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3 de maio de 2017

Em destaque a proposta de experimento de docente do IFSC

Até as primeiras décadas do século XX, o conceito de vácuo era o de uma região completamente vazia, sem partículas de matéria ou luz e desprovida de qualquer estrutura. Apenas com o advento da física ou mecânica quântica, e sua posterior conciliação com a relatividade restrita de Einstein — nas chamadas teorias quânticas de campos —, que o conceito de vácuo passou a ser entendido como um “mar” de partículas virtuais, que surgem e desaparecem tão rapidamente que são impossíveis de serem detectadas diretamente e mesmo de serem removidas de uma dada região. Mas ainda assim, considerando apenas as partículas ditas reais (aquelas que podem ser detectadas diretamente), o “vácuo quântico” continua sendo vazio com relação a estas partículas.

Mas o conceito de partículas passaria ainda por “revisões”. Uma delas refere-se à observação da quantidade de partículas em uma região qualquer, que, diferente do espaço e do tempo, não dependeria de um observador. “Desde a relatividade, sabia-se que algumas coisas dependem do observador, como a percepção do tempo e do espaço. Para partículas, no entanto, essa ‘máxima’ não valia. Ou seja, achava-se que a quantidade de partículas em uma região seria a mesma para qualquer um que a ‘observasse'”, explica Daniel Augusto Turolla Vanzella, docente do Grupo de Física Teórica do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP).

Vanzella-_efeito_UnruhPorém, na década de 1970, trabalhos do matemático estadunidense, Stephen Fulling, e do físico australiano, Paul Davies, davam indícios de que a quantidade de partículas dependia, também, do observador. “Com a junção da mecânica quântica com a relatividade especial, viu-se que as partículas não são os elementos fundamentais da natureza, mas sim os campos [sendo o eletromagnético apenas um exemplo], cujas excitações são encaradas como as partículas. Com isso em mente, não é de se estranhar que a quantidade de partículas pode, sim, ser relativa, e que isso depende do movimento do observador”, explica Vanzella.

A relatividade da quantidade de partículas no vácuo foi finalmente elucidada por William Unruh, físico canadense, e recebeu o nome de efeito Unruh. Embora o vácuo seja desprovido de qualquer partícula real de acordo com qualquer observador inercial (ou seja, sem aceleração), observadores acelerados atribuem, a esse mesmo vácuo, um “banho térmico” de partículas reais. “Por ser muito ‘extravagante’ para nossa intuição de física clássica, muitos ainda acreditam que essa é uma ideia absurda. Mesmo agora, 40 anos depois de sua proposta, o efeito Unruh ainda sofre críticas, e muitos físicos não acreditam em sua realidade”, afirma o docente.

A partir de então, alguns experimentos começaram a ser propostos para comprovar ou refutar a proposta de Unruh. Mas a maneira através da qual essa comprovação pode ser feita é extremamente complexa.

A ideia é colocar um observador no vácuo com uma aceleração da ordem de 10^20m/s² ou mais, façanha impossível de se conseguir com objetos macroscópicos, que jamais suportariam tal aceleração. “Se fosse possível colocar um termômetro no vácuo e acelerá-lo nessa intensidade, o aumento da temperatura seria justamente a comprovação de que a quantidade de partículas no vácuo depende do observador. Ele começaria a marcar 1 K”, explica Vanzella.

Como até o momento é impossível acelerar um objeto macroscópico de tal forma, um “plano B” foi proposto: colocar partículas microscópicas no vácuo, utilizando-as como se fossem um termômetro. A ideia, que se insere como parte do trabalho de doutorado de Gabriel Cozzella (IFT-UNESP), foi bem vista pela revista Physical Review Letters e a proposta resultou em um artigo na revista, de coautoria do próprio Vanzella, e com colaboração dos pesquisadores George Matsas (IFT-UNESP) e André Landulfo (UFABC). “Propusemos um experimento que é factível com a tecnologia atual: inserir um feixe de elétron numa região com campos elétrico e magnético em paralelo. Calculamos a radiação eletromagnética que os elétrons emitem. Se no referencial acelerado, no qual os elétrons executam apenas movimento circular, essas partículas do efeito Unruh não existirem, a emissão de radiação para nós, no laboratório, será de uma maneira. Se no referencial acelerado houver essas partículas, observaremos uma radiação diferente”, elucida Vanzella. “A vantagem dessa proposta em relação às já feitas é que pode ser feita com tecnologia atual, já existente”.

Feita a proposta, que inclusive foi destacada pela notória revista Science, Vanzella acredita que alguns grupos experimentais estejam dispostos a realizar o experimento. “Além de propor este experimento, já fizemos o cálculo da radiação utilizando o eletromagnetismo clássico de Maxwell para prever a radiação que vai ser emitida pelo feixe de elétrons do ponto de vista do laboratório. Quando calculamos qual deve ser a radiação, mostramos que esses resultados estão de acordo com aqueles previstos se o efeito Unruh estiver correto. Sendo assim, a menos que alguém esteja disposto a desafiar o eletromagnetismo de Maxwell, nosso artigo pode ser encarado como uma observação virtual do efeito Unruh”.

Vanzella-_efeito_Unruh-1A comprovação do efeito Unruh pelo experimento viria ressaltar algo que já deveria ter sido aprendido há décadas: que partículas não são fundamentais. Embora isso seja uma consequência direta das mais bem testadas teorias — pois o formalismo usado é o mesmo sobre o qual é construído o chamado Modelo Padrão das Partículas Elementares —, Vanzella conta que o recorrente esquecimento desse ensinamento por vezes leva a direções duvidosas na busca pelo entendimento da Natureza em seu nível mais fundamental. “Na maioria das situações, as partículas podem ser consideradas fundamentais, mas não são, de fato. O experimento que propomos não comprova nada novo, em princípio, mas pode evidenciar importantes conceitos. Estamos através deste e de outros experimentos tentando entender melhor como a natureza e seus elementos funcionam. É mais um ‘tijolo’ que estamos ‘assentando’ e que poderá nos auxiliar nesse entendimento”, finaliza o docente.

Imagens: 1- Arranjo experimental proposto por Vanzella e colaboradores; 2- Gráfico com previsão teórica do que deve ser medido para verificação do efeito Unruh

Assessoria de Comunicação- IFSC/USP

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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