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17 de junho de 2016

Os desafios da regulação de nanotecnologias

Em 1994, foi aprovada a comercialização do tomate FlavrSavr TM, primeiro produto transgênico a ser comercializado no mundo. Enquanto alguns comemoravam, outros olhavam a novidade com cautela, afinal, não se sabia quais os reais benefícios e, principalmente, quais os riscos que a inovação poderia oferecer às pessoas e ao meio ambiente.

De 1994 para cá, a engenharia genética e a biologia molecular deram um significativo salto, e novos processos e produtos, de igual ou maior relevância do que os alimentos transgênicos foram surgindo e ganhando a mente e o coração das pessoas. Exemplo disso são os nanomateriais, que hoje estão presentes em vários produtos que utilizamos em nosso dia a dia, marcando presença desde em band-aids e protetores solares até tintas e automóveis. E, como no caso dos transgênicos, ainda não se sabe totalmente quais os riscos que produtos feitos com base em nanotecnologia oferecem.

Para auxiliar na devida regulamentação de produtos e processos científicos que envolvem nanomateriais e, portanto, nanotecnologia, o Grupo de Nanomedicina e Nanotoxicologia do Instituto de Física de São Carlos (GNano- IFSC/USP) tem desenvolvido diversas pesquisas com foco exclusivo em nanotoxicologia, cujo objetivo principal é trazer informações a respeito do potencial de toxicidade de nanomateriais à Saúde e ao Meio Ambiente.

Nanotoxicologia na saúde

Atualmente, o GNano trabalha com duas linhas de pesquisa*, sendo que a linha em nanotoxicologia surgiu em 2010, e o primeiro artigo publicado pelo grupo em uma revista de impacto na área foi em 2012. Nessa linha, há seis pesquisas de pós-doutorado em andamento no GNano, focadas em saúde e meio ambiente (ecotoxicologia).

Zuco-Nanotoxicologia-saudeEm relação a pesquisas voltadas à saúde, a grande maioria se baseia na comparação do efeito de nanopartículas em culturas de células saudáveis e tumorais, que é justamente o alvo da pesquisa da pós-doutoranda Juliana Cancino Bernardi que, através dessas comparações, tenta compreender a eficiência dos nanomateriais no combate às células tumorais, atentando-se para esses mesmo efeitos em células saudáveis. “É preciso sempre ter em mente que um nanomaterial teranóstico eficiente é aquele capaz de matar apenas as células de câncer, sem fazer o mesmo com as células saudáveis”, exemplifica a pesquisadora.

Juliana já teve oportunidade de trabalhar com culturas de células tumorais do fígado e leucêmicas, focando sua pesquisa atual em células tumorais do rim. Além da observação dessas culturas celulares, ela também se utiliza da técnica de extração de membranas extracelulares para posterior reconstituição das mesmas na forma da camada de Langmuir, que traz um novo ângulo de análise para essas comparações. “Se existem quaisquer diferenças em termos de área molecular e pressão superficial, por exemplo, eu consigo fazer aferições a esse respeito. Faço novas comparações entre esses dois métodos [in vitro e monocamada de Langmuir], pois ambos são fundamentais para se observar interações entre as células e as nanopartículas”, explica Juliana.

Até o momento, Juliana já pôde observar que há maior interação entre certas nanopartículas e membranas cancerígenas, cenário ideal para atuação das nanopartículas. “Para um futuro próximo, trabalharemos com outras técnicas de observação, entre elas a microscopia eletrônica”, adianta.

Outra pesquisa do GNano na área da saúde humana é desenvolvida pela pós-doutoranda Iêda Maria Martinez Paino. Trabalhando com nanotoxicologia in vitro, Iêda foca seu estudo na comparação entre células saudáveis primárias e células tumorais. “Já tenho aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa para trabalhar com humanos, então extraio células do sangue de humanos saudáveis para fazer essas avaliações”, conta.

Os resultados encontrados por Iêda até o momento vão ao encontro daqueles já encontrados por Juliana: nanomateriais parecem ser muito mais sensíveis a células tumorais do que a células saudáveis, o que reforça a possibilidade de incorporação desses materiais a fármacos para terapia. “Ao se conjugar quimioterápicos convencionais a nanomateriais**, a ideia é que esses medicamentos tenham mais facilidade para se ligar a células cancerígenas, aumentando sua penetração nessas células, melhorando sua distribuição e tornando o tratamento mais eficiente, por diminuir a dose e, consequentemente, diminuir os efeitos adversos”, explica Iêda.

A esse respeito, vale a pena uma observação: normalmente, os fármacos convencionais apresentam problemas de biodistribuição e efluxo (quando a célula rejeita o medicamento). Fármacos feitos a base de nanomateriais têm uma grande chance de sanar alguns desses problemas. “Conjugar o quimioterápico com uma nanopartícula ou, pelo menos, ‘mascará-lo’ com a nanopartícula, poderá aumentar o poder de captação desse quimioterápico para dentro da célula”, ressalta Juliana***.

Nanotoxicologia no meio ambiente

Diferente do foco de pesquisas na área de saúde, a ecotoxicologia avalia os efeitos dos nanomateriais no meio ambiente e nos organismos vivos que dele fazem parte.

A pós-doutoranda do GNano Jaqueline Pérola de Souza realiza estudos que avaliam o efeito de nanomateriais em organismos aquáticos específicos: peixes, algas e zooplanctons (organismos intermediários entre algas e peixes na cadeia trófica). “Estudamos quais os efeitos tóxicos dos nanomateriais para cada um desses organismos, pois, compreendendo o impacto desses materiais em organismos mais simples, poderemos prever possíveis efeitos no organismo humano”, explica Jaqueline.

Zuco-Nanotoxicologia-ambientePara avaliar os efeitos do grafeno, um dos nanomateriais com o qual o GNano trabalha no organismo dos peixes, Jaqueline realizou um experimento que consistiu na exposição dos peixes ao nanografeno de forma aguda (4 dias) e de forma crônica (14 dias de duração). “Vimos que, durante a exposição crônica, há efeitos tóxicos sobre os peixes. O próximo passo é fazer o mesmo experimento com nanorods de ouro para, posteriormente, fazer comparações com resultados já encontrados no grafeno”, explica.

Seguindo a mesma linha de estudo de Jaqueline, a pós-doutoranda Francine Perri Venturini focaliza sua pesquisa na linha de regulamentação de nanomateriais, avaliando quais as concentrações seguras de diversos tipos de nanomateriais na biota aquática. “Embora a produção de nanomateriais já ocorra em escala industrial, não há uma faixa de concentração segura estipulada para seu despejo, e os nanomateriais podem apresentar algum tipo de prejuízo aos organismos que vivem na água”, elucida Francine.

De acordo com a pesquisadora, trabalhos dessa natureza (com foco em regulamentação) têm como base dados resultantes de exposições agudas que, por sua vez, avaliam somente a mortalidade dos organismos. “Esse tipo de avaliação é muito radical. As concentrações subletais também podem ter graves consequências ecológicas, interferindo na reprodução dos organismos, em suas buscas por abrigo, entre outros fatores”, afirma.

Já o estudo da pós-doutoranda Adrislaine da Silva Mansano Dornfeld avalia os efeitos de nanopartículas de cobre em algas, cladóceros e peixes. “O cobre é essencial aos organismos, mas em baixas concentrações. Em razão da utilização de nanopartículas de cobre em produtos de consumo, a concentração deste elemento pode aumentar no ambiente aquático”, explica.

Portanto, seu trabalho consiste em avaliar a transferência de nanopartículas de cobre em uma cadeia trófica aquática, verificando quais as consequências para cada um dos elos da cadeia. Como perspectiva futura de sua pesquisa, Adrislaine adianta que quer estudar organismos tropicais. “Mesmo que tenhamos bons resultados estudando organismos exóticos [não típicos da fauna brasileira], as condições tropicais são diferentes de países de regiões temperadas, e por isso é importante adequar as avaliações de risco das nanopartículas utilizando os organismos nativos”.

Ainda na linha de ecotoxicologia, a pós-doutoranda Helena Janke foca seus estudos em uma área recente de pesquisas do GNano, a microbiologia ambiental. Ela trabalha mais especificamente com fungos biodegradadores, isto é, fungos capazes de decompor diversos materiais, entre eles os nanomateriais. “Esse tipo de fungo pode auxiliar em processos de biorremediação, modificando o material antes e após o descarte no ambiente. Esse processo pode resultar na mineralização completa e ainda em produtos menos tóxicos a outros organismos, dependendo das condições”, explica.

Ela adverte que, antes da etapa de estudos de biodegradação, é necessário um estudo preliminar para avaliar como as partículas de nanomateriais podem afetar os microrganismos. “Precisamos avaliar o quanto as próprias nanopartículas são tóxicas aos microrganismos, observando a concentração de partículas que esses microrganismos são capazes de suportar”, complementa Helena****.

A importância dos estudos em nanotoxicologia

A inserção do GNano em pesquisas dedicadas exclusivamente ao estudo da toxicidade de nanomateriais  foi reforçada recentemente pela inserção do grupo no NaNoREG, consórcio internacional, financiado pela União Europeia, que envolve mais de 50 instituições (empresas, universidades, institutos de pesquisa, institutos de metrologia e governo) com um único objetivo: regulamentar a nanotecnologia. “A NanoREG trabalha com protocolos que objetivam regulamentar esse tipo de atividade. E quem irá utilizar esse material são as agências reguladoras “, explica Valtencir Zucolotto, docente do IFSC e coordenador do GNaNo. “Nesse caso, o conhecimento gerado não se traduz na forma de um produto, mas os resultados darão suporte para normas nos processos de regulação”.

Estudos dessa natureza são, obviamente, de interesse do cidadão comum. Primeiro, é preciso que ele tenha toda informação necessária em mãos a respeito daquilo que utiliza em seu dia a dia. “São esses estudos que estipulam limites de segurança para os produtos, pois, como toda molécula ou reagente, o nanomaterial pode ser tóxico, e o cidadão precisa saber em quais circunstâncias é possível utilizá-lo sem danos”, afirma Zucolotto.

Além disso, é importante que o cidadão tenha ciência de que há esforços direcionados para compreender essa nova tecnologia. “A informação que chega ao usuário final faz parte do processo de regulação. E a primeira coisa que precisamos para dar continuidade a essas etapas são, justamente, os testes científicos, que irão trazer respostas relativas ao uso seguro dos nanomateriais”, diz o docente.

Assim como ainda não se tem respostas conclusivas a respeito da toxicidade de alimentos transgênicos, não se sabe ainda quais os efeitos que os nanomateriais podem causar aos seres humanos e ao meio ambiente. O GNano, através de todas as pesquisas mencionadas anteriormente, busca essas respostas. E, se depender da disposição e competência de seus pesquisadores, elas devem chegar logo ao mundo científico e, consequentemente, ao cidadão comum.

Zuco-Nanotoxicologia-pos-doutorandas

Pós-doutorandas do GNaNo. Da esquerda: Juliana, Iêda, Helena, Jaqueline, Adrislaine e Francine

As pesquisas descritas nesta matéria de divulgação podem se encontrar em fase inicial de desenvolvimento. A eventualidade de suas aplicações para uso humano, animal, agrícola ou correlatos deverá ser previamente avaliada e receber aprovação oficial dos órgãos federais e estaduais competentes. As informações contidas na reportagem são de inteira responsabilidade dos pesquisadores responsáveis pelos estudos, que foram devidamente conferidas pelos mesmos, após editadas por jornalista responsável devidamente identificado, não implicando, por isso, em responsabilidade da instituição.

*No GNaNo, atualmente, existem duas linhas de pesquisa: uma voltada para o desenvolvimento de materiais para diagnóstico e terapia de doenças (nanomedicina), e outra voltada para análise da toxicidade dos materiais utilizados nessas pesquisas (nanotoxicologia)

**Tanto Juliana quanto Iêda trabalham com nanomateriais de grafeno e nanopartículas metálicas, especialmente nanorods (nanomaterial em forma de bastão) de ouro, e também com nanopartículas poliméricas

***Estudos acerca da toxicidade de nanomateriais em células também contam com o trabalho do pesquisador Willian Waissmann

****As linhas de pesquisa em Ecotoxicidade do Gnano também contaram com o apoio das ex pós-doutoras do Grupo, Patricia Mayrink e Emanuela Freitas

Assessoria de Comunicação- IFSC/USP

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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