Inteligência Artificial devem respeitar a privacidade (obedecendo à Lei Geral de Proteção de Dados), a segurança, a dignidade humana, a transparência, não podendo haver discriminação. Estabelece a figura do agente de Inteligência Artificial (que poderá ser tanto o desenvolvedor quanto o operador do software) que será o responsável legal pelas ações tomadas pelo algoritmo.

*Físico, Professor Sênior do IFSC – USP

e-mail: onody@ifsc.usp.br

(Agradecimento: ao Sr. Rui Sintra da Assessoria de Comunicação)

Referências:

1 https://pt.wikipedia.org/wiki/Alan_Turing

2 https://pt.wikipedia.org/wiki/Enigma_(m%C3%A1quina)

3 https://www.youtube.com/watch?v=HeQX2HjkcNo

4 A. Turing, Mind vol. 49, 433 (1950)

https://doi.org/10.1093/mind/LIX.236.433

5 O Jogo da Imitação, filme produzido pela Black Bear Pictures, lançado em 2014, com Benedict Cumberbatch no papel de Alan Turing. O filme foca mais no papel desempenhado por Turing para desencriptar a máquina Enigma.

6 https://physicsworld.com/a/the-turing-test-2-0/

7 https://chat.kuki.ai/createaccount

8 https://openai.com/

9 https://panacea2020.github.io/about.html

10 https://www.deepmind.com/

11 A. Shalders, O Estado de São Paulo, edição de 26 de setembro de 2021.

Rui Sintra – Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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