Uma parceria firmada entre três grupos de pesquisa nacionais e uma universidade norte-americana está resultando no lançamento do denominado Centro de Caracterização de Espécies Minerais (CCEM), que ficará sediado no IFSC-USP, sendo o primeiro do gênero no país.
O projeto resulta de uma colaboração entre o Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, o Grupo de Cristalografia do Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP), o Grupo de Espectroscopia RAMAN do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC) e o Departamento de Geociências da University of Arizona (EUA), instituição de pesquisa famosa por ser considerada um dos mais importantes centros de caracterização de espécies minerais do mundo.
Para o Prof. Javier Ellena (IFSC-USP), o grande incentivador e responsável pela colaboração entre os grupos brasileiros com a University of Arizona foi o Dr. Marcelo B. de Andrade, que realizou seu pós-doutorado nessa universidade, sob supervisão do Dr. Robert T. Downs por cerca de dois anos, no âmbito do Programa Ciência sem Fronteiras (CNPq).
O grupo de Mineralogia e Cristalografia do Dr. Downs, na University of Arizona, dedica-se a caracterizar espécies minerais de diversas partes do mundo. Um bom exemplo do trabalho realizado na universidade norte-americana é o novo projeto que os pesquisadores estão desenvolvendo para o sistema de difração do Curiosity, famoso robô da NASA que serve como instrumento às pesquisas realizadas em Marte: A sonda espacial foi enviada para um experimento, tendo-se coletado certas amostras de solo que foram inseridas no equipamento e analisadas por meio de difração de Raios-X. Esse foi o primeiro experimento de difração feito em Marte, com a finalidade de descobrir quais os tipos de minerais existentes naquele planeta, bem como analisar a possibilidade da presença de água, explica Javier, acrescentando que um dos principais trabalhos desenvolvidos pela University of Arizona, em parceria com a Agência Espacial Norte Americana (NASA), é exatamente o desenvolvimento de equipamentos do Curiosity.
Destaque especial pode ser dado aos projetos do difratômetro de Raios-X de pó (Chemin), que está em operação, e de um espectrômetro RAMAN que será inserido no robô Exomars, a ser lançado em 2018 pela Agência Espacial Europeia. Para Javier, a melhor forma de caracterizar o solo é combinando ambas as ferramentas e é exatamente este processo que o grupo de pesquisa norte-americano realiza e que agora será explorado no novo Centro brasileiro.
Os pesquisadores contam que o equipamento de Espectroscopia Raman foi aprovado por meio do Programa Equipamentos Multiusuários (EMU), ligado ao Programa Jovem Pesquisador, da FAPESP. A ideia é que, além de amostras de minerais, o equipamento possa ser utilizado também em outras áreas, como a farmacêutica e a biológica, por exemplo: Conseguimos um equipamento versátil e robusto para que os pesquisadores tenham facilidade em utilizar essa ferramenta em diferentes áreas, afirma Javier.
Segundo o Prof. Alejandro Pedro Ayala, que coordena a equipe do grupo de Espectroscopia RAMAN da UFC, além da área de mineralogia, esse equipamento pode contribuir para outras áreas importantes, como, por exemplo, a farmacêutica e a de ciências dos materiais, entre outras, como explica Marcelo de Andrade: Existem grupos no Brasil que fazem identificação de células cancerosas e caracterização de medicamentos através da Espectroscopia RAMAN. Na área de mineralogia, o equipamento pode auxiliar na identificação dos minerais que compõem a rocha, com uma leitura diferenciada. O equipamento de espectroscopia permite que um pesquisador veja cada composto químico inserido numa rocha, em cores diferentes: Dentro de uma rocha de mineração, existem diversos compostos. Fazendo uma medida ponto-a-ponto com o espectro, é possível observar cada porcentagem dos compostos, que ficam representados por cores diferentes, acrescenta Marcelo. Dessa forma, é possível fazer uma leitura dinâmica da rocha ou de outro objeto analisado pelo equipamento. De acordo com Javier, o intuito principal do inovador Centro é conseguir obter dados das composições químicas, de forma mais profunda: Do ponto de vista estratégico e econômico, este projeto tem uma valia extremamente grande, pois muitas dessas pesquisas são importantes para a elaboração de estratégias de exploração de recursos minerais, sublinha o pesquisador do IFSC-USP.
Atualmente, existem aproximadamente cinco mil espécies minerais registradas pela Associação Mineralógica Internacional (IMA). De acordo com estes dados, existem apenas sessenta novas espécies minerais caracterizadas no Brasil. Para Marcelo, esse é um dado preocupante, uma vez que o país possui grande investimento na área de mineração. Dessas sessenta espécies brasileiras, o grupo é responsável pela identificação e caracterização de sete delas, só nos últimos anos. Além disso, outro ponto bastante positivo do trabalho de caracterização é o desenvolvimento de novos materiais que podem resultar no registro de patentes, algo comum nos países mais desenvolvidos: Quando se descobre um novo mineral, você está explorando diferentes estruturas e composições químicas, por isso usamos os Raios-X e a Espectroscopia RAMAN, afirma Marcelo.
Nos últimos cinco anos, foram publicados cerca de trezentos artigos científicos, de acordo com a Web of Science, relacionados à descoberta de novas espécies minerais. Todos os anos são aprovadas de quinze a vinte novas espécies minerais.
O novo Centro de Caracterização será uma referência em termos nacionais. Javier conta que a ideia do projeto é inédita, porque o trabalho abrangerá diversas áreas: Nosso grupo é pioneiro na área de Cristalografia; o Prof. Daniel Atencio, do Departamento de Mineralogia e Geotectônica da USP, é referência em pesquisas minerais e o grupo liderado pelo Prof. Ayala é um dos mais antigos do país que trabalha com a espectroscopia RAMAN. Então, conseguimos juntar esses três laboratórios, com o apoio do grupo de Mineralogia e Cristalografia da Universidade de Arizona. Para os pesquisadores brasileiros, a colaboração entre os três laboratórios com o grupo norte-americano é fundamental para que possam ter o know-how de como unir esses grupos que atuam em diferentes vertentes de pesquisa.
Para o Prof. Ayala, o Brasil tem uma tradição forte na área de Espectroscopia RAMAN, uma técnica que foi descoberta em 1928, porque, posteriormente, na década de sessenta, o brasileiro Sérgio Porto foi o primeiro a utilizar um laser com o intuito de fazer uma espectroscopia, experimento que revolucionou a área – o grupo do docente Ayala, por exemplo, já trabalha com espectroscopia há trinta anos. Um detalhe muito importante é que quando se utiliza a Espectroscopia RAMAN, não é necessário destruir a amostra pesquisada e isso é extremamente importante quando se trabalha com espécies minerais raras, porque se acontecer a destruição de uma amostra, dificilmente se conseguirá outra.
Neste sentido, a tecnologia de Espectroscopia RAMAN é uma das principais técnicas utilizadas pelos pesquisadores na identificação de quaisquer novas espécies: Temos um potencial enorme; esse projeto da FAPESP – o Jovem Pesquisador – tem uma linha diferente das demais bolsas da Fundação, pois ele prioriza a formação de novos pesquisadores. Assim, quando propomos um centro, nós também propomos a formação de pessoal, algo que já iniciamos recentemente, comenta Marcelo Andrade.
Exatamente para fomentar a formação de pessoal especializado nessa área, o IFSC-USP promoveu entre os dias 13 e 15 de maio o minicurso intitulado Espectroscopia RAMAN e Estrutura Cristalina, organizado pelos pesquisadores Marcelo B. Andrade e Javier Ellena, que teve a participação do docente Ayala. Nesse evento, que teve bastantes inscrições, foram discutidas as bases teóricas dessa metodologia e apresentados exemplos de aplicação em diversos sistemas, tais como, minerais, cristais iônicos e compostos orgânicos, entre outros.
Assessoria de Comunicação