Notícias

05 de maio de 2020

IFSC/USP: Ajudando a entender estruturas como as do COVID-19

Em artigo publicado no dia 9 do corrente mês, na prestigiada revista científica Science, intitulado Emergence of Complexity in Hierarchically Organized Chiral Particles, um grupo de cientistas internacionais – entre os quais brasileiros – conseguiu resultados importantes para o entendimento de partículas que apresentam estruturas complexas muito semelhantes às que existem em diversos seres vivos na natureza, incluindo vírus como o Sars-Cov-2 (covid-19).

O Prof. Sérgio Ricardo Muniz, pesquisador do IFSC/USP, faz parte dessa equipe, sendo um dos autores do artigo, e contribuiu com o entendimento da interação da luz com essas estruturas, que revela informações importantes a respeito desses sistemas.

Objetivos e particularidades da pesquisa

O objetivo da pesquisa, de um modo geral, está ligado ao entendimento dos mecanismos físico-químicos que levam ao surgimento de estruturas complexas observadas na natureza, especialmente no contexto de sistemas complexos auto-organizados. Isto é, estruturas que “se montam sozinhas” a partir de blocos fundamentais, seguindo leis físicas que regem as interações moleculares. Quanto à importância deste trabalho, Sérgio Muniz destaca que um dos grandes avanços apresentados neste estudo, e uma das razões pelo que mereceu tanto destaque internacional “(…) é que ele mostra como realizar e entender  – do ponto de vista fundamental – a formação de estruturas sintetizadas em laboratório, com grau de complexidade comparável – ou até maior – que as produzidas por sistemas biológicos, na natureza(…)”, destacando que isso não era conhecido antes. O estudo fornece princípios físicos e estratégias que podem ser usados para contornar dificuldades práticas para produzir estruturas com esse grau de complexidade, no laboratório, a partir de moléculas simples.

Os pesquisadores demonstraram um sistema físico-químico concreto e acessível, como modelo experimental para explorar as diversas variáveis envolvidas no problema geral, que é bastante complexo. O estudo concentrou-se nesse sistema modelo, baseado em estruturas de Au-Cys (átomos de ouro com o aminoácido cisteína), e apresenta uma gama impressionante de estudos experimentais, usando uma variedade de técnicas bastante avançadas e modernas, para atacar o problema.

“Esses resultados experimentais são comparados e corroborados por modelos e cálculos computacionais, com parâmetros realísticos, do sistema molecular proposto. O mais importante, porém, é que apesar da complexidade e número de variáveis do problema, o estudo consegue concluir e apontar os princípios físicos gerais que servem de guia para entender o processo e abrir caminhos para novas técnicas de síntese de sistemas complexos (com várias aplicações práticas). Esses mesmos princípios físico-químicos guiam a produção de estruturas complexas em sistema biológicos naturais, abrindo também possibilidades de aplicações nessa área, no futuro”, salienta Sérgio Muniz.

A contribuição do IFSC/USP

A contribuição do Prof. Sergio Muniz nesta pesquisa iniciou-se em junho de 2019, quando o Prof. André Farias de Moura, do Departamento de Química da UFSCar, o procurou para fazer um experimento de aprisionamento óptico  com essas micropartículas especiais, de Au-L-Cys e Au-D-Cys, que têm propriedades quirais e uma estrutura de aparência “espinhosa” (parecida com um ouriço-do-mar), conforme explica o pesquisador do IFSC/USP. “Essas micropartículas são produzidas artificialmente, através de um processo espontâneo de “auto-organização” e “automontagem” (‘self-assembly’), desenvolvido pelo grupo da Universidade de Michigan (UM), e têm algumas propriedades físicas e físico-químicas incomuns para partículas desse tipo, chamadas de coloides. Além dessas propriedades, elas têm uma forma estrutural bastante complexa, comparável à de sistemas biológicos, ou em processos físico-químicos produzidos por organismos vivos. Estruturas microscópicas desse tipo têm sido notoriamente difíceis de produzir por meio de processos artificiais. Como esse tipo de material pode ter várias aplicações práticas e tecnológicas, ele tem sido bastante estudado no últimos anos. Materiais como esses, inspirados em sistemas biológicos (bio-inspirados), também são denominados de materiais biomiméticos. O grupo do Prof. Nicholas Kotov (UM) é um dos especialistas mundiais nessa área de pesquisa, enquanto o grupo do Prof. André Moura é especialista em modelos e cálculos computacionais de propriedades físico-químicas de sistemas moleculares”, elucida Sérgio Muniz.

O desafio de aprisionar opticamente essas novas partículas despertou o interesse imediato do pesquisador do IFSC/USP, tendo em vistas que um dos focos de seu laboratório é entender processos nano-termodinâmicos (isto é, relações entre energia, calor e trabalho) em máquinas extremamente pequenas, como nanomáquinas e máquinas moleculares. Segundo Muniz, estudos recentes em sistemas quânticos têm mostrado que nanomáquinas (no contexto da física quântica) têm propriedades especiais muito interessantes, talvez com limites diferentes dos impostos às máquinas clássicas. Esse é um tema de pesquisa efervescente e extremamente relevante, pois além de oferecer um entendimento dos processos fundamentais da natureza, pode vir a ter aplicações tecnológicas importantes, como, por exemplo, indicando novos caminhos para produção de novas fontes de energia, mais eficientes e sustentáveis. “De fato, esse é um dos grandes temas de pesquisa que estamos explorando em São Carlos, tanto em experimentos no meu laboratório, como em colaboração com colegas teóricos no IFSC/USP e do exterior, mas há muita pesquisa a ser feita ainda para responder essas grandes perguntas”, sublinha Sérgio.

Imagem de microscopia eletrônica da partícula sintetizada pelos pesquisadores (Crédito: Divulgação)

“Após alguns meses de trabalho, envolvendo dois estudantes de pós-graduação – a doutoranda Thalyta Tavares Martins e o mestrando Pedro Faleiros Silva, ambos do meu laboratório no IFSC/USP –, conseguimos demonstrar não só o aprisionamento óptico dessas partículas, mas também o controle do movimento e rotação dessas micropartículas, efetivamente criando micro-rotores controlados por luz. Em outras palavras, micromáquinas que podem ser controladas por certas propriedades ópticas da luz do laser de aprisionamento. Usando técnicas especiais, podemos controlar essas propriedades, com grande precisão no laboratório. Os resultados iniciais, porém, eram diferentes das previsões iniciais. Esses efeitos estão diretamente ligados à forma como essas partículas interagem com a luz. Em dezembro de 2019, numa reunião para discutir e tentar entender essas observações, percebi que havia aspectos do problema que não eram bem entendidos e que poderíamos resolver isso usando outras técnicas. Essas novas medidas combinaram espectroscopia e microscopia óptica de fluorescência, com técnicas de imagem resolvidas no tempo (com resolução temporal da ordem picosegundos) e foram importantes para entender melhor os processos internos de transferência de energia nessas estruturas” enfatiza o pesquisador, acrescentando que a análise desses dados também ajudou a entender a interrelação da estrutura nanométrica (nanoplaquetas de Au-Cys) com as estruturas supramoleculares, e, especialmente, as propriedades da luz emitida (fluorescência) por essas partículas, quando excitadas com luz ultravioleta (UV).  “Também nos indicou que deveria haver dois tipos de processos envolvidos nas propriedades de polarização da luz emitida e espalhada por essas partículas, que são importantes para aplicações práticas”.

 A estrutura do vírus da COVID-19 e o desenvolvimento de vacinas e tratamentos

O Prof. Sergio Muniz é enfático ao afirmar que a pesquisa realizada não está diretamente ligada ao desenvolvimento de vacinas ou tratamentos para o vírus COVID-19, lembrando que ela foi iniciada bem antes da pandemia. Admite, porém, que seus resultados e conclusões podem inspirar novas ideias e iniciativas envolvendo sistemas biológicos.

Por outro lado, segundo o pesquisador, os resultados estão ligados a propriedades físicas e químicas de grande interesse prático em diversas aplicações, como, por exemplo, propriedades de estabilidade física e química de coloides em soluções e aerossóis, e em processos de catálise assimétrica, para síntese química. Especialmente, para processos de síntese controlados por luz (fotocatálise). Além disso, propriedades ópticas, como polarização e emissão/absorção de luz, têm aplicações nas áreas de fotônica e optoeletrônica. “O conhecimento e compreensão dos princípios físicos e químicos que dirigem a complexidade de estruturas biológicas – desde a nano-escala , como nos vírus -, até a interação seletiva de nanopartículas ou micropartículas de interesse terapêuticos, por exemplo, em sistema de entrega dirigida de fármacos a alvos específicos dentro do organismo -, são guiados pelos mesmos princípios físico-químicos investigados neste estudo. A síntese de estruturas com simetria parecida com as do vírus COVID-19, por exemplo, ou no desenvolvimento de estruturas moleculares ,para atacar ou desativar a ação do vírus nas células”.

A infraestrutura do IFSC/USP (CEPOF)

O laboratório de pesquisa do Prof. Sergio Muniz, no IFSC/USP, é um dos mais novos laboratórios do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF), que é um dos CEPID-FAPESP. O laboratório estuda propriedades quânticas da matéria, desde a escala atômica até a escala macroscópica. Em linhas gerais, estuda Tecnologias Quânticas, tanto do ponto vista da pesquisa fundamental (básica) como aplicada, usando a Óptica como ferramenta principal. Os pesquisadores usam lasers (luz) para aprisionar e controlar átomos, moléculas e estruturas, que vão desde a escala atômica (sub nanométrica) até micropartículas, na escala de dezena de micrometros. No laboratório relacionado à pesquisa publicada na Science, utilizam-se “pinças ópticas” (tema do prêmio Nobel de Física de 2018), para aprisionar micro e nanopartículas, observadas num microscópio especial, construído no próprio laboratório. Esse é o sistema experimental que deu início à colaboração com os pesquisadores do artigo, embora não diretamente relacionado aos resultados publicados nesse primeiro artigo. “Temos outros estudos em andamento, com resultados parciais muito interessantes, ainda não publicados”, conclui Sérgio Muniz, que ainda enfatizou a importância da infraestrutura de pesquisa disponível no IFSC/USP, especialmente devido ao apoio da FAPESP nas últimas décadas, como algo fundamental para o sucesso da sua participação nesse trabalho, recentemente publicado. “Se a infraestrutura não estivesse já disponível, com a qualidade necessária, quando tivemos a ideia não teria sido possível fazer no tempo que foi feito. Isso ressalta, uma vez mais, a importância de investimentos estáveis, e de longo prazo, na pesquisa brasileira.”, alerta o pesquisador.

Além dos professores Sérgio Muniz e André Moura, o artigo tem vários autores brasileiros, alunos e ex-alunos de Moura. Nicholas Kotov (Univ. de Michigan) e Christopher Murray (Univ. da Pensilvânia) são também autores principais da pesquisa, com seus estudantes e outros pesquisadores dos EUA e da China. O financiamento do lado brasileiro da pesquisa, teve recursos da FAPESP, através de dois CEPIDs (CePOF e CDMF) e outros projetos, do CNPq e da CAPES.

Links relacionados:

DOI: 10.1126/science.aaz7949

ALTMETRIC

SCIENCE

 

Rui Sintra – Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

Imprimir artigo
Compartilhe!
Share On Facebook
Share On Twitter
Share On Google Plus
Fale conosco
Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
Obrigado pela mensagem! Assim que possível entraremos em contato..