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11 de julho de 2016

Novo paradigma para ciência e tecnologia

Numa palestra ministrada em junho deste ano na Universidade Presbiteriana Mackenzie, o Prof. Dr. Osvaldo Novais de Oliveira Jr., do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), sugeriu que estamos próximos a uma transição para um novo paradigma de ciência e tecnologia. É o que ele chamou de quinto paradigma, que se diferenciará dos quatro iniciais, que foram: i) descoberta a partir de observações empíricas – desde os primórdios da civilização; ii) geração de conhecimento com teorias e experimentos, a partir do Renascimento; iii) geração de conhecimento com teorias, experimentos e simulações computacionais, no século XX; iv) conhecimento gerado com teorias, experimentos, simulações e inferência com grandes bases de dados (Big Data ou e-Science), no século XXI. No quinto paradigma, a essas quatro possibilidades se somaria a geração de conhecimento totalmente feita pela máquina.

Para o docente, essa abordagem é diferente de tudo aquilo que já se presenciou em ciência até hoje. Por mais que tenha havido evoluções na maneira como se desenvolve ciência e tecnologia, nunca se chegou numa situação em que a máquina pudesse gerar conhecimento. No futuro, pode-se até conceber a publicação de artigos com o conhecimento gerado pela própria máquina. Ou seja, a máquina realizaria todo o ciclo de proposição e resolução de um problema científico, culminando com a publicação.

Para entender a opinião do docente, acompanhe abaixo sua discussão sobre robôs inteligentes em entrevista à assessoria de comunicação do IFSC/USP.

Robôs inteligentes: da ficção científica à realidade

Muitas previsões da ficção científica se tornaram realidade, como a ida do homem à lua, imaginada por Júlio Verne no livro Da Terra à Lua (1865), o cartão de crédito, mencionado por Edward Bellamy em Daqui a Cem Anos – Revendo o Futuro (1888), e o satélite de comunicação, idealizado por Arthur Clarke e retratado no filme 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968), dirigido por Stanley Kubrick. Por outro lado, cenários futurísticos de obras literárias e filmes, com robôs dotados de capacidade de fala, pensamento e sentimento, semelhante ou superior à do homo sapiens, ainda parecem longe de acontecer. Parte da comunidade científica, entretanto, dá como certa a criação de máquinas com inteligência semelhante à dos humanos, dentro de duas ou três décadas.

evolucao_robotica_250A opinião desses cientistas se baseia nos vários exemplos de máquinas com algum grau de inteligência, criadas nos últimos anos. Uma rápida pesquisa na internet permite encontrar reportagens sobre máquinas que fazem o trabalho de um enfermeiro ou garçom, que lavam e passam roupas, que cozinham e limpam casas, e de carros autônomos que dispensam motorista. Apesar de inteligentes, essas máquinas meramente reproduzem tarefas mecânicas. Mas já há muitos casos em que máquinas substitutem humanos em atividades intelectuais, como os dois exemplos abaixo.

Alunos de pós-graduação de um curso online do Instituto de Tecnologia da Georgia (Georgia Tech), nos Estados Unidos, foram orientados por um time de assistentes de ensino, que incluía um sistema computacional denominado Jill Watson. Até quase o final do curso, os alunos não desconfiaram que Jill não era uma assistente humana. Para responder às questões dos alunos, passando-se como assistente humana, Jill foi treinada pelos pesquisadores da Georgia Tech com uma base de dados com quarenta mil postagens de um fórum de discussão online, de cursos anteriores.

Jill não é a única máquina IA com um “cargo” profissional. A IBM desenvolveu um sistema chamado ROSS que foi contratado pelo escritório de advocacia nova-iorquino Baker & Hostetler, tendo se tornado o primeiro advogado com inteligência artificial. ROSS usa o hardware do computador Watson, que em 2011 venceu humanos num jogo do programa televisivo Jeopardy!. Foi criado para compreender texto escrito, fornecer perguntas e respostas, formular hipóteses e acessar todos os tópicos relacionados à legislação e à jurisprudência, além de fontes secundárias. E quanto mais ele trabalha, mais habilidade adquire.

Essas novidades só têm ocorrido com tanta velocidade devido ao grande número de pesquisadores que se dedicam às áreas de IA e de aprendizado de máquina – técnica que consiste em treinar algoritmos para que sigam uma série de padrões.

O Prof. Osvaldo Novais diz que a revolução com inteligência artificial já está em curso, mas que não tem recebido a devida atenção. “Minha explicação para isso é que essa revolução foi prevista em livros e filmes de ficção científica, mas há grande descrença por parte das pessoas, porque essas previsões não se concretizaram até hoje”, explica. Novais não estranha esse ceticismo, pois ele próprio não acreditava que alguns feitos com processamento de língua natural a partir de computadores pudessem ser atingidos, o que ocorreu nos últimos quatro ou cinco anos. Como exemplos, podem ser mencionados os tradutores automáticos que se sofisticaram muito, e os sistemas de processamento de fala, que já “compreendem” razoavelmente a fala de humanos, em muitas línguas.

De fato, um dos maiores desafios da Inteligência Artificial é dotar computadores da habilidade de “compreender” e “gerar” textos, ou seja, processar língua natural. Para Novais, a despeito da grande capacidade de armazenamento e processamento de dados, muito superior à do homem, as máquinas ainda têm poder muito limitado para interpretar texto. Além das dificuldades com o conteúdo sintático e semântico, e com ambiguidades típicas de um texto, há ainda o problema de adquirir conhecimento de mundo para uma máquina poder se comunicar como o fazem os humanos. Significa entender o contexto. Uma ilustração do porquê é tão difícil adquirir esse tipo de conhecimento pode ser identificada em situações que nós humanos passamos quando assistimos a um noticiário local em região com a qual temos pouca familiaridade. Pois, embora possamos entender com facilidade o idioma desse telejornal, dificilmente saberemos o contexto de suas notícias, que relatam fatos e lugares que não conhecemos.

O ensino de contexto aos computadores, segundo Osvaldo Novais, não representa uma barreira intransponível. Ao contrário do que muitos cientistas acreditavam, as máquinas podem aprender apenas com exemplos. Para o docente, aprender com base em exemplos é uma técnica que sempre foi utilizada pelo homo sapiens. Uma criança aprende um idioma através de exemplos e não por explicações de regras.

Uma analogia pode servir para explicar o estágio de desenvolvimento de computadores. Todos sabemos que humanos podem aprender assuntos complexos, como teoria quântica. Mas não são todos os humanos que podem. Uma criança pequena, por exemplo, não pode. Para muitas tarefas, um computador hoje tem a capacidade de uma criança. Com treinamento e grande poder de processamento, computadores poderão realizar tarefas intelectuais de humanos adultos. Isso, segundo Novais, traz uma nova perspectiva à área de IA, pois, se tiver a mesma capacidade de memória e processamento – bem como o mesmo mecanismo de aprendizagem – do humano, o computador poderá aprender como qualquer pessoa. “Os exemplos bem-sucedidos ainda são limitados, mas já temos demonstrações [como Jill Watson e ROSS] de que essa evolução está acontecendo”.

Mas será que um robô teria essa capacidade para desenvolver trabalhos científicos? Osvaldo Novais acredita que sim, por dois motivos: o primeiro é porque já há super-computadores com desempenhos que eram inimagináveis há alguns anos. Além disso, os processamentos podem ser feitos a partir de várias máquinas. Quando se usa um smartphone para fazer qualquer busca online, por exemplo, o dispositivo geralmente busca dados em bases secundárias. “É como se o cérebro de um humano estivesse conectado a vários outros, obtendo informações de outras pessoas”.

Para o Prof. Osvaldo, o nível de dificuldade para se criar um robô capaz de gerar conhecimento é semelhante ao do desenvolvimento de Jill Watson e ROSS. O docente explica que todas as ferramentas (como alta capacidade de armazenamento e processamento de dados, bem como processamento de língua natural) para que uma máquina faça um trabalho científico autônomo já existem. Bastam apenas recursos e pesquisas para entender como integrar essas ferramentas. “A minha previsão é baseada em sistemas existentes. Não é ficção científica, mas previsão científica”.

Restarão empregos aos humanos?

Para Novais, num futuro próximo, à medida que se aproxime a transição para o quinto paradigma, serão requeridos profissionais humanos muito qualificados para desenvolver as super-máquinas. Ao contrário desses futuros profissionais, que poderão ter seus empregos garantidos para desenvolver robôs e sistemas cada vez mais sofisticados, muitos outros funcionários serão substituídos pelas máquinas. É semelhante ao que ocorreu com a Revolução Industrial, e mais recentemente com o surgimento de sistemas informatizados. “Nós deveremos ter uma grande revolução no mercado de trabalho, porque as máquinas farão tarefas de uma maneira muito melhor que os homens fazem hoje”.

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Mais do que entender como dar “vida” aos robôs inteligentes, será necessário estudar quais tarefas restarão aos humanos, uma vez que grande parte do mercado poderá ser dominada por sistemas de inteligência artificial. Novais pontua que, nesse sentido, já existem países, como Suíça e Finlândia, discutindo a possibilidade de oferecer renda mínima à população, que eventualmente poderá trabalhar apenas caso queira, já que talvez sua participação no ambiente profissional não será imprescindível nesse cenário futurístico.

Resumindo, daqui a poucas décadas, segundo Novais, a definição de emprego poderá ser completamente alterada. Mas não é diferente do que ocorreu no passado recente. Se compararmos qualquer ambiente de trabalho hoje com os ambientes de há cem anos, verificaremos uma evolução que seria impossível prever. “Se transportássemos alguém do início do século XX para uma sala em que dezenas de pessoas trabalhassem em computadores, esse indivíduo não entenderia o que estaria se passando, e nem acreditaria que essas pessoas estivessem de fato trabalhando”.

*A IA é uma área de pesquisa, a partir da qual se desenvolvem dispositivos capazes de simular, em máquinas, comportamentos ou habilidades semelhantes aos dos seres humanos;

Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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