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9 de abril de 2012

As fendas no Universo e as possibilidades da viagem no tempo

As teorias de Einstein abrem espaço para a hipótese de grandes fendas no espaço-tempo, e o mistério que circunda sua existência e o uso desta geometria para viagens super rápidas ao redor do Universo – e também no tempo – tem ganhado espaço em ficções científicas e no meio acadêmico nas últimas décadas. Em parte, essa hipótese ainda se trata de um exercício de distração, mas ainda há o lado sério da teoria. Apesar da existência de túneis transitáveis no continuum espaço-tempo ainda não ter sido comprovada, não há nenhum princípio físico que dê conta de descartar a ideia totalmente.

A teoria tem origem na descrição do espaço e do tempo proposta pela Física, que propõe três dimensões comuns, observadas comumente por todos nós – largura, altura e profundidade –, com um diferencial fundamental: o tempo seria uma quarta dime

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nsão, útil para descrever todo o Universo.

Para os físicos, as dimensões especiais e temporais são diretamente conectadas. Este é o chamado continuum espaço-tempo, uma teoria matemática que engloba o Universo como um todo. Esta teoria foi proposta por ninguém mais que o físico alemão Albert Einstein, em 1905, através dos postulados da clássica Teoria da Relatividade. Neste trabalho, Einstein explica a dinâmica que rege este continuum, ou seja, as forças e os mecanismos de movimento por trás destas quatro dimensões. Antes disso, considerava-se que o tempo era absoluto e universal, igual para todos, mesmo em circunstâncias físicas bem diferentes. Mas para Einstein, se dois indivíduos se movem diferentemente, eles experimentam também tempos diferentes.

“Acontece que este continuum pode ter algumas singularidades, alguns defeitos”, comenta o professor Luiz Vitor de Souza, pesquisador do Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP) especialista em Física de Astropartículas. “Imagine que a sala da sua casa como a vemos, com três dimensões, largura, altura e profundidade, está com uma trinca”, ele explica. “O mesmo pode ser descrito em quatro dimensões”.

A matemática pode mesmo ser bem semelhante em ambos os casos. Mas, é exatamente nesta trinca, por menor que ela seja, que as coisas começam a ficar interessantes, justamente por envolver a noção de tempo, um mistério tão fascinante para os humanos.

Uma das formas mais conhecidas de “trincas” no continuum espaço-tempo é o buraco negro. Em um destes, o espaço-tempo se dobra ao redor dele mesmo. Isso significa que a gravidade ali é tão intensa que, neste caso, temos a máxima conhecida de distorção de tempo no Universo: nas proximidades de um buraco negro, o tempo parece estar parado em relação à Terra. Se um astronauta se atrevesse a chegar ali perto, ele poderia enxergar toda a eternidade em um curto período de tempo e, de fato, dar um salto imenso ao futuro – se é que voltaria inteiro.

diagrama_wormholeOutra singularidade possível, dentro da teoria matemática, é o chamado buraco de minhoca (wormhole, em inglês). Tendo como parâmetro as três dimensões que enxergamos, esta fenda seria uma espécie de funil (ver imagem ao lado) – um buraco em um espaço tridimensional, que leva a matéria através de um túnel para um outro espaço do outro lado. “O buraco de minhoca é isso, mas em quatro dimensões, o que significa que é um buraco no espaço e no tempo também”, explica o pesquisador do IFSC-USP. Este buraco poderia servir como um atalho para viagens super rápidas a locais distantes do Universo.

No entanto, Luiz Vitor enfatiza que o buraco de minhoca é um defeito de teor teórico, ou seja, é mera especulação. “Não existe um experimento, uma medida. É apenas possível, dentro da teoria da relatividade geral, que o continuum espaço-tempo se dobre, mas o buraco de minhoca é apenas uma solução inusitada para as equações matemáticas de Einstein”, esclarece o professor.

Diferentemente dos buracos negros, não há, ainda, uma busca específica direcionada à descoberta dos buracos de minhoca. É difícil até mesmo fazer uma predição, no sentido do quê exatamente deveria ser visto no Universo que se identificasse como uma dessas fendas. Um buraco negro é localizável através do movimento intenso de partículas e estrelas ao redor de um ponto vazio, que não emite luz, mas no caso de um buraco de minhoca o que veríamos? “Seria como um buraco negro, mas existe outra coisa do outro lado, para onde a matéria está indo, então talvez não enxergássemos nenhuma anormalidade”, comenta Luiz Vitor.

Apesar desta diferença no nível do visível, os fenômenos que levam à formação de todas as fendas neste continuum são muito similares. Basicamente, trata-se de uma grande concentração de massa que geraria uma força gravitacional tão intensa que dobraria o espaço-tempo. “A única forma que conhecemos capaz de curvar o espaço-tempo é a gravidade”, aponta o pesquisador. A não ser, é claro, nos primórdios do Universo, durante o processo de expansão acelerada que sofreu, a partir do Big Bang. Pense em um elástico, que você estica muito rápido: você estará criando ranhuras, estrias, no material. Esta é também uma explicação para o que os teóricos chamam de “defeitos topológicos” no continuum espaço-tempo. O buraco de minhoca é apenas um destes defeitos. “O Universo está – ou pode estar – repleto destes pontos descontínuos”, revela ele. Aliás, há teorias propondo que buracos de minhoca subatômicos e naturais se formem ao redor do Universo, desaparecendo muito rápido.

Matéria exótica

A matéria exótica recebe este nome justamente por ser muito pouco conhecida pelos especialistas. A forma mais famosa de matéria exótica, atualmente, é a misteriosa matéria escura. Este tipo de matéria, que instiga os cientistas da área, não emite luz. Trata-se de uma força misteriosa que age na gravidade, unindo as galáxias. Segundo Luiz Vitor, a matéria escura é um tipo de gravidade que, dependendo de sua distribuição, poderia causar tais dobras no continuum espaço-tempo. “É algo possível, mas não detectado pela teoria, pois é uma massa com características muito particulares, ou seja, suas partículas não se comportam como as partículas que temos aqui perto da Terra”, explica ele, que tem se dedicado a áreas relacionadas há anos.

Para antecipar perguntas clássicas que surgem a partir da hipótese de um buraco de minhoca, como “qual seria o comportamento de astropartículas no interior dessa fenda?”, “como seria possível ultrapasssar a velocidade da luz sem se transformar em pura energia?” ou, mais instigante ainda, “a viagem no tempo é possível?”, Luiz Vitor já adianta que a nossa Física atual não está preparada para responder a essas questões com firmeza.

Ele explica que, para estudar coisas de massa muito grande, no Universo, aplica-se a Teoria da Relatividade Geral e, para estudar coisas de massa muito densa, aplica-se princípios de Mecânica Quântica. E estas duas disciplinas não são descritas no mesmo quadro de trabalho. “Para prever o que aconteceria com objetos dentro de uma dessas falhas do espaço-tempo, ou mesmo em sua periferia, seria necessário utilizar as duas teorias simultaneamente, e ninguém conhece essa Física”, lamenta ele. Segundo ele, é possível traçar estimativas, mas os cientistas admitem suas limitações em um caso em que a concentração de partículas é muito grande e a massa é muito alta. Além disso, estima-se que, para serem transponíveis, os buracos negros exijam a existência de um tipo de matéria que possua densidade de energia negativa, o que, mais uma vez, não passa de mera conjectura teórica: não se pode provar nem refutar a existência deste tipo de matéria.

Nos parâmetros atuais, enquanto resultados de equações, tem-se que a viagem no tempo, como imaginamos, seria possível fora das ficções científicas, sim. “O buraco de minhoca não seria apenas uma viagem no espaço. É, de fato, uma viagem no tempo. Mas enquanto não houver medidas, experimentos, observações, não passa de especulação”, conta. “Por isso, a pesquisa do tema é tão interessante. Quando estudamos a fronteira do conhecimento, geramos avanço”, completa.

Todas essas soluções matemáticas, que abrem espaço para a hipótese de fendas na relação espaço-tempo no Universo, têm ganhado notoriedade justamente pela almejada possibilidade de viajar no tempo. Se comprovado, compreendido e dominado, o buraco de minhoca poderia ser reproduzido e utilizado para esta finalidade. Mas, obviamente, os cientistas que se empenham neste tipo de pesquisa têm menos esse objetivo em mente e mais a ambição de explorar e resolver a geometria do Universo. Menos apegados ao teor tecnológico da investigação, uma vez esclarecidos sobre esta geometria, os cientistas poderiam aplicar estas soluções matemáticas em outros problemas, como a descrição de grandes conjuntos de galáxias e estrelas complexas. No entanto, ainda que esteja longe de nossa realidade atual, a ideia está também longe de ser descartada.

“A Física não diz que isso é impossível e a postura de um físico sempre será ‘se a teoria não descarta, vale a pena tentar’. Nada que conhecemos impede uma viagem no tempo”, conta ele. Na teoria de Einstein de continuum espaço-tempo, não há exatamente uma diferença entre viajar de São Carlos até São Paulo e viajar de hoje para ontem. Mesmo na descrição de um princípio da Termodinâmica, que propõe que todas as coisas do Universo caminham para a desordem, e que esta tendência regula a seta do tempo para frente, não há indícios da completa inexistência de um mecanismo que possa reverter este quadro.

“A preocupação humana com o tempo é um reflexo da intenção de prolongar a vida, da tentativa insistente de driblar o fim, mas este é um problema intelectual muito mais interessante, porque nós temos uma percepção do tempo muito rígida e ainda é muito enigmático pensar de outra forma. Estes problemas são perfeitos para isso, pois colocam a Física como conhecemos em condições extremas”, finaliza o pesquisador.

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Assessoria de Comunicação

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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