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21 de outubro de 2022

Defesa Planetária e as ameaças que vêm do Espaço (Parte 1)

Figura 1 – O famoso cometa Halley tem período orbital curto de, aproximadamente, 76 anos. Imagem do núcleo do cometa Halley, feita pela sonda Giotto em 1986 (Crédito: Agência Espacial Européia)

Por: Prof. Roberto N. Onody *

Caro leitor,

Eram cerca de 20 horas do dia 26 de setembro de 2022. Sentado no sofá, em frente à TV, eu assistia à transmissão da NASA pelo YouTube, da colisão da nave DART com o asteróide Dimorphos. Ao vivo, com atraso das imagens de apenas 8 segundos, eu acompanhava confortavelmente, em casa, o impacto proposital de uma nave construída pelo ser humano contra um asteróide. Como brincou o narrador da NASA: “Durante bilhões de anos nosso planeta foi bombardeado pelos asteróides, agora estamos dando o troco”.

As cenas dos momentos finais da nave se chocando contra o asteróide e a clara visão de sua superfície, foram formidáveis. Fiquei profundamente entusiasmado e resolvi que deveria escrever sobre o assunto. Uma vez que o material disponível é enorme, abundante, decidi separar o artigo em duas partes.

Na parte 1, eu discuto a natureza dos asteróides e cometas, bem como as principais missões espaciais realizadas com intuito de, não só estudar à distância esses astros, mas, literalmente, abordá-los e até pousar neles. Temos hoje, aqui na Terra, amostras do material colhido e trazido ao nosso planeta, tanto da cauda de cometas quanto da superfície de asteróides!

Não poderia deixar de mencionar a passagem, pelo nosso sistema solar, de visitantes interestelares. No momento que escrevo, temos somente um par deles: o asteróide Oumuamua e o cometa Borisov. Atraídos gravitacionalmente, eles fizeram uma pequena e breve visita ao nosso Sol e seguem, pelo espaço sideral, tropeçando em outras estrelas.

Na parte 2, vou discutir os projetos do Centro de Coordenação de Defesa Planetária com seu trabalho de identificação e rastreamento de NEOs (Near-Earth objects). NEOs são asteróides e cometas que, próximos à Terra, podem representar algum tipo de ameaça ao nosso planeta. Por fim, analisarei a missão DART em si, seu planejamento, execução e fabuloso sucesso. A estimativa da NASA era de que a colisão diminuiria o período de rotação do asteróide Dimorphos de 10 a 15 minutos. O resultado final foi muito além das expectativas – o período diminuiu em 32 minutos!

Boa leitura!

Parte 1

Sobre Cometas

Sobre Asteróides

Visitantes das Estrelas:

O Asteróide Oumuamua

O Cometa Borisov

Sobre Cometas

Figura 2 – Ilustração da Nuvem de Oort (fronteira do sistema solar). O zoom da pequena região em azul (no centro da Nuvem de Oort), é delimitada pelo Cinturão de Kuiper e o círculo amarelo é a órbita de Plutão (Crédito: NASA)

Os cometas se formaram a partir da nebulosa que deu origem ao nosso Sol, há cerca de 4,5 bilhões de anos atrás. São objetos formados por gelo, gases congelados e um núcleo rochoso. Quando um cometa se aproxima do Sol, esses gases congelados são evaporados e ionizados pela radiação solar dando ao cometa uma cauda brilhante e visível.

Os cometas sempre fascinaram a humanidade. Tem-se registro de passagens de cometas que remontam há cerca 1.000 A.C. Em certas ocasiões, esse fascínio terminou em tragédia, como foi o caso da fanática seita religiosa, Heaven’s Gate. Em 1997, acreditando que havia uma nave espacial na cauda do cometa Hale-Bopp (que os transportaria a uma outra dimensão), 41 seguidores praticaram suicídio coletivo para ´subirem´ até a suposta nave.

Os cometas com pequeno período de rotação em torno do Sol (menor do que 200 anos, como o cometa Halley, veja Figura 1), têm sua origem no chamado Cinturão de Kuiper (uma região entre as órbitas de Netuno e Plutão). As órbitas desses cometas estão em planos muito próximos ao da eclíptica, isto é, do plano da órbita da Terra em torno do Sol.

Os cometas com grande período de rotação em torno do Sol (de milhares a milhões de anos), têm sua origem na chamada Nuvem de Oort. Além da enorme diferença entre os períodos de rotação, os cometas da Nuvem de Oort aproximam-se do Sol vindo de todas as direções possíveis (Figura 2).

Ao se aproximar de um dos grandes planetas gasosos do sistema solar, um cometa pode vir a ser despedaçado pela força gravitacional. Foi exatamente o que aconteceu com o cometa Schoemaker-Levy 9, em 1994. Fracionado gravitacionalmente, pedaços do cometa colidiram, de maneira espetacular, com a superfície de Júpiter.

Figura 3 – A cápsula enviada pela nave Stardust com amostras do cometa Wild-2 (Crédito: NASA/JPL)

Com o intuito de analisar a composição química dos cometas, a NASA lançou, em janeiro de 2005, a nave Deep Impact (mesmo nome de um filme de 1998). Além dos instrumentos científicos a bordo, a nave levava consigo uma pequena sonda. Ao se aproximar do cometa Tempel 1, Deep Impact lançou a sonda para colidir com o cometa. O impacto ocorreu (patrioticamente) no dia 04 de julho de 2005. Levantou material da superfície, cuja análise revelou a presença de carbono, gelo e poeira.

A Stardust foi a primeira nave espacial que colheu material de um cometa e enviou de volta à Terra. Lançada em 1999 do Cabo Canaveral, sobrevoou a cauda do cometa Wild-2 em 2004. O material coletado da cauda foi enviado em uma cápsula (Figura 3) que chegou ao nosso planeta em 2006.

Figura 4 – Canto superior direito: foto do cometa 67P feita em 2015 pela nave Rosetta; Lado esquerdo: foto do cometa 67P tirada em 2016 pela nave OSIRIS; Canto inferior direito: zoom da sonda Philae tomando carona com o cometa 67P (Crédito: Agência Espacial Européia)

Logo após a recuperação dessa cápsula, a NASA distribuiu fotos das amostras para pessoas, ao redor do mundo, instando-as a procurarem por grãos exóticos (projeto Stardust@home). Aproximadamente, 30 mil pessoas estudaram as amostras. A análise final, feita posteriormente pelos cientistas, revelou dois tipos de material: poeira do próprio cometa Wild-2 e poeira interestelar. Essa última está presente no espaço interestelar e é mais antiga do que a poeira de cometa. Acredita-se que essa poeira interestelar foi forjada (e ejetada) no interior de estrelas que se formaram antes do nosso Sol. A prova da origem interestelar dessas partículas foi feita medindo-se a abundância de determinados isótopos de oxigênio e comparando-a com aquelas encontradas em nosso sistema solar.

O cometa Wild-2 estava originalmente em uma órbita bem distante do Sol, com órbita entre os planetas Júpiter e Urano e período de rotação era de 43 anos. Em 1974, perturbado gravitacionalmente pela sua proximidade com Júpiter, o cometa foi lançado em uma nova órbita bem mais próxima da Terra. Seu período de rotação atual é de cerca de 6,41 anos.

Vale a pena também mencionar a aeronave Rosetta que foi lançada em 2004 pela Agência Espacial Européia e sobrevoou o cometa 67P em 2014 [3]. O cometa 67P tem massa de 1013 kg, volume de 18,7 km3 e período de 6,44 anos. A nave Rosetta lançou o módulo robótico Philae para pousar no cometa. Devido à falha nos arpões, projetados para fixar o módulo ao solo, a sonda Philae quicou várias vezes até, finalmente, parar. Foi a primeira sonda humana a pousar sobre um cometa. Em 2016, o módulo Philae foi localizado e fotografado pela nave norte-americana OSIRIS, incrustrado no corpo do cometa 67P (Figura 4).  

Sobre Asteróides

Os asteróides são corpos rochosos que permeiam boa parte do sistema solar. Sua concentração é maior entre as órbitas dos planetas Marte e Júpiter (também conhecido como Cinturão de Asteróides), mas também não é incomum passarem bem perto da Terra. São verdadeiras cápsulas do tempo que guardam informação sobre a formação do sistema solar a cerca de 4,5 bilhões de anos atrás.

Figura 5 – Material recolhido pela sonda Hayabusa 2 do asteróide Ryugu. Observe que o diâmetro interno dos 3 recipientes onde estão as amostras é bem pequeno (cerca de 2,1 cm) e o massa de cada amostra gira em torno de 1 grama (Crédito: Japan Aerospace Exploration Agency)

Em geral, os asteróides têm forma irregular, podendo ser sólidos e rochosos, esponjosos, contendo metais como ferro, níquel, hidrogênio cobalto e carbono. O tamanho dos asteróides varia de cerca de 1 m até 530 km (que é a extensão de Vesta, o maior asteróide conhecido até agora). O maior objeto no Cinturão de Asteróides é o planeta anão Ceres (mesma classificação astronômica de Plutão). A massa total de todos os asteróides presentes no Cinturão de Asteróides é menor do que a massa da Lua.

Meteoróides são asteróides pequenos que vagueiam pelo espaço. Quando um meteoróide, em alta velocidade, entra na nossa atmosfera e se queima, ele produz um clarão que chamamos de meteoro. Muito mais visíveis à noite, o meteoro é chamado popularmente de estrela cadente. Se o meteoróide conseguir chegar até o solo, ele é chamado de meteorito.

Estima-se que 48 toneladas de meteoritos atinjam a Terra todos os dias! Todo mês de agosto, a órbita da Terra atravessa uma esteira de meteoróides abandonados pelo cometa Swift-Tuttle. À noite, vemos uma chuva de meteoros que são chamados de Perseidas.

Figura 6 – Imagem do asteróide Bennu, feita pela sonda OSIRIS-REx em 2018, quando se encontrava a 24 km de distância do asteróide (Crédito: NASA)

Asteróides que acompanham a órbita de um planeta, indo à sua frente ou atrás, são chamados de Troianos. Eles não colidem com seus planetas (estão posicionados nos pontos de Lagrange L4 e L5). Já foram detectados asteróides troianos em Júpiter, Netuno, Marte e na Terra. Só conhecemos (até agora) dois asteróides Troianos da Terra: o 2010TK7 e o 2020XL5. As aproximações frequentes do planeta Vênus com a Terra perturbam nossos asteróides troianos e, daqui alguns milhares de anos, devem conduzi-los a uma nova órbita.

O asteróide Ryugu foi descoberto em 1999, tem uma órbita elíptica em torno do Sol e leva 16 meses para percorrê-la. Está a uma distância média de 180 milhões de quilômetros do Sol e sua menor distância à Terra é de 100.000 km.

O Japão foi o primeiro (e, até agora, o único) país a coletar e trazer de volta à Terra amostras de um asteróide. A sonda Hayabusa 2 (que significa Falcão Peregrino), lançada há 7 anos atrás, é dotada de um braço robótico que fustigou o asteróide Ryugu, obtendo amostras da sua superfície que foram armazenadas na cápsula de reentrada. Esta cápsula desceu em solo Australiano no dia 05/12/2020. O material encontrado, é escuro, duro e parecido com carvão (Figura 5).

O asteróide Bennu (Figura 6) foi descoberto no mesmo ano que o Ryugu. Tem órbita de formato elíptico (mas, ela não é fechada) em torno do Sol com aproximação máxima da Terra de cerca 480.000 km e período de, aproximadamente, 14 meses. É popularmente conhecido como o “asteróide do fim do mundo” pela possibilidade de, no futuro, vir a colidir com a Terra. Segundo os cálculos, a probabilidade de colisão com a Terra será de uma chance em 2.500 (no ano 2.135).

Em 2016, a NASA enviou a sonda OSIRIS-REx para, assim como a japonesa Hayabusa 2, recolher e trazer material para a Terra.

Em dezembro de 2018, a nave OSIRIS-REx encontrou o asteróide Bennu. Durante quase dois anos, fotografou e buscou o melhor ponto para coletar o material. Finalmente, em 20/10/2020, coletou amostras utilizando a técnica TAG (Touch-And-Go) numa cratera de Bennu (batizada de Nightingale) com cerca de 140 metros de diâmetro. OSIRIS-REx deve retornar à Terra em 2023.

Figura 7 – Ilustração artística do asteróide interestelar Oumuamua. Ao contrário do que encontramos na Internet, não existe nenhuma ´foto´ do asteróide. No seu ponto mais próximo do Sol (periélio), o Oumuamua estava a uma distância de 43 milhões de quilômetros e a uma velocidade incrível de 315.000 km/h! (Crédito: ESO/M. Kornmesser)

Dissemos acima que os asteróides são corpos predominante rochosos, mas há exceções.

O gigantesco asteróide Psyche (na mitologia grega, a deusa da alma ou do espírito) é muito rico em metais! Sua órbita está localizada entre Marte e Júpiter.

Se o asteróide Psyche fosse esférico, seu diâmetro seria de 226 km.

Acredita-se que Psyche seja o núcleo metálico de um planetesimal que perdeu seu manto rochoso.

Os planetas (na teoria mais aceita sobre a formação do sistema solar) teriam se originado das colisões entre planetesimais.

Daí a importância de estudar o asteróide Psyche.

Com esse objetivo, a NASA construiu e já tem pronta a nave (de mesmo nome) Psyche.

Ela teve sua partida adiada várias vezes.

Existe uma janela para seu lançamento entre julho e setembro de 2023.

Visitantes das Estrelas

O Asteróide Oumuamua

No dia 19 de outubro de 2017, o telescópio ótico pan-STARRS1 (localizado no Havaí) avistou pela primeira vez o asteróide Oumuamua (que significa Primeiro Mensageiro Distante, numa tradução livre da palavra havaiana). Imediatamente, telescópios espalhados pelo mundo assestaram seus espelhos e lentes para o objeto (Figura 7).

Primeiramente, pensava-se se tratar de um cometa e ele recebeu a classificação C/2017 U1. Depois, pela ausência de cauda, foi reclassificado

Figura 8 – Órbita do asteróide Oumuamua dentro do sistema solar. No seu ponto mais próximo do Sol (periélio), o Oumuamua estava a uma distância de 43 milhões de quilômetros e a uma velocidade incrível de 315.000 km/h! Em seu ponto mais próximo da Terra, o asteróide estava a uma distância de cerca de 14 milhões de quilômetros (Crédito: NASA/JPL – Caltech/IAU)

como asteróide A/2017 U1. Porém, quando estimaram sua velocidade e encontraram fantásticos 160.000 km/h, concluiu-se que esse objeto não pertencia e nem permaneceria no sistema solar – era a descoberta do primeiro asteróide interestelar!

Oumuamua recebeu, então, uma nova classificação – I1/2017 U1 (com o I inicial, para interestelar). É um objeto longo, com dimensões aproximadas de 230m x 35m x 35m. Oumuamua foi também observado em frequências de rádio, o que permitiu aos astrônomos traçarem a sua órbita dentro do sistema solar (Figura 8). Ele penetrou a eclíptica (plano de rotação da Terra-Sol), entre o Sol e Mercúrio e cruzou de volta, entre os planetas Terra e Marte (quando foi detectado).

O asteróide Oumuamua foi ejetado de algum sistema estelar que estava formando seu cinturão de planetas. Muitas especulações acompanharam o Oumuamua. Ele teria vindo da estrela Vega (que fica na constelação de Lira), seria uma nave espacial alienígena, … a maioria dessas hipóteses foram descartadas.

Quando estiver livre no espaço sideral, Oumuamua desenvolverá 95.000 km/h, percorrendo em um ano, cinco vezes a distância Terra-Sol. Aloha! (Tchau, em havaiano) Oumuamua, nunca mais o veremos.

O Cometa Borisov

Figura 9 – Fotografia do cometa 2I/Borisov tirada pelo Hubble em 12 de outubro de 2019. O cometa estava a uma distância de 418 milhões de quilômetros da Terra, com velocidade de 177.000 km/h (Crédito: Hubble Space Telescope)

No dia 29 de agosto de 2019, o astrônomo amador e construtor de telescópios Gennadiy Borisov (da Criméia) observou um cometa nas proximidades de Marte. Imediatamente, telescópios terrestres e espaciais estudaram e fotografaram o cometa (Figura 9).

Com velocidade ainda maior do que a do asteróide Oumuamua, o cometa revelou também ser de origem interestelar. Foi o segundo astro registrado (até agora) vindo das estrelas e foi batizado de 2I/Borisov. Numa trajetória bem mais distante da Terra do que a de Oumuamua, ele penetrou o sistema solar para além da órbita de Marte (Figura 10).

O diâmetro estimado para o seu pequeno núcleo, quando comparado com os dos cometas Tempel 1 (6 km), Halley (15 km) e Hale-Bopp (35km), é de apenas 400 metros. Núcleos desse tamanho tendem a se fragmentar.

No espaço interestelar, o cometa 2I/Borisov terá a velocidade de 116.000 km/h percorrendo em um ano, quase sete vezes a distância Terra-Sol. Khoroshaya poyezdka! (Boa viagem, em russo) 2I/Borisov, nunca mais o veremos.

*Físico, Professor Sênior do IFSC – USP

e-mail: onody@ifsc.usp.br

 

 

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(Agradecimento: ao Sr. Rui Sintra da Assessoria de Comunicação)

Referências:

Deep Impact Mission to a comet | NASA

Stardust – Comet Missions – NASA Jet Propulsion Laboratory

ESA – Rosetta

Lagrange point – Wikipedia

JAXA Hayabusa2 Project

OSIRIS-REx | NASA

Updated: For the first time, astronomers are tracking a distant visitor streaking through our solar system | Science | AAAS

Oumuamua – Wikipedia

2I/Borisov – Wikipedia

Asteroid 16 Psyche | Psyche Mission – A Mission to a Metal World (asu.edu)

Smashing success: humanity has diverted an asteroid for the first time (nature.com)

Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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