Notícias

1 de setembro de 2023

Criptobiose – Um verme ressuscita depois de 46.000 anos

Figura 1 – Embaixo de espessas camadas de gelo, está o Permafrost – um solo formado por terra, rochas, sedimentos e muito gelo. Nele, congelados por milhares de anos, estão presentes vermes, vírus e bactérias. Uma cápsula do tempo e uma bomba relógio contendo uma gigantesca quantidade de gases de efeito estufa como dióxido de carbono e metano (Crédito: Sergey Pesterev/Unsplash)

Por: Prof. Roberto N. Onody *

Criptobiose é um estado de latência em que as atividades metabólicas de um organismo cessam devido a condições ambientais extremas como baixas temperaturas, desidratação e falta de oxigênio. Nos solos gelados da Sibéria, foram encontrados e ressuscitados vermes nematoides em animação suspensa há 46.000 anos!

Permafrost, como o próprio nome indica, é uma camada do subsolo permanentemente congelada. É uma mistura de rochas, terra, matéria orgânica e, claro, gelo. Ele se concentra na região do Ártico, principalmente na Rússia, Groenlândia, Canadá e Alasca (Figura 1).

O Permafrost recobre cerca de 25% das terras do hemisfério norte e abriga sob uma manta de gelo uma quantidade colossal de matéria orgânica, decomposta ao longo de milhões de anos. Estima-se que o Permafrost contenha 1,5 trilhões de toneladas de carbono, duas vezes mais do que aquela que existe (atualmente) na nossa atmosfera!

Um possível degelo do Permafrost libertará uma quantidade enorme dos principais gases responsáveis pelo efeito estufa – o dióxido de carbono e o metano.  Vale lembrar que o Acordo de Paris, assinado por 195 países em 2015, prevê um esforço internacional para limitar o aumento da temperatura média global  a 1,5 graus Celsius.

Figura 2 – Duvanny Yar, no nordeste da Sibéria, é a região onde o material foi coletado. As amostras do solo foram colhidas a cerca de 40 m de profundidade. A datação por radiocarbono (das plantas contidas nessas amostras) estimou sua idade em 46.000 anos (com 95% de precisão) (Fonte: Imagem extraída de Shatilovich et al., PLOS Genetics)

E foi no Permafrost da Sibéria que o material contendo os vermes foi colhido cuidadosamente e levado para o laboratório (Figura 2). Um estudo filogenético, envolvendo tanto características morfológicas quanto o genoma do verme, concluiu que se tratava de uma nova espécie que os pesquisadores batizaram de Panagrolaimus kolymaensis (Figura 3). Os indivíduos dessa espécie que reviveram foram cultivados em laboratório e se reproduziram por mais de 100 gerações!

Através do sequenciamento e estudo do genoma do P. kolymaensis, os cientistas descobriram que a espécie é triplóide, isto é, seu genoma é composto por 3 conjuntos de cromossomos, como de alguns peixes e ostras.

Os mecanismos celulares (utilizados por esses vermes para sobreviverem a dessecação e ao congelamento extremos) são a biossíntese de trealose (um dissacarídeo) e a gliconeogênese (produção de glicose na ausência de carboidratos).

Na espécie encontrada, P. kolymaensis, a sobrevivência ao congelamento acontece graças a uma rápida desidratação (que pode chegar a mais de 95% da água do corpo) o que evita a formação de cristais de gelo no interior das células. Já na espécie encontrada na Antártica e estudada em 2015, P. davidi, descobriu-se inibidores que impediam a formação de gelo intracelular, ou seja, o organismo era capaz de sobreviver ao congelamento mesmo estando totalmente hidratado.

Figura 3 – Morfologia do P. Kolymaensis: A e C – imagens obtidas por microscopia eletrônica; E e F – fotografias obtidas por microscópio ótico; B, D e G – esboços gráficos. A barra de escala na figura A é de 0,002 mm. (Fonte: Imagem extraída de Shatilovich et al., PLOS Genetics)

Entender melhor os mecanismos que levam esses organismos a terem tanta tolerância à desidratação e ao congelamento, pode ser muito importante em campos de ciência relacionados como a crioterapia, criobiologia e  astrobiologia.

E fica a pergunta: quanto tempo o P. kolymaensis pode sobreviver em condições ambientais tão severas? Não sabemos. Até o momento, o organismo campeão por tempo de vida latente é uma bactéria que foi descoberta no abdômen de uma abelha preservada em âmbar (encontrada na República Dominicana) e que foi trazida de volta à vida após mais de 25 milhões de anos!

Dessa forma, para o bem ou para o mal, estamos alterando o processo de evolução natural ao reviver indivíduos que, de outra forma, pertenceriam a linhagens já extintas.

Ao despertarmos organismos anteriormente dormentes corremos o risco de introduzir espécies invasoras e prejudiciais àquelas nativas de uma determinada região. Elas não tiveram coevolução temporal e a adaptação correspondente. Foi pensando nisto que foi publicado, em julho de 2023, um artigo que investiga os riscos de ressuscitar patógenos. Eles, através da criptobiose, conseguiram viajar para o futuro.

*Físico, Professor Sênior do IFSC – USP

e-mail: onody@ifsc.usp.br

 

 

 

 

Para acessar todo o conteúdo do site “Notícias de Ciência e Tecnologia” dirija a câmera do celular para o QR Code abaixo.

 

 

 

 

 

Se você gostou, compartilhe o artigo nas redes sociais

(Agradecimento: ao Sr. Rui Sintra da Assessoria de Comunicação)

Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

Imprimir artigo
Compartilhe!
Share On Facebook
Share On Twitter
Share On Google Plus
Fale conosco
Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
Obrigado pela mensagem! Assim que possível entraremos em contato..