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17 de outubro de 2016

Por que “exótico”?

“Se você é um topologista, tem uma coisa interessante sobre isso: o pão não tem um buraco, o bagel tem um buraco e o pretzel tem dois buracos. O número de buracos é algo que chamamos de invariável topológica”. Foi com essa analogia que um dos membros do comitê para física do prêmio Nobel, Thors Hans Hansson, justificou a milhões de pessoas que assistiam ao anúncio do Prêmio Nobel de Física de 2016 a importância da descoberta que obteve o famoso prêmio, anunciado no dia 4 de outubro, e angariado pelos três cientistas britânicos, David J. Thouless, F. Duncan M. Haldane e J. Michael Kosterlitz.

Nobel_de_Fisica_2016Mas o que bagels, pretzels e pães têm a ver com as “descobertas teóricas das transições de fases topológicas da matéria”, responsável pelo Nobel deste ano? Antes de trazer essa explicação, façamos uma viagem no tempo, mais especificamente à década de 1970.

Lembra-se daquela aula de química no ensino médio, quando o professor falava que a evaporação era a transformação da água de seu estado líquido para o estado gasoso? Isso é o que se chama de “transição de fase da matéria”. Esse fenômeno, no entanto, não ocorre somente com a água, mas com qualquer tipo de material ou elemento existente na natureza, e entender como as transições de fase ocorrem em diferentes materiais era o assunto do momento nos anos 70. “Nessa época, muitos pesquisadores da área estudavam a ‘teoria de Landau’, que explicava a transição de fases de qualquer tipo de matéria”, explica Eric de Castro e Andrade, docente do Grupo de Física Teórica do Instituto de Física de São Carlos (GFT-IFSC/USP).

Foi nessa época, também, que alguns pesquisadores viram a necessidade de ir além da teoria de Landau, já que a consideravam incompleta. Entre eles, estavam Kosterlitz e Thouless, que, ainda na década de 1970, descobriram uma característica bastante inusitada nos materiais magnéticos, que contrariava um dos no go theorems da física: não pode haver uma transição de fase em duas dimensões à temperatura finita sobre certas condições. Kosterlitz e Thouless descobriram que era, sim, possível haver uma transição de fase em duas dimensões, e a nomearam como “transição de fase topológica”.

Por definição, “topologia” é o ramo da matemática que estuda propriedades de figuras geométricas que não variam quando essas figuras sofrem deformação. Kosterlitz e Thouless descobriram que, nas transições de fase topológicas, os spins dos elétrons presos aos núcleos atômicos de materiais muito finos, sem profundidade (portanto, sem a terceira dimensão) e em baixas temperaturas, poderiam não só mudar de fase, como também formar vórtices. Esses vórtices, ao se ligarem, alteram a propriedade (forma) do material, como se um bagel se transformasse em um pão. “O vórtice é como uma entidade que só aparece em baixas temperaturas, e é impossível ser destruído por perturbações locais”, explica Eric.

Nobel_de_Fisica-FSPA descoberta dos dois pesquisadores trouxe um novo uso à topologia, aproximando-o a área de física, o que seria novamente evidenciado pouco tempo depois por Haldane, graças aos seus estudos que resultaram na descoberta do chamado “estado de borda”, estado topológico que existe nas bordas do material, e que é extremamente robusto. “Essa é a conexão com topologia que tem sido muito utilizada hoje em dia, e são justamente os estados de borda que determinam a estabilidade e as propriedades do sistema a baixas temperaturas”, elucida Eric.

Portanto, Kosterlitz, Thouless e Haldane conseguiram, através da identificação dessa estabilidade de sistemas topológicos, descobrir estados “exóticos” da matéria. Exóticos, porque, em baixas temperaturas, as fases de transição podem, justamente, ultrapassar os conhecidos estados sólido, líquido e gasoso.

Novas janelas para velhas pesquisas

Por se tratar de um estudo básico, fica difícil prever quais as possíveis aplicações da descoberta do trio britânico, mas algumas possibilidades já acenam como, por exemplo, a viabilização da famosa “computação quântica”. “Os computadores quânticos necessitam de sistemas estáveis para seu bom funcionamento. Os sistemas precisam de ‘coerência quântica’, ou seja, não podem ser afetados pelo ambiente. A robustez oferecida pelos estados topológicos da matéria permite que os sistemas quânticos se mantenham estáveis, sem a interferência do meio externo. Mas, claro, isso tudo são teorias, e nada pode ser garantido com 100% de certeza, pelo menos por enquanto”, ressalta o docente.

Quando um dos membros do comitê do Nobel de física afirma que a descoberta “transforma a maneira que cientistas pensam sobre os materiais”, a afirmação refere-se justamente à “criação” dos isolantes topológicos. Se novas possibilidades de estudos foram abertas na área de materiais, graças à descoberta dos “isolantes topológicos”, que destacam “propriedades exóticas da matéria”, essas possibilidades podem também ser extrapoladas para outros materiais, abrindo, portanto, novas linhas de pesquisa. “Isolantes topológicos na área de física dos materiais se tornou um tópico de intensa pesquisa, a partir de meados da década passada, após sugestões de que as descobertas feitas por esses três físicos poderiam ser observadas em mais materiais do que se pensava inicialmente. Aqueles que fazem parte da área de física dos materiais passaram a olhar para alguns isolantes de banda de maneira mais interessante”, afirma Eric.

Mesmo que tudo pareça muito promissor, Eric ressalta que isso não significa que alguma aplicação poderá ser realmente possível com base nessas novas informações sobre os materiais, especialmente quando o olhar é voltado à computação quântica. Por outro lado, essas descobertas “refinam” o olhar dos pesquisadores, e interferem em outras áreas de pesquisa da física, como a spintrônica, que parte do conceito de se fazer eletrônica através dos spins dos elétrons. “Existe uma grande área de pesquisa focada nas propriedades topológicas dos materiais, ou seja, encontrar materiais que possuam essas características topológicas. Porém, isso é algo muito trabalhoso, e ainda existem poucos exemplos na literatura que confirmem essas possibilidades”, diz Eric.

Para o docente, o grande mérito do trabalho de Thouless, Haldane e Kosterlitz foi ter encontrado a estabilidade em algo, aparentemente, quase impossível de ser estável, conforme algumas teorias pregavam. O trabalho do trio britânico, no entanto, prova que nada na ciência é duradouro, e que novas descobertas podem colocar em xeque até as teorias mais bem estabelecidas. É assim que notórias teorias são revistas e que a Ciência é realmente capaz de avançar.

Imagem 1: Vencedores do Nobel de Física 2016 (crédito: The Guardian)

Imagem 2: Vórtices (crédito: Folha de São Paulo)

Assessoria de Comunicação- IFSC/USP

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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