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20 de março de 2023

Quando jovens pesquisadores do IFSC/USP decidem ser professores universitários

Na Califórnia

Do Grupo de Nanomedicina e Nanotoxicologia para a sala de aula

Numa série de entrevistas dividida em três partes, iremos aqui relatar as experiências e a vida acadêmica de três jovens pesquisadores pertencentes ao Grupo de Nanomedicina e Nanotoxicologia (GNano) do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP).

Para todos eles, foram anos de estudos, pesquisas nas mais diversas frentes, sendo que, em determinado momento, trocaram os laboratórios pelas salas de aulas na universidade. São três histórias que se cruzam, mas cujo final é similar, embora com características diferentes.

Hoje, iremos abordar o percurso de Leonardo Miziara Barboza Ferreira (36), um jovem pesquisador – agora professor – que confessa ter sido, desde o ensino fundamental, muito curioso por tudo o que se passava à sua volta e que o motivou a buscar respostas científicas em relação ao mundo que o rodeava. Contudo, foi no ensino médio que ele desenvolveu um interesse especial por química e biologia e a partir daí decidiu que, quando chegasse o momento, iria prestar provas para o curso de  Farmácia. Entretanto, acabou por não concretizar seus objetivos por dois motivos.

Indústria ou Academia/Pesquisa?

“O primeiro curso que prestei foi medicina (2003-2004), até por questões ligadas à família, para continuar um percurso profissional familiar. Prestei prova, mas não passei (adorei esse fato!) e aí comecei a fazer um curso de Fisioterapia que durou apenas um semestre na Universidade de Uberaba. Era um curso muito parecido com o de medicina: era legal? Era!… Mas também era algo que não me atraía fazer para o resto da vida”, recorda Leonardo, que no fundo sentia falta de se dedicar na área de exatas. Foi aí que em 2006 o nosso entrevistado finalmente prestou provas para o curso de Farmácia, fato que, segundo ele, conseguia equilibrar os seus velhos interesses por biologia e ciências exatas.

“Fiz o curso com duas iniciações científicas na área de química analítica e, no final fiz o tão aguardado e temido estágio obrigatório, onde me foi dada a hipótese de escolher dois caminhos: indústria ou Academia/Pesquisa. Meu estágio final foi no Instituto de Química da UNESP de Araraquara (2016) ao longo de cerca de seis meses, e assim que finalizei o estágio prestei provas para o mestrado em três universidades – UNESP, USP e UNICAMP, igualmente em química. Passei nas três universidades, mas optei por ficar em Araraquara, na UNESP, já que morava lá e gostava muito do grupo. Fiz dois anos de mestrado trabalhando em análise térmica, embora tenha trabalhado também no desenvolvimento de novos materiais, com cristais líquidos como potenciais carreadores de fármacos para “drug-delivery”, que era algo que tinha a ver com a minha formação inicial em Farmácia”, pontua o pesquisador.

Silicon Valley

No final de seu mestrado, Leonardo tinha a absoluta convicção de que seu próximo caminho seria a carreira acadêmica, rumo a prestar algum concurso para trabalhar com pesquisa. Mas não o fez… “Optei por não fazer doutorado na área de química porque os editais são muito limitantes, obrigando você a ter a mesma titulação de doutorado que a sua área de formação inicial. Por isso fui buscar um doutorado na área de Ciências Farmacêuticas, na UNESP de Araraquara, cujo foco era o desenvolvimento de sistemas de liberação de fármacos e nanotecnologia. O meu trabalho específico foi o desenvolvimento de formulações para biofármacos – anticorpos monoclonais. Nessa época (2012)  comecei a desenvolver, simultaneamente, alguns trabalhos na área de química supramolecular como reforço para a área de sistemas de liberação de fármacos. Esta construção de uma visão mais “físico-química” para o planejamento e desenvolvimento de medicamentos é algo que permite não apenas a compreensão da tecnologia em si, mas também os seus efeitos biológicos. Durante o doutorado viajei para os EUA onde passei cerca de um ano trabalhando em um centro de especialidade em tumores cerebrais, infraestrutura que pertence ainda hoje à Universidade da Califórnia – São Francisco”, recorda o pesquisador.

Deslumbrado com inovação e empreendedorismo

Um sorriso de esperança rumo a um novo horizonte

Leonardo Ferreira confessa que essa experiência no exterior foi muito importante, não só pelos trabalhos que desenvolveu nos laboratórios da Universidade da Califórnia, mas também pelo local e pela região, que são imensamente ricos em termos de inovação e empreendedorismo, onde se incentivam as relações entre universidade e empresas, comprovando a fama que tem “Silicon Valley”. “Retornei ao Brasil para defender meu doutorado (2016) e através de uma bolsa oferecida por uma indústria farmacêutica consegui desenvolver alguns trabalhos ao longo de três meses. Foi um período que eu queria ficar um pouco longe da Academia e concentrar o foco nos trabalhos para a indústria, devido à visão que eu tinha trazido dos EUA”. O jovem pesquisador começou a enviar currículos para várias indústrias e acabou sendo chamado por uma grande indústria farmacêutica nacional, tendo sido contratado como pesquisador pré-clínico, onde passou a desenvolver estudos para avaliação biológica de medicamentos, o que lhe facultou uma série de contatos com professores universitários dentro dessa área de conhecimento. Assim, mesmo estando dentro da indústria, o seu trabalho tinha muita relação com a Academia.

“O que eu vivi na indústria me fez ver o quanto é discrepante o ensino que nos é dado no curso de Ciências Farmacêuticas, já que a realidade da indústria e a velocidade que ela imprime para o desenvolvimento de medicamentos é vertiginosa e de fato há um gap muito grande entre a Academia e a indústria. Na indústria, eu tinha que gerenciar múltiplos projetos, algo que é bem diferente na Academia, onde eu estava responsável unicamente pela minha tese de doutorado. Necessitei entender o que eu próprio estava fazendo na indústria e assim decidi fazer uma especialização em gestão de projetos, algo que realizei na ESALQ (2018), através de um MBA, simultaneamente com o início do meu pós-doutorado e de mais um MBA em gestão de pessoas, até porque senti que necessitava disso também. Em resumo, estes dois cursos me deram as bases para lidar com ambientes multiprojetos e integração de times transdiciplinares”, pondera nosso entrevistado.

Contratado como Professor

O primeiro pós-doutorado de Leonardo Ferreira foi feito em 2019, no Grupo de Nanomedicina e Nanotoxicologia (GNano) do IFSC/USP, com o Prof. Valtencir Zucolotto, tendo trabalhado, em um primeiro momento, com membranas do endotélio vascular que se relacionavam com processos patológicos característicos de doenças inflamatórias intestinais, até que, de repente, surgiu a pandemia em 2020. Foi a partir daí que iniciou o seu segundo pós-doutorado, exclusivamente dedicado ao desenvolvimento de nanopartículas para liberação pulmonar de fármacos anti-SARS-COV2, sendo esse o projeto que ainda continua trabalhando e cuja conclusão será no próximo mês de abril.

“Entretanto, neste período prestei dois concursos para professor: um na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, e outro na UNESP de Araraquara, na Faculdade de Farmácia, Disciplina de Análise e Controle de Medicamentos, onde fui admitido. Assim, no próximo mês de abril finalizarei meu pós-doutorado no GNano, que me deixa enormes saudades, para assumir o cargo de professor. A vivência no grupo liderado pelo professor Valtencir Zucolotto me permitiu compreender que pesquisas fundamentais e aplicadas podem de fato estar integradas dentro de um grupo de pesquisa. Aliás, esta integração é salutar, uma vez que muitas invenções podem surgir a partir da fronteira do conhecimento. A experiência que adquiri na indústria foi fundamental para todo o meu aprendizado e para a tomada de decisões de carreira, especialmente sobre questões que envolvem “gestão”. Quanto a ser professor, tenho muitas expectativas em poder repassar as experiências da Academia e da indústria para uma melhor formação de meus alunos, para que eles consigam enxergar as oportunidades que existem nesta interface Universidade-indústria, o que se revela um verdadeiro desafio. Meu foco estará na formação de pessoal altamente qualificado e capaz de usar a força criativa juntamente com o pensamento crítico e racional para resolverem problemas. E o caminho, esse vasto caminho está aberto para o futuro deles e é nossa obrigação mostrar esses cenários”, sublinha o Prof. Leonardo.

Para o nosso entrevistado, não é fácil e não será fácil num futuro próximo responder às demandas pontuadas tanto pela Academia como pela indústria, até porque esse diálogo, essa interação precisam ser constantemente trabalhados. “O que se passou na pandemia é algo que fica como exemplo. Precisávamos de um produto com urgência, com emergência mundial, uma tecnologia que combatesse o vírus e a doença, só que a pergunta era: como desenvolver uma tecnologia sem conhecimento científico apropriado para essa emergência? E esse foi um momento em que a Academia e a indústria se uniram com uma única voz e com a mesma velocidade de resposta. Acho que a partir desse exemplo o diálogo entre ambas as partes poderá ser eficaz em muitas situações que se venham a colocar.

Rui Sintra – Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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