Notícias

22 de maio de 2022

Um Mestre se foi…

Pessoas mais qualificadas do que eu, e que conheceram o PROFESSOR DJALMA MIRABELLI REDONDO há mais tempo, já falaram sobre ele, de suas contribuições pessoais, profissionais e, sobretudo, didáticas na rica vida do campus da USP em São Carlos. Mesmo assim, sinto-me compelido, por profunda gratidão e respeito, a dar meu testemunho pessoal.

Já quando eu estava em meu segundo ano de faculdade, ouvia os
comentários dos veteranos acerca da disciplina de Física-Matemática: “Aquela matéria onde você tirará todas as suas dúvidas sobre física que acumulou desde a primeira aula de Cálculo.” “Equação de Poisson? Não se preocupe, quando você a vir em Eletromagnetismo, já terá resolvido de n formas, do avesso e de trás para frente, em Física-Matemática.”

“Você não se forma aqui sem passar pelo Djalma!”

Com o tempo, comecei a prestar atenção no Djalma ao encontrá-lo pelo campus, um senhor andando calma mas resolutamente no final da tarde, da biblioteca para a saída do campus na rua Miguel Petroni. Ou, então, em frente à biblioteca, conversando com estudantes com sua voz baixa e seus gestos expansivos.

Fiquei com uma imagem de serenidade, cultivando expectativas que foram correspondidas quando me tornei um de seus estudantes em 2004. Divido meu curso de graduação entre antes e depois do Professor Djalma. Suas aulas eram extremamente bem-estruturadas, com começo, meio e fim. Nas suas explicações, havia o rigor das demonstrações matemáticas, com seus épsilons e deltas que tanto me assustaram nas disciplinas de Cálculo, mas agora de forma compreensível. Eu conseguia entender tópicos extremamente elaborados – como as condições de Cauchy-Riemann, integrações por resíduo ou transformadas de Laplace – em cada detalhe, algo que não conseguira antes (talvez por minha própria imaturidade). Isso, para mim – como para qualquer estudante de exatas – era enriquecedor e gratificante.

Em suas exposições, exibia para nós também seu amplo conhecimento de história e filosofia, procurava nos transmitir a motivação e o contexto científico da época em que determinado conceito ou resultado havia se originado. Não era possível acompanhar seu curso tendo apenas um único livro-texto: cada tópico possuía suas próprias referências, mencionadas na ocasião, de livros consagrados como Morse e Feshbach, Butkov ou Kreyszig, aos menos conhecidos da extinta editora soviética Mir como Tikhonov e Samarskii, ou Budak e Fomín. Eu adorava procurar os volumes nas bibliotecas – do IFSC ou do ICMC – para fazer as minhas anotações, ir em sua sala para tirar dúvidas e, então, entrar em uma conversa demorada, recebendo outras indicações de leitura.

Uma característica do Professor Djalma que, com certeza, chamava a atenção de todos: ele já era aposentado há anos e, mesmo assim, ia todos os dias ao IFSC, fazia questão de ainda lecionar. Não havia pego uma disciplina qualquer, mas justamente Física-Matemática, decisiva para o curso de Física. Longe de apenas repetir o mesmíssimo conteúdo, de folhas manuscritas e amareladas preparadas anos antes, sua forma de
apresentar a disciplina mudava a cada ano! Várias vezes ao ir em sua sala eu o encontrava reescrevendo suas notas de aula, mudando o enfoque e a seqüência dos tópicos, ou até mesmo excluindo algum específico para aquele semestre, para dar lugar a algum que julgasse mais importante com base em conversas com os professores das demais disciplinas. Quando achava que algum tópico seria importante para nossa formação, mas o tempo previsto para a disciplina não seria suficiente para abordá-lo, o Professor Djalma se dispunha a ministrar aulas extras. Inclusive, ministrou para nós um curso de férias de preparação matemática para a Mecânica Quântica, que veríamos no último ano de faculdade.

Impossível não lembrar seu método exigente de avaliação. Em primeiro lugar, listas de exercícios semanais, que exploravam bem o conteúdo e demandavam dedicação. O restante da média seria referente às provas escritas individuais, cada uma com sua própria substitutiva na semana seguinte; quem ficasse com nota menor do que 5 em alguma prova (depois da oportunidade de recuperá-la com a substitutiva), mesmo que conseguisse compensar nas seguintes, já estaria automaticamente de recuperação. Por que o trabalho, para um professor aposentado, de corrigir listas e ficar aplicando provas a mais? Porque o conteúdo de Física-Matemática é vital para qualquer físico, não é possível ter lacunas, simplesmente ignorar determinado tópico. Pelo contrário, deveríamos demonstrar uma proficiência mínima em cada aspecto da disciplina.

Em meu ano como seu estudante ele escreveu um artigo, logo publicado no European Journal of Physics, onde analisava vibrações em membranas variando as condições de contorno, tendo como um dos co-autores o monitor da disciplina na época, Leonardo Castelano, hoje também professor. O destaque deste trabalho era o uso do software MAPLE para fazer simulações, lembro-me do entusiasmo do Djalma ao projetar as animações durante as aulas, ilustrando as aplicações das funções de Bessel. Tratava-se de um entusiasmo pela tecnologia e pelo potencial
pedagógico por ela proporcionado digno de um jovem recém-contratado.

Creio que a maioria dos professores (pelo menos comigo isso acontece com freqüência) já recebeu uma pergunta em sala-de-aula sobre algum aspecto da explicação, que pode até ser banal, mas que nos pega desprevenidos, obrigando-nos a uma pausa momentânea para pensar no assunto, às vezes até mesmo com ajuda do autor da pergunta – não deixa de ser um processo estimulante. Tínhamos histórias assim com nossos professores, provavelmente meus estudantes terão também comigo, porém
nunca vi, enquanto aluno, isso ocorrer com o Professor Djalma,
tampouco escutei relatos nesse sentido. Cada questionamento era sempre respondido prontamente, sem sinal de insegurança.

O Professor Djalma nunca se apressava, cada passo era explicado no tempo certo, e só quando havia a certeza de ter sido exposto da forma mais transparente possível, passava para o seguinte. Sem pular etapas, sem passagens misteriosas. Eu admirava muito sua calma e sua organização, a dignidade, a segurança e o respeito com que conduzia as aulas, e espero algum dia chegar à sua altura. É o modelo do professor
que eu gostaria de ser.

Descanse em paz, Mestre Djalma!

(Carlos Alexandre Brasil)

Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

Imprimir artigo
Compartilhe!
Share On Facebook
Share On Twitter
Share On Google Plus
Fale conosco
Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
Obrigado pela mensagem! Assim que possível entraremos em contato..