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11 de maio de 2012

A ameba fatal

Essa doença leva de 10 a 12 dias para matar uma pessoa. A infecção que causa no organismo é tão grave que não há tempo, sequer, para fazer um diagnóstico. Não, não estamos falando de uma doença nova, mas sim da Meningoencefalite Amebiana Primária (MAP), causada por um ser unicelular (com uma só célula) que já existe a 1,2 bilhão de anos, a Naegleria fowleri.

NaegleriaA poderosa ameba, que faz parte de uma classe de amebas de vida livre, vive em locais assustadores para nós, uma vez que, regularmente, frequentamos águas mornas recreacionais. Sim: piscinas não cloradas ou pouco cloradas, águas de rios, lagos, represas e, até mesmo, caixas d´água são o habitat da Naegleria, que entra no organismo através da mucosa nasal, indo, finalmente, até o sistema nervoso central e matando o hospedeiro.

Mas, embora os dados escassos sobre a doença no Brasil não permitam tirar conclusões sobre a parasitose, o número de infectados nos EUA, por exemplo, não chega a oito por ano.

Porém, mesmo fazendo um pequeno número de vítimas, a incidência de MAP tem aumentado, em virtude do aquecimento global, que deixa as águas mais aquecidas, tornando-as propícias à proliferação da Naegleria. Com sete vítimas da MAP nos EUA, antes mesmo do término do primeiro semestre de 2012, o assunto ganhou maior notoriedade, assim como tem crescido o número de pesquisadores interessados em estudá-la.

No Grupo de Cristalografia (GC) do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), o pesquisador, Marco Túlio Alves da Silva, com o auxílio do docente do IFSC, Otavio Thiemann, e dos pesquisadores, Fernanda Cristina Costa (IFSC/USP), Daniel Silvestre (Faculdade de Medicina- FM/USP) e Victor Caldas (IFSC/USP) dedicam seu tempo para estudar a ameba, mas, espertamente, encontraram uma alternativa muito menos arriscada: analisar sua “parente”, a Naegleria gruberi, que não é patogênica, ou seja, não transmite a fatal doença para humanos.

A Naegleria, em vida livre (no ambiente), é uma predadora e se alimenta de bactérias. Já em laboratório, a Neagleria gruberi cresce em meio axênico, onde todos os nutrientes são colocados para que a ameba cresça sozinha. “Se colocarmos bactérias nesse meio, ele não será mais axênico, pois ela terá outro organismo para ajudá-la a crescer”, explica Marco Tulio.

A vantagem do meio axênico é que não há interferência de outros organismos vivos. “Na ausência de outros organismos, não existirá a interferência do metabolismo de um no metabolismo do outro, portanto conseguimos trabalhar melhor”, conta Tulio.

O principal objetivo dessa pesquisa, no entanto, é o entendimento sobre a maneira como um aminoácido raro, chamado “selenocisteína”, é incorporado em proteínas específicas de Naegleria, chamada de selenoproteínas. Mas, qual o porquê disso?

Proteínas e aminoácidos chave

Há três anos, não se conhecia o genoma da Neagleria. Consequentemente, não se sabia se a selenocisteína existia nesse organismo. O que já era sabido é que a presença desse aminoácido no organismo pode auxiliá-lo na sobrevivência em circunstâncias específicas. “A Naegleria está submetida a diferentes condições e, de vez em quando, há alterações muito bruscas no meio onde ela vive. Isso possibilita que ela use selenoproteínas, para se defender desse ambiente estressante”, elucida Tulio.

Assim, os pesquisadores do GC isolaram o gene da Naegleria gruberi, o qual sofreu uma provável fusão de dois genes. Como produto, observa-se a presença de uma proteína com dois domínios (diferentes regiões da proteína, que exercem distintas funções), cada um com uma função específica. Um deles está envolvido no processo de produção de selenocisteína e o outro auxiliaria na detoxificação de selênio, que consiste na retirada de selênio na célula. “Organismos de vida livre podem passar, em algum momento, a viver numa região rica em metal pesado, e o selênio, mesmo sendo muito importante para o organismo, em excesso, pode causar danos muito grandes”.

Embora o número de vítimas de Naegleria seja melhor contabilizado nos EUA, a doença causada pela ameba faz vítimas no mundo todo. “O que falta, no Brasil, são dados específicos sobre a Neagleria. No GC, começamos a trabalhar com uma ideia evolutiva, pois ela é muito antiga, e foi quando o trabalho começou a ganhar corpo”, conta o pós-doutorando.

Próximos passos

Naegleria-1A pesquisa caminha na identificação da estrutura da proteína descrita acima (com os dois domínios juntos) e na identificação de seus domínios independentemente. Tais domínios foram separados, através de técnicas de biologia molecular, e estão sendo estudados separadamente. “Agora tentaremos entender a estrutura desses domínios isoladamente e em conjunto”, explica Tulio.

Esse tipo de estudo, que possibilita a visualização de regiões diferentes da proteína, permite, também, pensar-se em inibidores à doença. “Embora estejamos em uma etapa preliminar, podemos desenhar inibidores, que não interfiram na célula humana”.

Pesquisas anteriores já trazem dados interessantes sobre a Neagleria: 60% da poeira doméstica têm cistos de amebas de vida livre. Só não se sabe se são da Neagleria fowleri, sua “versão” mortal.

As infecções causadas por amebas de vida livre- caso da Naegleria- são erráticas, ou seja, não deveriam ocorrer no organismo humano. Por esse motivo, sua evolução no organismo é extremamente rápida e, geralmente, acomete o sistema nervoso central. O tratamento existe, mas, pela rapidez com que se dissemina, não há tempo para cura ou sequer para o diagnóstico. “A maioria dos diagnósticos de Neagleria é feito post mortem”, explica Tulio.

Trabalhando, em princípio, somente com pesquisa básica, Tulio conta que sente falta de dados no Brasil sobre a doença. A escassez de informação também atrapalha a pesquisa e sua consequente evolução. “Não tenho o número de casos de MAP no Brasil, regiões mais expostas; não temos dados de como a atividade industrial pode aumentar ou diminuir o número de formas de Neagleria“, afirma o pesquisador.

Portanto, embora trate-se de uma doença rara, a fatalidade da MAP é motivo suficiente para estudos mais dedicados e aprofundados. Alguns pesquisadores brasileiros, incluindo os do IFSC, já estão fazendo sua parte. Basta que mais esforços sejam despejados para que essa doença passe do “cargo” de mortal para escassa e, com muito otimismo, erradicada.

Assessoria de Comunicação

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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