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13 de novembro de 2020

Reunião plenária da Pontifícia Academia das Ciências do Vaticano

Plataforma virtual da reunião plenária da Pontifícia Academia das Ciências

Outubro, 2020

Por: Pablo Aurelio Gómez García

A sessão plenária anual da Pontifícia Academia das Ciências do Vaticano (PAS) ocorreu nos passados dias 7, 8 e 9 de outubro e, pela primeira vez na sua história, de forma virtual —devido às restrições impostas pela pandemia do coronavírus— longe, portanto, quer da Capela Sistina, ou dos solenes jardins do Vaticano.

Cerca de sessenta pessoas participaram, incluindo acadêmicos e palestrantes convidados. Alguns minutos antes de que o presidente da PAS, o economista Joachim von Braun, abrisse oficialmente o evento, os membros da Academia se cumprimentaram através das câmeras e dos microfones. Atrás deles, os cômodos típicos da agremiação: amplitude e tetos altos, móveis de madeira, livros empilhados em mesas ou estantes e uma variedade de objetos singulares, colheita das suas viagens pelo mundo. A cena surpreende pela ternura: os cientistas mais renomados do nosso tempo, dispostos na tela como um conclave de sábios, estavam realmente felizes por se encontrarem mais um ano. Então alguém disse: “Not too many women…”, um desequilíbrio que já pauta a agenda das principais instituições científicas, assim como da Igreja Católica. Em seguida, conversaram informalmente sobre o Prêmio Nobel, concedido uns dias atrás, e concordaram em que o veredito fora justo.

O encontro intitulou-se: “Um olhar sobre o SARS-CoV-2 e as relações entre os riscos em grande escala à vida neste planeta e as oportunidades da ciência para lidar com eles”. A leitura da carta papal deu início ao evento. Nela, o Papa Francisco defendeu as principais teses da bioética, advogando pelo cuidado do planeta e dos mais desfavorecidos em ações coordenadas que transcendam as fronteiras. Ele depositou suas esperanças nos cientistas para resolver os problemas causados ​​pela pandemia do coronavirus e prevenir à humanidade dos problemas que virão. Nessa mesma linha, Tedros Adhanom, diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), fez uma breve declaração em que argumentou que os problemas globais exigem soluções globais. “As vacinas da COVID-19, quando estiverem prontas, devem chegar a todos”, disse. As discussões que aconteceriam ao longo daquele dia e dos seguintes mostraram que, dada a atual ordem do mundo, tão desigual e delimitada por interesses discrepantes, nem sempre é fácil colocar em prática essas ideias.

Participação do Prof. Ara Darzi discorrendo sobre políticas de saúde pública

Nas palestras, foram apresentados resultados de ciência básica (objetivos terapêuticos e mecanismos moleculares da infecção) e ciência aplicada (desenvolvimento de vacinas, terapias e métodos diagnósticos). Percebe-se que o evento é importante, os acadêmicos são pessoas exigentes e de uma extrema competência, mas parece que nas reuniões da PAS não há lugar para hostilidades: o ambiente é familiar. O físico brasileiro Vanderlei Bagnato, que participou do encontro como membro do conselho da PAS, apresentou diversas aplicações da terapia fotodinâmica desenvolvidas no Grupo de Óptica do Instituto de Física de São Carlos (IFSC, USP) que, por sua alta relação “eficácia-custo”, têm capacidade para atender uma grande parte da população. Os acadêmicos se mostraram orgulhosos dos avanços atingidos pela ciência nos últimos meses. Concordaram em que nunca se tinha visto tamanha velocidade na produção e divulgação de resultados científicos rigorosos. Eles também discutiram possíveis estratégias para a implementação desses desenvolvimentos nos sistemas de saúde pública dos diferentes países. Em particular, o médico e professor do Imperial College de Londres, Ara Darzi, forneceu uma ampla gama de dados e argumentos, tanto clínicos como econômicos, a favor da medicina preventiva. “É necessária uma mudança de paradigma nos sistemas públicos de saúde; investir na prevenção é a coisa mais rentável e eficiente a fazer”, disse. Depois justificou que a saúde pública deveria ser elevada ao grau de questão de “segurança nacional” e advogou por uma lei que obrigue às empresas farmacêuticas e de biotecnologia a compartilhar dados relevantes com as instituições públicas.

Os acadêmicos consideram que boa parte do destino do ser humano está nas mãos da ciência e se sentem chamados e capazes de dar respostas. O neurocientista alemão Wolf Singer o expressou numa frase: “nós, cientistas, devemos cuidar da sustentabilidade do mundo”. Por isso o tom geral da reunião foi de responsabilidade face à “gravidade dos acontecimentos”, mas não de renúncia ou derrota. A pandemia era vista como o último desafio a superar: uma oportunidade para aprender e inovar. Em suas análises, que foram além das causas e consequências imediatas da pandemia, os acadêmicos procuravam responder à pergunta: o que nos faltou para dar uma resposta melhor a esta crise? E houve um grande consenso: a ciência funciona, mas para levar adiante uma luta eficaz contra o coronavírus e outros riscos futuros, existem certos elementos indispensáveis. Para isso, a nossa sociedade precisa de: cooperação internacional, educação de qualidade em todos os países, transparência, sistemas de saúde fortes e globais, desenvolvimento econômico sustentável, igualdade e estabilidade social, aumento do investimento em pesquisa e decisões políticas baseadas no conhecimento científico. Também houve um grande consenso de que é fundamental reconquistar a confiança da população nas instituições. Mas como evitar que essas grandes mensagens soem como slogans vazios? Como recarregá-los com conteúdo?

Participação do Prof. Vanderlei Bagnato apresentando o desenvolvimento de métodos terapêuticos

O matemático David Spiegelhalter reconheceu que a ciência não é infalível e que depende primeiro das interpretações: “(…) os dados não falam por eles mesmos”, e das implementações práticas depois. “A responsabilidade dos cientistas é, em última instância, ser claros na apresentação dos resultados e reconhecer as incertezas”, disse ele, ciente da problemática de participar na vida pública de maneira “objetiva”. Sob esse tipo de questões, implicitamente, se coloca a pergunta: é possível, por meio do conhecimento científico, distinguir de forma clara e “neutra” entre o bem e o mal? A moral não é, em última análise, arbitrária? A experiência mostra que, apesar de ter —como os acadêmicos e a comunidade científica em geral têm— bem definido que os objetivos principais são a sobrevivência e o progresso da humanidade, os dilemas surgem constantemente. Durante a plenária da PAS, foram discutidos dois temas de relevância que ilustram essas dificuldades.

O primeiro foi levantado pela geofísica Marcia McNutt, diretora da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos (NAS), quando apresentou seu projeto de colaboração com os principais buscadores da internet (Google, Bing, etc). O objetivo é combater os perigos representados por informações “falsas” que circulam na Internet. Assim, por meio do programa “Based on Science” esses buscadores privilegiam conteúdos baseados em evidências científicas acima de outros. O médico hondurenho Salvador Moncada apontou a controvérsia: “(…) esse tipo de manobra poderia limitar a liberdade dos cidadãos”. Foram muitos os que participaram no debate, que finalmente ficou em aberto.

O segundo foi proposto pelo físico norte-americano William Phillips: “(…) seria correto fazer estudos clínicos de vacinas em que os voluntários são expostos intencionalmente ao vírus ativo?” Com esse tipo de ensaio, a eficácia seria avaliada mais rapidamente, mas a saúde dos participantes seria colocada em risco. Diante dessa questão tão atual, defendeu-se, por um lado, a seguinte posição: desde que a participação seja voluntária e que o benefício coletivo ultrapasse o prejuízo individual, seria eticamente correto. Em uma posição contrária, o cirurgião e professor de Harvard Francis Delmonico declarou-se a favor da preservação da integridade pessoal acima de tudo: “(…) sem um tratamento disponível, estes tipos de estudos clínicos são inaceitáveis”, afirmou. O debate também ficou em aberto.

A plenária estava quase no fim e uma pergunta ainda pairava no ar; é a mesma que todo o mundo se faz: quando teremos a vacina do coronavírus? Ou colocada de outra maneira: quando poderemos retomar nossas vidas “normais”? O geneticista Francis Collins, atual diretor dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH), declarou-se relativamente otimista, mas cauteloso: “(…) ainda temos de esperar para dar uma resposta; talvez nos primeiros meses de 2021 possamos começar a vacinar: os profissionais de saúde e as pessoas de risco terão prioridade”, afirmou, mas deixando a porta aberta para complicações e atrasos inesperados.

Em seu discurso final, Monsenhor Marcelo Sánchez Sorondo, chanceler da PAS, assinalou o caminho do concílio entre a verdade revelada e a verdade obtida pela razão: “(…) este vírus é mais um exemplo de nossa limitada compreensão do mundo”, disse. “Para um entendimento completo, o conhecimento científico deve ser enriquecido pela fé”, e convidou aos acadêmicos, e ao resto dos cristãos, à reza. As propostas deste caráter tendem a chiar nos ouvidos das pessoas modernas, mas não deveriam ser descartadas tão levianamente, já que apontam para o centro da epistemologia; para os fundamentos do eterno problema do “o que eu posso conhecer?” Uma questão que os pensadores de referência da nossa civilização, desde a antiga Grécia até os tempos atuais, têm tratado infatigavelmente de resolver. De maneira que, seja por meio da cultura ou de outras fontes ainda mais difusas, o problema do conhecimento vive dentro de nós, embora não o percebamos. Por último, Joachim von Braun propôs uma série de pontos para a redação do relatório oficial da reunião, coletou as reflexões de alguns participantes e encerrou o evento. Os acadêmicos, sorridentes, despediram-se dizendo “bye bye; good bye” e balançando as mãos no ar. Para alguns, era hora de ir para a cama, para outros, de continuar com o trabalho. Estavam muito contentes por terem se encontrado.

Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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