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14 de novembro de 2019

Pesquisa no IFSC/USP – Disseminação do gene blaKPC

Entre janeiro e julho de 2015, houve um aumento do número de casos de Klebsiella pneumoniae resistentes aos antibióticos carbapenêmicos (Ertapenem, Meropenem e Imipenem) em um hospital de Manaus. Esses antibióticos são considerados de “último recurso” e são usados em hospitais quando essas bactérias são resistentes aos outros antibióticos de acesso primário. Quando essas bactérias são resistentes aos carbapenêmicos, restam poucos antibióticos como alternativas de tratamento, como as polimixinas, por exemplo, e com isso, são chamadas de “Superbactérias”.

O grupo de pesquisa liderado pela Profa. Dra. Ilana L. B. C. Camargo, responsável pelo Laboratório de Epidemiologia e Microbiologia Molecular (LEMiMo) situado no IFSC-USP,  estudou amostras bacterianas provenientes de infecções de pacientes hospitalizados nesse período, com o objetivo de identificar quais genes de resistência estavam envolvidos na resistência aos carbapenêmicos e verificar se o aumento da resistência observado no hospital foi devido a disseminação de algum clone bacteriano, ou devido ao compartilhamento de um plasmídeo entre as bactérias (plasmídeos são elementos genéticos móveis que podem ser compartilhados por diferentes bactérias e transferir genes de resistência ou virulência de uma bactéria a outra).

Um total de 40 amostras de Klebsiella pneumoniae isoladas e identificadas pelo hospital nesse período, independentemente de serem resistentes aos carbapenêmicos, ou não, foram incluídas no estudo. Observou-se que oito dos quarenta isolados eram resistentes aos carbapenêmicos e considerados multirresistentes. Destes, dois isolados eram resistentes aos carbapenêmicos devido a alterações de porinas, que são “canais proteicos” localizados na parede celular das bactérias por onde os antibióticos podem passar para chegar ao seu interior e efetuar sua ação. Essas alterações são causadas por mutações aleatórias que ocorrem nos genes que codificam essas porinas e podem impedir/diminuir a entrada do antibiótico na célula bacteriana, deixando-a resistente ao antibiótico. Resistências causadas por mutações, só podem se disseminar entre os pacientes se o clone bacteriano resistente puder se espalhar, pois este mecanismo de resistência não pode ser “compartilhado” entre as diferentes bactérias, apenas se propaga de célula mãe para células filhas quando as células bacterianas se dividem.

No entanto, 6 isolados deste hospital continham o gene blaKPC que codifica a carbapenemase denominada Klebsiella penumoniae carbapenemase (KPC), uma enzima que degrada os antibióticos carbapenêmicos e que deixou muitas bactérias conhecidas como “Superbactérias KPC”. Esse gene é encontrado em elementos genéticos móveis, em geral em transposons carreados por plasmídeos, que podem ser transmitidos de uma bactéria para outra, sendo da mesma espécie ou não, por um processo conhecido como conjugação. Esse tipo de disseminação da resistência aos antibióticos é mais difícil de ser contido e a resistência pode se espalhar mais rapidamente se não houver conhecimento por parte dos profissionais do hospital.

 

Plasmídeo pAMKP10 que se disseminou entre amostras de Klebsiella spp. em um hospital de Manaus, causando um pequeno surto de resistência aos carbapenêmicos.

 

Neste estudo, o gene blaKPC não foi encontrado no transposon Tn4401, que se tem registrado no Brasil como principal carreador desta resistência. Quando o elemento genético móvel que carreia o gene blaKPC é diferente do Tn4401 ele é chamado de “non-Tn4401 element”, ou NTEKPC. Para identificar o NTEKPC envolvido nesta disseminação do gene blaKPC, algumas amostras bacterianas tiveram seu genoma sequenciado e, com isso, o grupo de pesquisa pode identificar algumas características interessantes que sugerem uma explicação para o início da disseminação deste gene neste hospital.

O gene blaKPC foi encontrado em um transposon muito parecido com o NTEKPC do tipo Ia encontrado na China. O NTEKPC encontrado nas amostras de Manaus contém os seguintes genes em um tipo de plasmídeo (IncX5) que não é comumente envolvido na disseminação da resistência aos carbapenêmicos: ∆ISKpn6/blaKPC-2/tnpA-ISKpn27/tnpR-Tn3/tnpA-ISEc63-like em uma unidade de transposon baseada no Tn1722. O plasmídeo envolvido na disseminação da resistência aos carbapenêmicos neste hospital foi denominado pAMKP10.

Curiosamente, observou-se que a primeira amostra bacteriana deste período estudado a apresentar o pAMKP10 não era da espécie Klebsiella pneumoniae, como previamente identificado pelos métodos usados no hospital, mas sim da espécie K. quasipneumoniae subsp. quasipneumoniae. É importante notar que não é possível fazer a distinção entre estas duas espécies pelos métodos clássicos de identificação bacteriana usados na maioria dos laboratórios clínicos. O LEMiMo só pode fazer a correta identificação graças ao sequenciamento do genoma realizado durante este estudo. Acreditava-se, até pouco tempo atrás, que essa espécie era encontrada apenas no meio ambiente e raramente estava envolvida em ambiente hospitalar ou casos de infecção. Através da tipagem por Pulsed Field Gel Electrophoresis (PFGE), comparou-se todos os isolados identificados como K. penumoniae do período estudado com a K. quasipneumoniae subsp. quasipneumoniae (denominada AMKP9) e verificou-se pela similaridade genética que não houve disseminação da mesma dentro desse período após seu primeiro isolamento. AMKP9 foi a primeira amostra a apresentar o pAMKP10 e somente após dois meses deste isolado é que pAMKP10 foi encontrado nas amostras de K. penumoniae – todas identificadas como ST11, uma linhagem com grande capacidade de disseminação no ambiente hospitalar e, em geral, multirresistente. Com isso, houve uma disseminação deste clone para pelo menos cinco pacientes neste hospital. Este estudo sugere que houve transferência do plasmídeo pAMKP10 contendo o gene de resistência entre K. quasipneumoniae subsp. quasipneumoniae e K. penumoniae, com posterior disseminação clonal desta última espécie bacteriana.

Este foi um estudo que fez parte do Doutorado da aluna Rosineide Cardoso de Souza (aluna do Programa de Pós-Graduação Em Genética Evolutiva e Biologia Molecular da UFSCar) juntamente com Andrei Nicoli G. Dabul (Pós-doutoranda no IFSC-USP), Camila Boralli e Luíza Zuvanov, alunas do Programa de Pós-Graduação do IFSC-USP. O trabalho foi recentemente publicado na revista Plasmid (Clique AQUI para conferir).

De agora em diante, é necessário investigar o impacto deste novo elemento genético carreando o gene blaKPC na sua disseminação, projeto que está atualmente em andamento no LEMiMo.

Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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