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22 de fevereiro de 2016

Por que a detecção das ondas gravitacionais é um marco?

No final do ano passado, um importante acontecimento, especialmente para o mundo da física, ocorreu: foram finalmente detectadas as ondas gravitacionais, fenômeno previsto pelo físico alemão Albert Einstein há cem anos, quando ele formulou a notória Teoria da Relatividade Geral*.

Acreditando que Albert Einstein estava (como de costume) correto em relação à existência de ondas gravitacionais, diversos pesquisadores do LIGO e do VIRGO**, em um projeto que teve início em 1992, resolveram investir pesado (financeira e intelectualmente) no aperfeiçoamento de uma técnica capaz de detectar tais ondas***.

Vinte e quatro anos depois,  no dia 14 de setembro de 2015, a equipe dos dois observatórios conseguiu efetuar a primeira detecção direta de ondas gravitacionais, produzidas por consequência da fusão de dois buracos negros que possuem massas 30 vezes maior do que a do Sol. “O espaço-tempo, portanto, na presença dessas enormes massas, foi perturbado e, por isso, as ondas gravitacionais foram produzidas e se propagaram no universo por mais de um bilhão de anos até chegar à Terra“, explica Manuela Vecchi, docente do Grupo de Física Computacional e Instrumentação Aplicada do Instituto de Física de São Carlos (FCIA-IFSC/USP). “A fusão dos buracos negros deu origem a um terceiro com massa muito mais elevada: 62 vezes a do Sol”.

Manuela-_box_1Para que fique mais fácil entender, basta imaginar que o espaço-tempo seja o tecido que forma o universo. Um objeto leve não será capaz de afundar o tecido, enquanto um objeto pesado não só o afunda, como também o deforma. Quanto mais pesado for o objeto sobre o tecido do universo, maior será a deformação que ele gerará nesse tecido, sendo que, quanto maior for a deformação, mais facilmente ela poderá ser visualizada.

Mas, mesmo que produzida por pesadíssimos buracos negros, as ondas gravitacionais, originadas no universo, só poderiam ser medidas na Terra, há milhões de anos-luz de distância, por uma técnica de enorme precisão, capaz de “discriminar” ondas gravitacionais de outros tipos de ondas mecânicas geradas por ruídos ou vibrações cotidianas, como aquelas causadas por um caminhão andando numa rodovia, por exemplo. 

Para se fazer a medição das ondas gravitacionais, foram construídos dois interferômetros  a 3 mil quilômetros de distancia um do outro, nos Estados Unidos (um no estado de Washington e outro no estado da Louisiana). Em cada observatório, o interferômetro LIGO usa laser para dividir a luz em dois feixes que viajam a longo dos braços de 4 km de extensão. Os feixes são utilizados para monitorar a distância entre espelhos precisamente posicionadas nas extremidades dos braços. De acordo com a teoria de Einstein, a distância entre os espelhos irá alterar por uma quantidade ínfima quando uma onda gravitacional passa pelo detector. Uma alteração no comprimento dos braços mais pequenos do que um décimo de milésimo o diâmetro de um próton pode ser detectada.

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Observatório LIGO de Washington- EUA. (crédito: www.ligo.org)

 

Como a equipe do LIGO trabalha com essa técnica há quase 30 anos, a precisão na identificação dessa perturbação é muito grande. “Eles têm a capacidade de observar uma deformação do espaço-tempo da ordem de uma pequena fração do diâmetro de um próton”, elucida Manuela. “Essa precisão é essencial, pois o sinal da onda gravitacional, até chegar à Terra, é muito fraco”.

Esse acontecimento afetará nossas vidas?

Mesmo que não afete nossa vida direta e imediatamente, a detecção das ondas graviationais é um evento de grande importância, principalmente por três motivos. 

Primeiramente, a detecção das ondas gravitacionais confirma mais uma vez a Teoria da Relatividade Geral de Einstein. “Uma hipótese formulada há um século foi confirmada, e isso é um fato muito importante, pois esse era o ‘pedaço’ que faltava para validar a Teoria da Relatividade Geral”, afirma Manuela.

Em segundo lugar, com a descoberta de ondas gravitacionais, baseadas em apenas 16 dias de coleta de dados (ou seja, uma pequena quantidade de dados), uma nova Era de pesquisas é inaugurada para se fazer astronomia, já que o aperfeiçoamento da técnica de interferometria a laser permitirá que o universo seja estudado de uma maneira diferente.

 Como já foi dito anteriormente, o evento só pôde ser detectado devido à fusão de dois buracos negros com massa 30 vezes maior do que a do Sol. Portanto, indiretamente, buracos negros também foram observados, e esse também é um feito inédito. “Buracos negros não podem ser verificados através da observação astronomica tradicional, justamente porque eles não emitem luz. Estamos, portanto, diante da estreia de uma nova técnica de detecção, que permitirá estudar tanto buracos negros quanto outros objetos que conhecemos pouco. Talvez até seja possível descobrir outros objetos, até agora desconhecidos”, diz Manuela.  

Finalmente, vale a pena destacar a importância do experimento LIGO, primeiramente pelo enorme esforço e tempo dedicados por parte dos pesquisadores envolvidos. Foi quase três décadas em busca do aperfeiçoamento da técnica capaz de medir uma onda gravitacional. ”Quando concluí meu doutorado, em 2010, a possibilidade de detectar ondas gravitacionais não parecia tão próxima, pois os detectores da época não tinham ainda a sensibilidade necessária. Ondas gravitacionais são realmente muito difíceis de detectar. Foi um experimento muito demorado, mas, no final, eles conseguiram, e isso é algo muito marcante e importante na história da física”, opina Manuela.

Assim como diversas coisas de nosso dia a dia só são possíveis graças ao avanço da tecnologia, para o caso em questão isso também se aplica. Fica claro, no entanto, que determinação e disposição ainda são os elementos chave para viabilizar novos produtos e novas técnicas de estudos. E, claro, por trás disso tudo, uma mente genial, como a de Einstein, que traga novas hipóteses, desafios e motivação aos entusiasmados pesquisadores.

*A Teoria afirma que, na presença de um corpo de massa muito grande (massas infinitamente grandes, comparadas às massas de seres humanos, como a de uma estrela), o espaço-tempo é deformado por efeito do campo gravitacional criado pela massa. A deformação do espaço tempo cria ondas, semelhantes aquelas que aparecem na superficie de um lago quando se joga uma pedra, e se propagam na velocidade da luz.

**Laser Interferometer Gravitational – Wave Observatory, localizado nos EUA; Observatório localizado em Pisa (Itália)

***A existência de ondas gravitacionais ja’ tinha sido demonstrada na década de 1970 e 1980 por Joseph Taylor, Jr., e seus colegas. Taylor e Russell Hulse, que foram agraciados com o Prêmio Nobel de Física em 1993. Graças ao VIRGO-LIGO, nos temos agora a primeira evidencia direta do fenomeno

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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