Qualquer pessoa que faça pesquisa envolvendo o estudo de algum sistema de interesse biológico, usando ferramentas computacionais. Essa é a definição dada pelo docente do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), Leandro Martínez, ao bioinformata, profissional e pesquisador que, nos últimos anos, tem ocupado papel relevante na ciência, no Brasil e no mundo.
Falar em interesse biológico abre um grande leque: bioinformatas podem, por exemplo, trabalhar com interpretações de imagens de diagnóstico médico, ou seja, desenvolver programas que interpretem dados de ressonância magnética nuclear (RMN) ou tomografias. “Análises computacionais de experimentos como estes dependem de métodos computacionais. E quem cria estes métodos e faz essa análise é um bioinformata”, explica Leandro.
No entanto, a bioinformática é muito mais ampla e, geralmente, um programa –software– precisa ser desenvolvido. Tais programas não fazem, apenas, análise de imagens (como no exemplo citado acima), mas também análises estatísticas de dados, bem como simulações.
Por exemplo, a determinação das sequências completas de genes de organismos (inclusive do ser humano), só foi possível, graças à bioinformática. “Há softwares desenvolvidos para lidar com a vasta quantidade de informação que os experimentos de sequenciamento geram. É uma quantidade gigantesca de informação que precisa ser sistematizada e compreendida”, diz o docente.
Além disso, determinação dos genomas tem permitido o estudo direto de um dos princípios mais fundamentais da biologia, o processo de evolução, de acordo com a teoria de Darwin. Muitas pessoas que trabalham com bioinformática usam-na para compreender e caracterizar as etapas do processo evolutivo. Por exemplo, cruzar dados de épocas diferentes pode trazer conclusões interessantes. “Hoje já se conhece a sequência das letras que formam nosso gene e de várias outras espécies de animais. É possível fazer simulações ‘para trás’, e descobrir, por exemplo, há quanto tempo tínhamos um descendente comum com o camelo. Isso é interessante, pois permite a comparação com registros fósseis e geológicos. Estes dados têm confirmado, de maneira contundente, o mecanismo da evolução, e nos permite compreender como eram nossos antepassados comuns”, elucida Leandro.
Leandro, também bioinformata, trabalha com simulações, desenvolvendo e utilizando-se de softwares para entender o funcionamento de proteínas, em nível molecular. Em conjunto com pesquisadores do Grupo de Biotecnologia Molecular do IFSC, que determinam, experimentalmente, a estrutura tridimensional das proteínas (como se fosse uma foto em 3D), Leandro determina as modificações pelas quais ela passa, ao longo do tempo (como um filme). “Por exemplo, quando contraímos o músculo, ele recebe um impulso nervoso, que irá causar a contração das proteínas que o formam. O movimento destas proteínas, ou seja, o movimento molecular, determina como a proteína de fato funciona. Meu trabalho consiste em entender esses movimentos moleculares em sistemas de nosso interesse”, conta o pesquisador.
Nesse caso, para ter uma imagem “molecular” destes movimentos da proteína, ou seja, do movimento dos seus átomos, é preciso fazer simulações (obviamente, não é possível enxergar esse tipo de coisa, nem mesmo com um microscópio). Tratando-se de uma simulação, para descrever um modelo molecular ou atômico, é preciso ter os dados de velocidade e movimento dos átomos/moléculas, para “simular” sua posição ao longo do tempo. “As moléculas de gases, por exemplo, se movimentam de forma desordenada, aleatória, mas uma proteína, não. Os detalhes dos movimentos de seus átomos são determinantes para a função destas macromoléculas”, explica Leandro.
Dessa forma, o docente tenta descobrir como os átomos interagem, quando estão próximos uns dos outros. Podem se chocar, podem se afastar. Essa é uma parte física importante e é nisso que consiste o desenvolvimento dos modelos: identificar como os átomos interagem dentro de um sistema. “Isso é um modelo computacional/teórico do que são as interações entre átomos. A partir de um modelo das interações, podemos observar como eles se movem ao longo do tempo explicando, por exemplo, como um músculo se contrai”, conta o docente.
Uma profissão importante para o desenvolvimento científico do país
Não só no Brasil, mas no mundo, a bioinformática é carreira nova, que tem crescido muito após a automatização das técnicas de sequenciamento de DNA.
Foi apenas na a década de 90 que observou-se a possibilidade de determinar, rapidamente, sequências de DNA completas de organismos complexos, como o ser humano. Com isso, foram surgindo empresas na área, inclusive no Brasil, para explorar essa informação de forma comercial. A decodificação do DNA é muito importante nos dias de hoje, não só em relação aos seres humanos, mas para decodificar DNA de pragas agrícolas, por exemplo, encontrando maneiras de combatê-las.
Mas, tais empresas não oferecem o “serviço completo”, necessariamente. Algumas aproveitam informações geradas em pesquisas, por exemplo, da seguinte maneira: no caso agrícola, tendo-se conhecimento sobre o genoma de uma praga (informação pública). O desafio é extrair informações relevantes dos milhões de letras que formam o DNA e as ferramentas de bioinformática é que providenciarão tais informações.
Aí entram as empresas que, por sua vez, comercializam não a sequência de DNA, , mas as metodologias que permitem um acesso inteligente a elas. Ou seja: a empresa desenvolverá um software capaz de dar dicas de onde possam estar localizadas informações significativas. Sendo assim, ela venderá ou o software produzido ou dados relevantes, já identificados pelos pesquisadores da empresa. “As empresas ganham dinheiro, vendendo a metodologia de análise, e não a informação, em si”, explica Leandro.
É aí que moram as oportunidades para o bioinformata: ele será o responsável por criar metodologias e software, ou fazer a interpretação de dados fornecidos por um programa específico, desenvolvido por uma destas empresas. Os clientes? Pesquisadores, como um todo, seja de instituições privadas ou públicas. “Essas empresas contratam pesquisadores, geralmente, já com pós-graduação. Podem ser químicos, físicos, biólogos etc. Mas, o público que compra essas ferramentas ainda é predominantemente acadêmico”.
As informações são muito relevantes para as pesquisas científicas. As metodologias de análise fundamentais, diante da constatação de que diversas partes do DNA não codificam nenhuma proteína. Ou seja, encontrar partes do DNA capazes de codificar proteínas de pragas agrícolas ou causadoras de doenças (como Alzheimer ou câncer) é de importância fundamental para seu extermínio. “Não se sabe, até hoje, quantas proteínas o corpo humano possui. Isso porque muitas partes do DNA não codificam proteínas ou codificam proteínas repetidas”, exemplifica o professor.
Em resumo, a capacidade computacional e seu aproveitamento na análise e geração de todas essas informações foram muito relevantes, uma vez que a análise de dados de tais genomas só foi possível através dos modelos e programas computacionais desenvolvidos, em sua maioria, por bioinformatas.
E o Brasil nessa história?
O Brasil, sendo o maior celeiro agrícola do mundo, pode ter o desenvolvimento de sua agricultura aprimorado com a evolução desse tipo de pesquisa e estudos. “O genoma da cana-de-açúcar, que está sendo estudado por grupos de pesquisa brasileiros, por exemplo, fornecerá dados relevantes para melhora da agricultura brasileira, seja para desenvolver espécies transgênicas ou aprimorar o plantio”, afirma o pesquisador.
De acordo com o docente, hoje, já existem grupos fortemente dedicados a tais estudos, e que fazem o desenvolvimento de softwares. E os maiores desafios, sem dúvidas, consistem em descobrir a cura de graves doenças através do desenvolvimento de tais modelos e programas. “Há grupos especializados para decodificar sequência de genes de células cancerosas, para determinar onde houve as mutações no gene. Há centenas de estudiosos que, depois disso, fazem pesquisas com o objetivo de encontrar maneiras de neutralizar as mutações”, conta Leandro.
Sobre o que envolve bioinformática, no Brasil, há empresas que trabalham em parcerias com universidades (caso do IFSC, inclusive) para o estudo do melhoramento de enzimas para aproveitamento industrial, como, por exemplo, aquelas que compõem o bagaço da cana-de-açúcar, para produção de etanol. Há, também no país, empresas que fazem estudo de genomas de patógenos (pragas agrícolas).
Leandro afirma que, no Brasil, muitos pesquisadores trabalham com bioinformática em muitas áreas diferentes. Já há, até mesmo, a Associação Brasileira de Bioinformática e Biologia Computacional (AB³C), com a finalidade de congregar pessoas e instituições interessadas em propiciar o progresso na área.
Mas, a conclusão que se tira é a seguinte: embora os bioinformatas no Brasil já tenham um lugar ao Sol, o país ainda tem um longo caminho a percorrer. Para chegar num patamar desejável, o Brasil tem uma longa caminhada. Mas uma coisa é fato: já está no caminho certo.
Assessoria de Comunicação