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9 de setembro de 2011

A ciência contra o crime

Esqueça (quase) tudo o que você viu em CSI ou Law and Order. Para entender a função exata de um perito, esclarecimentos podem reparar alguns equívocos apresentados nos famosos seriados investigativos. Mas, ainda mais curioso, é saber como uma ciência pura, especificamente a física, pode se tornar arma fundamental para resolver os mais diversos enigmas da esfera criminal

PolciaSe, na ficção científica, ele é destaque, na vida real poucos estão familiarizados com o cotidiano de um perito da polícia técnico-científica. Para se ter uma pequena ideia de sua importância, ele é o primeiro a ter acesso à intocada cena do crime e pode ser o primeiro, também, a solucionar ocorrências, dos mais diferentes níveis de gravidade e complexidade. “A polícia militar é a primeira a chegar ao local de um crime, mas sua função se limita, num primeiro momento, a preservá-lo intacto. Logo depois, vêm os peritos, para analisar a cena e buscar evidências objetivas, juntando o maior número de dados e provas. Dizemos que ‘o perito é o dono do local do crime’”, explica Fernando Crnkovic, mestre e doutor em Química pela Universidade de São Paulo (USP) e, atualmente, perito criminal oficial do Instituto de Criminalística da Superintendência da Polícia Técnico-Científica de São Paulo.

O que ainda menos pessoas sabem é que ciências básicas têm grande importância no trabalho desse profissional. Prova disso é que o saber nas áreas, exata e biológica, já se faz necessário antes mesmo da investidura no cargo. “A prova do concurso público para perito é cheia de questões de matemática, física e química, justamente pela importância que elas assumirão no cotidiano desse profissional”, conta Fernando.

Fernando e sua equipe, atualmente formada por oito peritos- físicos, químicos, farmacêuticos e engenheiros -atendem aos mais diversos delitos. Crimes contra pessoa ou patrimônio, ocultação de cadáver, mortes suspeitas, acidentes de trânsito e trabalho são algumas das ocorrências pelas quais os peritos são, frequentemente, acionados. “É a perícia que garante a perpetuação da cena do crime. Se há pessoas feridas no local, temos a obrigação de ajudá-las. Mas, se há mortos, impedimos a entrada de terceiros, para evitar que o local possa ser manipulado, atrapalhando nosso trabalho”.

E a física com isso?

Mas, seja qual for o delito, uma observação curiosa se faz presente em todos eles: ferramentas e conceitos de física são incorporados, frequentemente, para resolução das ocorrências e assumem papel fundamental e, sobretudo, catalisador na resolução dos casos.

Em julho de 2007, no acidente envolvendo o Air Bus da TAM, cálculo da velocidade de colisão, banda de rodagem do pneu e resgate de materiais biológicos por equipamentos de luz, infravermelho e ultravioleta, foram importantes conceitos e ferramentas utilizados pelos peritos do caso. “Força de atrito, desaceleração, energia etc., são conceitos populares, frequentemente aplicados em conjunto com outras ciências, como a química ou a biologia, nesses casos”, explica Daniel Augusto T. Vanzella, professor de Física Teórica, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP).

Em acidentes de trânsito comuns, por exemplo, a física-mecânica assume grande importância. “Podemos calcular a velocidade de colisão de um carro nos utilizando de conceitos fornecidos por essa área específica”, conta Fernando. O perito afirma que, muitas vezes, o levantamento de dados materiais, utilizando-se de tais técnicas, pode ser conclusivo. “Ângulo, distância percorrida, marcas de frenagem, tudo isso é levado em conta”.

No caso de homicídios, o cadáver encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML), sofrerá os chamados “exames invasivos” (abertura da calota craniana, região torácica e abdominal). “Esse exame, considerado o ‘beabá’ da necropsia, possibilitará a recuperação de projéteis”, elucida Fernando.

Nesse momento, a física poderá exercer importante papel. “Analisando-se o impacto de um projétil no corpo, pode ser possível calcular a distância de onde foi dado o tiro e saber se trata-se de um suicídio ou assassinato”, explica Daniel.

 

Até mesmo no roubo de aparelhos celulares, a física pode entrar como protagonista. “Celulares trocam informações através de antenas espalhadas. No caso do roubo desse equipamento, pela intensidade do sinal de recepção de cada uma das antenas, é possível determinar a localização ou distância que se encontra o aparelho”, exemplifica Daniel.

Instrumentos de análise

FernandoSe, em um primeiro momento, técnicas de física auxiliam os peritos na coleta de dados, alguns instrumentos tradicionais da área também têm importante papel. A microscopia eletrônica ou de força atômica trarão um diagnóstico detalhado e, muitas vezes, conclusivo para casos específicos. “Para um perito, como não há limite pela busca da verdade, já que devemos ser extremamente objetivos, algumas vezes é preciso recorrer às universidades e pesquisadores para nos auxiliar, emprestando-nos equipamentos e, inclusive, complementando nossas análises”, comenta Fernando.

Outra observação importante diz respeito aos princípios físicos, presentes em grande parte dos procedimentos e técnicas. A física, em conjunto com outras ciências, como a química ou a biologia, estará presente em quase 100% dos casos. “Nos seriados investigativos, é muito comum vermos os peritos se utilizarem de um aparelho que emite uma luz ultravioleta. Manchas de sangue, mesmo depois de lavadas, se tornam fluorescentes sob luz ultravioleta, depois de tratadas com uma substância química como o luminol. Isso nada mais é do que um fenômeno físico-químico”, explica Daniel.

Quando aspectos sociais entram no jogo

Em relação aos famosos e numerosos seriados e filmes que têm como enredo as mais diversas ocorrências policiais, Fernando afirma que “muito do que é retratado é real, mas um erro comum a quase todos é misturar a figura do investigador com a do perito. Trabalhamos, apenas, com provas objetivas e não levamos em consideração, por exemplo, se ‘fulano que morreu tinha rixa com o cicrano’. Esse tipo de informação só interessa ao investigador”, esclarece.

No que diz respeito à realidade desse profissional, ele conta que, há mais ou menos um mês, participou de um workshop ministrado por Joseph Blozis, investigador aposentado do Departamento de Polícia de Nova Iorque. “Joseph fez simulações e explicou, com detalhes, alguns procedimentos realizados na polícia de NI e vi que, em muitos casos, utilizamos métodos idênticos”, afirma.

Fernando conta que a principal diferença está relacionada à quantidade de profissionais disponível nos dois países. “Em São Paulo, para mais de 40 milhões de habitantes, somos em, mais ou menos, 1.200 peritos. Excluindo-se os cargos administrativos e burocráticos, restam, em média, 800 peritos para atender todo estado. O ideal, até de acordo com órgãos internacionais, seria em torno de 4.500, 5.000 peritos, para essa quantia da população”, conta Fernando. “Já nos EUA, só na cidade de Nova Iorque, já existem verbas disponíveis para contratar 400 peritos, apenas para trabalhar com análise de DNA”.

E a escassez não para por aí. Ainda em comparação aos peritos estadunidenses, as especialidades de cada um não se misturam. “Nos EUA, há especialistas para cada modalidade da polícia técnica: peritos em impressão digital, peritos para análise de DNA e assim por diante. Aqui, nós cuidamos de todas as modalidades, ao mesmo tempo”, conta.

Com tais informações em mente, não fica difícil concluir o caso: no Brasil, não é a tecnologia nem o profissional da polícia técnico-científica que deixam a desejar. Como quase tudo que diz respeito a aspectos sociais, a falta de recursos continua sendo o grande problema.

Porém, enquanto não se encontra solução para esse caso, é importante que fique muito bem esclarecido que, tanto na ficção quanto na realidade, a ciência, certamente, entra como grande aliada dos policiais, validando, mais do que nunca, o fato de que não existe crime perfeito.

Assessoria de Comunicação

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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