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24 de junho de 2016

Doenças Tropicais Negligenciadas e o papel do CIBFar-IFSC

Dengue, Doença de Chagas, leishmaniose, esquistossomose, e hanseníase, são patologias que têm uma característica em comum: elas são algumas das dezessete Doenças Tropicais Negligenciadas (DTN’s), grupo de doenças endêmicas que são causadas por vírus, bactérias, protozoários e vermes, que determinam cerca de cem mil a um milhão de mortes por ano, especialmente, em regiões mais pobres do planeta, como África, Ásia e América Latina. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as DTN’s ocorrem em 149 países, afetando mais de 1,4 bilhão de pessoas – quase metade desse número é composta por crianças. Para ter uma real dimensão desse número, saliente-se que 1,4 bilhão de pessoas equivale a 20% da população mundial, representando sete vezes o número da população brasileira.

anopheles_300De acordo com dados mais recentes do Global Burden of the Diseases – um estudo global sobre o impacto das doenças e causas de morte -, em 2013 as DTN’s registraram 142 mil mortes. Por um lado, a taxa é positiva, uma vez que no início da década de 1990 o mesmo estudo identificou 204 mil mortes reportadas. Em resumo, num período de quinze anos, houve uma redução de 30% nos casos de mortes causadas pelas Doenças Tropicais Negligenciadas.

Para o Prof. Dr. Rafael Guido, do Grupo de Cristalografia do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), esse resultado se deve aos esforços e às iniciativas mundiais – principalmente da OMS – que têm sido feitos no combate às DTN’s. “Atualmente, a Organização Mundial da Saúde selecionou duas das dezessete doenças como alvo para erradicação, sendo elas a dracunculíase e a bouba, e quatro para eliminação (tracoma, doença do sono, lepra e elefantíase)”.

Assim como países vizinhos, africanos e asiáticos, o Brasil enfrenta dois grandes desafios: a pobreza e a falta de acesso às condições mínimas de saneamento básico. Ambos os cenários, segundo Guido, tornaram o Brasil uma região propícia para a disseminação das DTN’s, principalmente aquelas causadas por parasitas, como, por exemplo, a esquistossomose.

Nesse sentido, em 2004, o Ministério da Saúde, junto com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, organizou grupos de estudos com gestores, pesquisadores e profissionais da área da saúde, de maneira a definir quais DTN’s deveriam ser combatidas, com prioridade, no Brasil. Hoje, com base em dados epidemiológicos, demográficos e no impacto das doenças, sete das dezessete DTN’s são consideradas como as grandes prioridades no país – dengue, Doença de Chagas, leishmaniose, hanseníase, malária, esquistossomose e tuberculose.

Apenas o Trypanosoma cruzi, agente causador da Doença de Chagas, infecta oito milhões de pessoas na América Latina. “A estimativa é que 23% destes pacientes vivam no Brasil, ou seja, aproximadamente dois milhões de brasileiros têm Doença de Chagas”. A leishmaniose visceral (forma mais grave e letal das leishmanioses), segundo dados de 2014 referentes ao Brasil, acometeu quase 3.500 pessoas. A dengue, por sua vez, teve 1,2 milhão de casos registrados somente neste primeiro semestre de 2016. O número de casos de esquistossomose reportados em 2014 foi na ordem de, aproximadamente, trinta e três mil.

Embora não sejam mais consideradas doenças negligenciadas, devido aos recursos destinados ao controle e tratamento, a malária e a tuberculose são enfermidades que têm alta incidência em território brasileiro, principalmente, a segunda, que é a principal causa de morte de pacientes HIV positivos.

Zika, chikungunya e H1N1 são DTN’s?

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O Aedes aegypti é vetor da dengue, chikungunya e da zika (Foto: Gizmodo)

Ao contrário das doenças citadas anteriormente, patologias como zika, chikungunya e H1N1, não integram a lista de doenças tropicais negligenciadas. Isso porque as três têm recebido especial atenção dos governos nacional e internacionais, com grandes repercussões na mídia. De acordo com Guido, a grande atenção contribui positivamente na alocação de recursos e no estabelecimento de forças-tarefas específicas para estudar patologias e traçar estratégias de controle e tratamento.

Mesmo não sendo DTN’s – o que já é um ponto positivo -, vale ressaltar que o panorama dessas três doenças é grave, porque se não são doenças letais, como a gripe H1N1, elas podem causar sequelas, como é o caso da zika. “Os casos de microcefalia causados pelo vírus zika são apenas a ‘ponta do iceberg’. Não sabemos ainda, em longo prazo, quais são os sintomas que esses pacientes podem apresentar. Por isso, os estudos que visam a uma melhor caracterização da doença são de fundamental importância”, enfatiza.

Em busca de estratégias para o combate e tratamento das DTN’s

Além de docente do IFSC/USP, Rafael Guido é pesquisador do Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), que atualmente é coordenado pelos Profs. Drs. Glaucius Oliva (IFSC/USP), Vanderlan S. Bolzani (Vice-Coordenadora – NuBBE/UNESP), Adriano D. Andricopulo (Coordenador de Inovação – IFSC/USP) e Leila Maria Beltramini (Coordenadora de Educação – IFSC/USP). Criado por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), o CIBFar é resultado de projetos de pesquisa colaborativos, envolvendo diversos laboratórios*, no qual se realiza desde prospecção biológica até análise pré-clínica in vitro e in vivo de compostos candidatos a fármacos para o combate de DTN’s, desenvolvendo também estudos de toxicologia e de farmacocinética, com o objetivo de criar medicamentos patenteáveis. Mais do que isso, o Centro se dedica a estudos voltados a investigação de infecções causadas por bactérias super-resistentes e algumas doenças não infecciosas de alto impacto, como, por exemplo, câncer e Alzheimer.

Guido explica que seu grupo de pesquisa tem contribuído bastante, por exemplo, para a descoberta de novas moléculas candidatas a fármacos para o tratamento da malária: “Nós realizamos o processo de triagem de moléculas promissoras e, uma vez identificadas essas moléculas, iniciamos os estudos de desenvolvimento”.

Esse tipo de trabalho, de acordo com o docente, é extenso e, geralmente, decorrem anos até que se possa descobrir alguma molécula candidata a fármaco, já que é necessário garantir que essas substâncias sejam potentes o suficiente para serem administradas em baixas doses e eficazes para eliminarem o alvo. “Além disso, como investigamos doenças negligenciadas, cujos pacientes geralmente pertencem às camadas menos favorecidas da população, temos que garantir um baixo custo no tratamento”, destaca Rafael Guido, lembrando que a OMS indica que os tratamentos para DTN’s devem custar no máximo US$ 1,00, por dose. No caso da malária, a recomendação é que todo o tratamento custe US$ 1,00.

Com o intuito de desenvolver novas alternativas de tratamento para as doenças tropicais negligenciadas, o CIBFar tem consolidado uma série de parcerias com organizações internacionais, como a Drugs for Neglected Diseases initiative (DNDi), colaboração estabelecida e liderada pelos Profs. Drs. Adriano D. Andricopulo, Luiz Carlos Dias (IQ/UNICAMP), Monica T. Pupo (FCFRP/USP) e Glaucius Oliva, e a Medicine for Malaria Venture (MMV), cooperação estabelecida e liderada pelos Profs. Luiz Carlos Dias, Rafael Guido e Glaucius Oliva. Ambas atuam entre universidades e grandes empresas, interagindo, principalmente, com indústrias localizadas em países que sofrem os impactos das DTN’s. Por este motivo, diz Guido, o CIBFar tem conseguido contribuir para o desenvolvimento de novos medicamentos para essas doenças, ao mesmo tempo em que tem formado especialistas em técnicas e métodos utilizados para a elaboração de fármacos para doenças infecciosas endêmicas do Brasil.

Atualmente, o CIBFar tem duas frentes de pesquisa, sendo uma de pesquisa básica e outra de pesquisa aplicada. Na pesquisa básica, os pesquisadores utilizam ferramentas de biologia molecular e estrutural para obterem uma melhor compreensão a respeito de como funcionam os parasitas. Esse tipo de conhecimento é essencial para conhecer o “inimigo” e planejar estratégias eficientes para a eliminação dos micro-organismos responsáveis por causarem as DTN’s.

Já a segunda frente de pesquisa compreende os estudos que têm focos muito mais específicos, como, por exemplo, o desenvolvimento de uma nova molécula para o tratamento da malária. Nesse tipo de pesquisa, os cientistas utilizam métodos de química medicinal e síntese orgânica para desenvolverem compostos que tenham características necessárias para agirem no organismo humano, com eficácia e segurança. “No Centro, há também pesquisadores focados na investigação de produtos naturais nacionais, como fontes inspiradoras para a descoberta de novos fármacos [essas investigações são conduzidas pelos pesquisadores do NuBBE/UNESP e do DQ/UFSCar] e novas formas mais eficientes para se obterem moléculas candidatas a medicamentos que possam tratar e combater as DTN’s [os estudos referentes a essas novas formas são conduzidos pelos pesquisadores do IQ/UNICAMP e do DQ/UFSCar]”.

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Com anos de atuação na área de desenvolvimento de estratégias para o tratamento e combate de DTN’s, Guido revela que as expectativas para eliminar as doenças negligenciadas no Brasil e no mundo são muito baixas. Isso porque, a cada dia, os pesquisadores descobrem novas informações sobre a biologia desses parasitas e se surpreendem com o fato de organismos tão simples conseguirem desenvolver mecanismos tão complexos para sobreviverem. Somado a isso, há ainda o agravante do surgimento de cepas resistentes aos poucos tratamentos disponíveis para as doenças negligenciadas. “Levam-se anos para descobrir e desenvolver um novo medicamento e, dependendo do caso, em apenas alguns meses os parasitas conseguem gerar resistência ao fármaco”.

Devido a essa situação enfrentada por pesquisadores da área, a OMS, assim como as organizações DNDi e MMV, aconselha que os novos tratamentos para qualquer tipo de DTN’s sejam feitos em associação com dois ou mais medicamentos, tal como já ocorre com os tratamentos da malária e da tuberculose, nos quais são administrados dois fármacos simultaneamente. Com essa estratégia simples, Rafael Guido acredita que seja possível diminuir significativamente as chances dos parasitas gerarem resistência aos tratamentos.

*Laboratório de Química Medicinal e Computacional (LQMC) e Laboratório de Biofísica Molecular do IFSC/USP; Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofisiologia de Produtos Naturais do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (NUBBE/UNESP); Laboratórios de Síntese Orgânica do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ/UNICAMP); Laboratórios de Produtos Naturais e Síntese Orgânica do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (DQ/UFSCar); e Laboratório de Produtos Naturais da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP/USP).

(Imagem 1: Mosquito Anopheles, transmissor da Malária. Créditos da foto: Scientists Against Malaria)

A pesquisa descrita nesta matéria de divulgação pode se encontrar em fase inicial de desenvolvimento. A eventualidade de sua aplicação para uso humano, animal, agrícola ou correlatas deverá ser previamente avaliada e receber aprovação oficial dos órgãos federais e estaduais competentes. A responsabilidade pelas informações contidas na reportagem é de inteira responsabilidade do pesquisador responsável pelo estudo, que foram devidamente conferidas pelo mesmo, após editadas por jornalista responsável devidamente identificado, não implicando, por isso, em responsabilidade da instituição.

Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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