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16 de dezembro de 2015

Ressonância Paramagnética Eletrônica na datação arqueológica

Data – 6 de agosto de 1945: Hora – 8h15: Mais um dia despertava e o habitual movimento crescia nas avenidas e ruelas de Hiroshima, no Japão, sob o intenso calor do sol. Aproximando-se sorrateiro, o Boeing B-29 da Força Aérea norte-americana – Enola Gay -, lançou a primeira bomba atômica (batizada de Little Boy) sob a cidade japonesa, matando e ferindo largas dezenas de milhar de civis, emitindo uma radiação e calor similar à temperatura do astro rei. Acredita-se que esse ataque, ainda com sabor de vingança pela destruição da frota americana em Pearl Harbour, terá sido decisivo para a rendição do exército japonês às tropas aliadas (Estados Unidos, União Soviética e Império Britânico), já no declínio da Segunda Guerra Mundial. Há exatos 70 anos, portanto.

Outra data – 1956: Os Profs. Drs. Sérgio e Yvonne Mascarenhas, pioneiros no Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), partem do Rio de Janeiro rumo à cidade de São Carlos (SP), para iniciarem seus trabalhos no Departamento de Física* da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC/USP), onde começaram a atuar na área de Física do Estado Sólido (hoje conhecida como Física da Matéria Condensada). Aí, eles se envolveram com estudos interdisciplinares, trabalhando com física ligada a diversas técnicas, incluindo cristalografia e ressonância magnética. Nessa época, Sérgio também iniciou alguns trabalhos em física aplicada à medicina, mais especificamente às moléculas – hoje conhecidos como Biofísica Molecular -, área de pesquisa ainda presente no Instituto através do Grupo de Biofísica Molecular que leva seu nome – “Sérgio Mascarenhas”.

Em razão de seu interesse pela física-médica, o professor Mascarenhas Sergio1-300contatou alguns médicos da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto (FMRP/USP), propondo algumas inovações para pesquisas nessa área. Com o tempo, as conversas entre o docente do IFSC e os médicos da USP progrediram, e o Departamento de Física da EESC se fortaleceu no campo da física-médica, conduzindo Sérgio a trabalhar com uma técnica chamada Ressonância Paramagnética Eletrônica, que detecta o spin (espécie de uma minúscula “bússola”) de elétrons (partículas) e faz com que essas partículas mudem de orientação em um campo magnético.

Mas, o que isso tem a ver com Hiroshima, Enola Gay e Little Boy???

Ainda nessa época, Sérgio atuou na Faculdade de Medicina, onde descobriu que, ao atingir um osso, a radiação provocada por Raios-X produz um efeito chamado paramagnetismo. Além disso, o docente verificou que esse efeito é capaz de ficar registrado no osso durante anos – como se fosse uma impressão digital. Na verdade, o osso é constituído por várias proteínas, incluindo o colágeno, que tem propriedades que permitem a estabilidade, bem como a hidroxiapatita, que é um material inorgânico que se quebra quando o osso é irradiado. “Quando a hidroxiapatita se quebra, alguns de seus elétrons ficam desemparelhados, ou seja, os ossos ficam com o magnetismo aparente”, explica o docente, acrescentando que o paramagnetismo permite fazer a dosimetria de radiação, processo em que se mede quantos fótons de Raios-X atingiram o osso. Em 1973, a revista Anais da Academia Brasileira de Ciências publicou o artigo intitulado On the paramagnetism of bone irradiated in vivo, referente à pesquisa desenvolvida por Sérgio Mascarenhas, juntamente com os docentes Horácio C. Panepucci (1937-2004), do IFSC/USP, Fritz Köberle (1910-1983), do Departamento de Patologia da FMRP/USP, e Maria Cristina Terrile, do IFSC/USP.

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Datação arqueológica

Em face dos resultados obtidos no citado trabalho, o espírito científico e a perseverança de Sérgio Mascarenhas levaram-no à conclusão que, se os ossos eram capazes de registrar as radiações como se tivessem uma espécie de memória, uma espécie de impressão digital, então talvez fosse possível datá-las. De forma inovadora, Sérgio Mascarenhas idealizou uma técnica de datação arqueológica mais eficiente, tendo desenvolvido, em parceria com colegas acadêmicos, estudos e experimentos com ossos de seres humanos encontrados em sambaquis – pequenos montes formados por conchas, cascas de ostras e outros materiais descartados por indivíduos pré-históricos, próximos a rios e mares, locais que comprovadamente atraíram antigos habitantes por causa da abundância de alimentos marinhos. “A datação arqueológica não está tão relacionada com a física, mas é algo essencial à antropologia. Ela é um instrumento geral para entendermos as civilizações”, comenta o Prof. Sérgio que, atualmente, coordena o Instituto de Estudos Avançados do Campus USP São Carlos (IEA/USP).

Os trabalhos sobre dosimetria e datação elaborados por Sérgio Mascarenhas chamaram a atenção de pesquisadores japoneses. Durante uma de suas visitas ao Japão, o decano do IFSC/USP foi ao Atomic Bomb Research Center, em Hiroshima, e teve acesso a amostras de ossadas de vítimas do ataque à cidade japonesa, tendo então executado a dosimetria da radiação emitida pela Little Boy. Não foi fácil obter as amostras, já que os japoneses ficaram muito desconfiados quando Sérgio Mascarenhas, um pesquisador latino-americano recém chegado ao Japão, afirmou que havia desenvolvido uma nova técnica e pedindo parte de ossos valiosíssimos para dar continuidade aos seus estudos. Contudo, os pesquisadores cederam ao seu pedido quando Sérgio Mascarenhas os informou que analisaria o efeito da bomba atômica nos ossos, na Harvard Medical School (HMS), nos Estados Unidos. “Foi um momento interessantíssimo. Sergio4-350Os pesquisadores japoneses abriram um cofre e eu pude ver um monte de ossos. De uma maneira um pouco invasiva, peguei parte desses ossos e perguntei se poderia fazer as medições no Japão, porque os japoneses já tinham um equipamento de Ressonância. Não achei que fosse necessário retirar as amostras do país. Então, fui para uma universidade em Hiroshima e vi que a memória paramagnética estava registrada naqueles órgãos, também”, relembra sorrindo ainda de entusiasmo.

A análise dos ossos de cadáveres encontrados em sambaquis e nos ossos das vítimas do ataque à cidade de Hiroshima foi o que o Prof. Mascarenhas precisava para comprovar a eficácia da técnica de datação arqueológica, capaz de detectar irradiações registradas há um milhão de anos. “Até então, o método padrão-ouro utilizado para fazer a datação era baseado em carbono-14, que permitia analisar ossos que tinham sido irradiados há, no máximo, mil anos”, explica.

Com base em suas pesquisas, Sérgio publicou outros artigos referentes à dosimetria e datação arqueológica de ossos humanos, sendo eles o ESR Dosimetry of Bones from Hiroshima A-Bomb site (Bulletin of the American Physical Society; 1973) e o ESR Dating of Human Bones from Brazilian Shell-Mound Sambaqui (American Journal of Physical Anthropology; livro1-2001982).

Em razão dos estudos envolvendo paramagnetismo e datação arqueológica, Sérgio Mascarenhas também participou como co-autor do livro New applications of Electron Spin Resonance – Dating, Dosimetry and Microscopy, escrito pelo falecido Prof. Motoji Ikeya (Osaka University) e publicado em 1993.

A contribuição que Sérgio Mascarenhas fez para o conteúdo deste livro é apenas uma parte do resultado dos esforços que o docente tem realizado em parceria com outros cientistas durante o desenvolvimento dos trabalhos envolvendo dosimetria e datação. Graças aos estudos e ao trabalho do Prof. Sérgio Mascarenhas, hoje já é comum a realização de uma série vasta de conferências internacionais voltadas apenas para a discussão sobre o método de datação arqueológica.

*Anos depois, o Departamento de Física e o Departamento de Química da EESC seriam desvinculados da Escola, para formar o Instituto de Física e Química de São Carlos (IFQSC/USP). Em 1994, os dois departamentos seriam separados para formar dois novos institutos de ciências básicas na USP São Carlos:o Instituto de Química de São Carlos (IQSC/USP) e o Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP);

Imagem 4: Osso do maxilar de uma das vítimas do ataque à cidade de Hiroshima, com marca de queimadura devido à onda de calor provocada pela bomba atômica Little Boy. O osso foi entregue ao Prof. Sérgio Mascarenhas pelo então embaixador brasileiro no Japão.

Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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