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8 de outubro de 2020

Starlink: conflito entre tecnologia e ciência básica?

A Starlink1 é uma constelação de satélites construídos pela empresa SpaceX administrada pelo bilionário Elon Musk. O seu objetivo é prover internet de alta velocidade para todo o planeta e, em particular, para locais de difícil acesso. A Starlink (com seus satélites situados a uma altitude de, no máximo, 1.325 quilômetros da superfície da Terra) foi projetada para operar com velocidade de até 1 Gb/s (claro, a velocidade real dependerá do número de usuários conectados) e, além disso, o seu tempo de latência é da ordem de 20 milissegundos bem menor do que os 500 milissegundos da banda doméstica atual, cujos satélites estão em órbita geoestacionária a cerca de 35.000 km da superfície da Terra2.

A agência de telecomunicações FCC (Federal Communications Commission) dos EUA aprovou a operação de 12.000 satélites. Esses satélites são pequenos, com peso variando de 227 a 260 kg e em baixa órbita, com altitude variando de 336 a 1.325 km. Os primeiros satélites foram lançados em fevereiro de 2018 e, até setembro de 2020, foram colocados 712 em órbita.

Esses satélites são lançados pelos foguetes Falcon 9, também fabricados pela SpaceX, e são bastante econômicos pois reutilizam os propulsores do primeiro estágio. O foguete Falcon 9 foi o que lançou a cápsula Crew Dragon, com dois astronautas a bordo, e que se conectou recentemente à Estação Espacial Internacional, quebrando um jejum norte-americano de 9 anos sem vôo tripulado (desde a aposentadoria dos Ônibus Espaciais). Neste intervalo de tempo, os EUA utilizaram a nave Soyuz, lançada a partir da base soviética de Baikonur no Cazaquistão. A SpaceX tem um contrato de US$ 2,6 bilhões com a NASA para a construção de cápsulas e foguetes com destino à Estação Espacial Internacional. Os satélites da rede Starlink têm propulsão iônica podendo manobrar no espaço e mudar de órbita. Na outra ponta, o assinante da rede deverá ter, na sua casa, terminais semelhantes aos nossos roteadores, mas que necessitam ter visibilidade do céu. E, sim, os satélites, por terem órbita baixa, podem ser vistos a olho nu aqui da Terra.

Recentemente, a SpaceX solicitou autorização para lançar outros 30.000 satélites. E é aí que começam os problemas entre a iniciativa privada e a ciência básica3. Em uma contagem recente, a NASA estimou um total de 5.000 objetos (ativos e inativos). Obviamente, tal pletora de objetos espaciais prejudica as observações astronômicas. Em 20 de novembro de 2019, o telescópio Blanco, instalado no Chile, gravou imagens com o surgimento de 19 linhas brancas associadas ao trânsito de um trem de satélites Starlink lançados na semana anterior. O reflexo e o brilho dos satélites foram medidos pelo Observatório Las Cumbres, uma rede global de pequenos telescópios. No crepúsculo e quando os satélites se encontram baixo no horizonte são os momentos que eles têm maior brilho. Ele diminui significativamente quando se eleva a altitude do satélite para 550 km ou mais. Longos tempos de exposição e espelhos grandes tornam ainda mais vulnerável o telescópio. É o caso do Observatório Rubin que tem um espelho de 8,4 m, tempos de exposição da ordem de 30 segundos e que deverá ser colocado em funcionamento em 2022. Há estimativas de que cerca de 1/3 das imagens do Observatório Rubin seriam prejudicadas pela constelação Starlink.

Para solucionar este grave problema, o coordenador do Observatório Rubin e sua equipe têm mantido contatos semanais com engenheiros da Starlink. As soluções propostas até aqui incluem aumentar a altitude das órbitas dos satélites e escurecê-los, diminuindo seus reflexos por um fator de 15 vezes. Elon Musk declarou estar completamente comprometido com a solução do problema e promete lançar os próximos satélites já dotados das medidas anti-reflexo.

O projeto Kuiper da Amazon pretende lançar 3.326 satélites (já autorizados) para ampliar a cobertura de internet, à semelhança da SpaceX. A Amazon também se comprometeu a levar em conta a refletividade de seus satélites.

E esse parece ser o melhor caminho – um diálogo entre a tecnologia e a ciência básica para que ambas possam progredir, sentando-se à mesa e resolvendo pontualmente seus conflitos. Acredito que a criação de um órgão regulatório internacional, seria um foro ideal para a solução de conflitos.

Referências:

1 https://www.starlink.com/

2 https://olhardigital.com.br/ciencia-e-espaco/noticia/saiba-tudo-sobre-o-projeto-starlink/101788

3 https://www.sciencemag.org/news/2020/02/tens-thousands-communications-satellites-could-spoil-view-giant-sky-telescope

Rastros deixados pelos satélites da Starlink em fotografias de
longa exposição

Crédito: Observatory images. VICTORIA GIRGIS/LOWELL OBSERVATORY

(Prof. Roberto Onody)

Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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