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2 de dezembro de 2021

Ora, direis, ouvir estrelas! (Parte-2)

 Figura 8 – Buraco negro supermassivo localizado no centro da galáxia Messier 87, feita pelo telescópio Event Horizon em 2019. Observação feita no comprimento de micro-ondas de 1,3 mm. A massa do buraco negro foi estimada em 6,5 bilhões de vezes maior do que a massa do Sol. Fonte: ref. 12

Por: Prof. Roberto N. Onody *

Para estrelas nascidas com massas maiores do que 25 vezes a massa do Sol, também haverá uma explosão de supernova, só que, desta vez, mais catastrófica ainda – dando origem a um buraco negro!

A estrela mais massiva encontrada (até agora) tem cerca de 265 vezes a massa solar, é a R136a1 e está numa galáxia satélite da Via – Láctea, a Grande Nuvem de Magalhães (há cerca de 163.000 anos-luz da Terra). A estrela com maior dimensão, é a hiper gigante UY-Scuti, cujo raio é 1.700 vezes maior que o do Sol (está localizada na Via-Láctea, há cerca de 9.500 anos-luz da Terra).

Em 1915, Albert Einstein propôs a sua disruptiva e revolucionária, Teoria da Relatividade Geral. Nela, se estabelece a relação existente entre a matéria e a curvatura do espaço-tempo. Em 1916, Karl Schwarzschild encontrou uma solução da equação de Einstein que previa a existência de um buraco negro, isto é, o surgimento, após a explosão da supernova, de uma singularidade, de uma fronteira chamada horizonte de eventos. Definida pelo raio de Schwarzschild (que é linearmente proporcional à massa do buraco negro), de onde nada, nem mesmo a luz, consegue escapar do seu interior!

A equação da Relatividade Geral tem, no seu primeiro membro, tudo que está relacionado à geometria do espaço-tempo e, no segundo membro, tudo relacionado à massa e energia. O físico J. Wheeler uma vez disse: “O espaço-tempo diz à matéria como se movimentar; a matéria diz ao espaço-tempo como se curvar”! 

Para solucionar a equação de Einstein é necessário pressupor uma geometria e uma estrutura causal do espaço-tempo (uma métrica) e uma densidade e fluxo de energia e momento distribuída pelo espaço-tempo (o tensor de momento-energia). Por esse motivo, as soluções obtidas dependem de como o cientista acredita que seja o universo. A solução mais geral da Relatividade Geral de um buraco negro estacionário com rotação e carga elétrica utiliza a métrica de Kerr-Newman.

Figura 6 – Na parte superior da figura, a dança da rotação dos 2 buracos negros caminhando para a colisão e a formação de um único buraco negro (veja vídeo3). Observe a escala do tempo – de 0,25 segundos até 0,45 segundos. Na parte intermediária, a frequência da onda gravitacional aumenta de 35 a 250 Hertz (ciclos por segundo) e a variação relativa do comprimento nos braços do interferômetro (10 -21). Na parte inferior, temos (em verde) a velocidade do buraco variando de 32% a 58% (no colapso) da velocidade da luz; em violeta, a distância (medida em unidades do raio de Schwarzschild RS) entre os 2 buracos negros como função do tempo. Para esses buracos negros de, aproximadamente, 30 massas solares, RS ~ 89 km. O evento foi catalogado como GW150914. (Fonte: ref. 2)

Para obter um universo estático, Einstein acrescentou, em 1917, a constante cosmológica na equação da Relatividade Geral. Depois de Hubble ter observado que o nosso universo estava em expansão, Einstein retirou a constante cosmológica (em 1931). Nos dias de hoje, a constante foi reintegrada, seja para tentar explicar a energia escura ou incorporar a energia de flutuação do vácuo, como prevista pela mecânica quântica.

Dentro dessa linha, está em discussão a possibilidade de evaporação do buraco negro por radiação Hawking. Como afirmou Paul Crowther numa entrevista: “Ao contrário dos seres humanos, um buraco negro nasce pesado e perde peso à medida que envelhece”!  (atenção – esta afirmação só vale para um buraco negro isolado). Porém, o ritmo previsto de perda de massa do buraco negro por radiação Hawking é muito pequeno e lento. Como quanto maior a temperatura maior é a radiação térmica e como a temperatura da radiação Hawking é inversamente proporcional à massa, a busca experimental pela radiação Hawking tem sido feita junto com a busca por micro buracos negros.

Do ponto de vista de radiação eletromagnética, um buraco negro pode ser considerado um corpo negro perfeito, pois absorve toda e qualquer luz incidente. Mas, é mais que isso, pois engole matéria e estrelas e engorda. O gás, pouco antes de cruzar o horizonte de eventos, está superaquecido e emite raios-x. É observando essa emissão que sabemos da presença do buraco negro.

As ondas gravitacionais são ondulações que deformam o espaço-tempo e são causadas pela aceleração de corpos celestes extremamente massivos como buracos negros e estrelas de nêutrons. Muito embora previstas (teoricamente) na Teoria da Relatividade Geral, a sua confirmação experimental só veio depois da construção de gigantescos e precisos laboratórios de interferometria. Aqui, eu me refiro ao LIGO (Laser Interferometer Gravitational-wave Observatory). São 2 observatórios sincronizados e separados por uma distância de 3.000 quilômetros (um em Livingston e outro em Hanford). Os interferômetros têm forma de um L com 4 km de comprimento cada braço. O sistema é capaz de medir uma variação, no comprimento desses braços (de laser), de uma parte em 1021. Isso é o equivalente, a ser capaz de medir comprimentos com uma precisão do diâmetro de um próton!

Em 2015 2, eles conseguiram um feito extraordinário – detectar ondas gravitacionais geradas pela colisão (seguida pela fusão) de 2 buracos negros com cerca de 30 massas solares. Essa colisão cataclísmica ocorreu a uma distância de 1,2 bilhões de anos-luz da Terra!

Quando dois buracos negros formam um sistema binário, eles giram em torno do centro de massa e se aproximam (gravitacionalmente) cada vez mais um do outro, de maneira irreversível. Os buracos estão acelerados e devem, portanto, gerar ondas gravitacionais. Quanto maior a frequência de rotação, maior será a frequência e a intensidade da onda gravitacional gerada, até a fusão final, quando então, se forma um único buraco negro (veja vídeo3).

Os resultados obtidos na ref.2 (que tem mais de 1000 coautores!) está mostrado na Figura 6. Em apenas dois décimos de segundo, a frequência medida da onda gravitacional variou de 35 a 250 Hz! Estas frequências se encontram na banda audível do ouvido humano. Claro, ondas gravitacionais, que se propagam à velocidade da luz (veja mais adiante) não são ondas sonoras. Mas, da mesma forma que ouvimos sons no nosso rádio pela conversão de onda eletromagnética (que também viaja à velocidade da luz), podemos ouvir 4 os sons das ondas gravitacionais produzidas pela colisão das que já foram, outrora, estrelas. Ora, direis, ouvir estrelas!

A comprovação e a medição das ondas gravitacionais deram a seus três principais idealizadores o Prêmio Nobel de Física de 2017. Hoje, a busca pela detecção de ondas gravitacionais, adquiriu um formato internacional com a participação dos interferômetros LIGO 5 (E.U.A.), Virgo6 (Itália) e KAGRA7 (Japão). É um esforço gigantesco de colaboração cientifica envolvendo vários milhares de cientistas do mundo todo.

Também foram detectadas ondas gravitacionais produzidas pela coalescência de um sistema binário buraco negro – estrela de nêutron, mas  (até agora) nenhum evento dessa natureza foi localizado na Via-Láctea. O resultado é um buraco negro maior 8. Nenhuma onda eletromagnética foi detectada no processo, nem tampouco, as esperadas ondas de maré que deformariam a estrela de nêutron antes da coalescência. Por algum motivo, ainda desconhecido, as colisões de pares de buracos negros e de pares de estrelas de nêutron, são muito mais comuns que a colisão de um buraco negro com uma estrela de nêutron. Com poucos eventos, os astrônomos estão torcendo para encontrar uma colisão de um buraco negro com uma estrela de nêutron com forte rotação, ou seja, um par buraco negro-pulsar.

Vejamos agora o que acontece na colisão de um par de estrelas de nêutrons. Em 2017 9, cientistas dos observatórios de LIGO e Virgo, observaram, pela primeira vez, ondas gravitacionais produzidas pela colisão de duas estrelas de nêutrons.  As estrelas de nêutrons tinham massas 0,86 e 2,26 vezes a massa solar e estavam há cerca de 130 milhões de anos-luz da Terra (na galáxia NGC4993).

Mas, menos de dois segundos depois da onda gravitacional ser detectada, o telescópio espacial Fermi observou, vindo do mesmo local no céu, um breve e brilhante flash de raios-gama – era a quilonova!

Figura 7 – Imagem de uma quilonova, feita em 2017, um dia depois da explosão, pelo telescópio espacial Swift no comprimento ultravioleta. (Fonte: NASA)

Menos brilhante que a supernova, mas milhares de vezes mais brilhante que uma nova, a quilonova é explosão resultante da colisão de duas estrelas de nêutrons. Acredita-se, que cerca de um terço de toda a comunidade mundial de astrônomos assestaram seus telescópios para o local, analisando esse evento em todos os comprimentos de ondas eletromagnéticas (Figura 7). Pela primeira vez, era possível estudar a espetacular colisão de estrelas de nêutrons, através de ondas gravitacionais e ondas eletromagnéticas! Nascia a astrofísica com múltiplos mensageiros.

Estima-se que ocorra uma quilonova a cada cem mil anos por galáxia. Evento raro, mas, essencial. Quando se analisa os elementos químicos produzidos em explosões de supernovas, percebe-se que a tabela periódica fica incompleta. As quilonovas são as fábricas que forjam os preciosos metais ouro, prata e platina. Pela análise espectral, feita após a explosão (nos fragmentos da explosão, veja vídeo10), foi descoberto que ela havia gerado centenas de planetas Terra inteiros feitos de sólido e puro ouro, prata etc.  Embora uma quilonova seja muito mais rara que uma supernova, ela é muito mais eficiente na fabricação desses elementos.

Por último, mas não menos importante, como a diferença entre o sinal da onda gravitacional e os raios-gama foi de apenas 1,7 segundo, (depois de ambos terem percorrido a distância de 130 milhões de anos-luz), o evento foi a comprovação experimental de que as ondas gravitacionais viajam, de fato, à velocidade da luz.

Há muitos anos sabe-se da existência de buracos negros supermassivos. Enquanto um buraco negro, de origem estelar, tem massa de cerca de 3 a 300 vezes a massa do Sol, um buraco negro supermassivo tem massa correspondente a milhões ou bilhões de vezes a massa solar. Esses buracos negros supermassivos estão localizados no centro das galáxias. O buraco negro supermassivo da nossa Via-Láctea tem massa estimada em 4 milhões de massas solares. O maior encontrado, até agora, é um monstro com massa equivalente a 66 bilhões de massas solares, denominado TON618.

O TON618 é um quasar. Descobertos na década de 1960, a palavra quasar significa “quasi-stellar radio source”, mas, de estrela mesmo um quasar não tem nada. Quasares são galáxias muito jovens que têm no seu centro buracos negros supermassivos e extremamente ativos. Já foram detectados milhões de quasares. O mais próximo (até agora) é o Markarian 231, que está a uma distância de 581 milhões de anos-luz da Terra. O mais distante (até agora) é o PSO J172 que está há pouco mais de 13 bilhões de anos-luz da Terra – vemos hoje, como ele era quando o universo era uma criança com 700 milhões de anos de idade.

Os buracos negros supermassivos nos quasares se alimentam vorazmente de tudo que os rodeia: poeira, gás e estrelas. Apenas uma minoria11 dos quasares emitem jatos poderosos (em direções opostas) de ondas de rádio, gás e de intenso raios-x ao longo do seu eixo de rotação. Alguns jatos chegam a medir milhões de anos-luz de comprimento!

Os astrônomos cedo descobriram uma lacuna ou quase ausência de buracos negros intermediários (com massa entre os de origem estelar e os supermassivos). Uma explicação possível está relacionada à própria formação de buracos negros supermassivos nos centros das galáxias. Quando uma galáxia é jovem e está em formação, a quantidade de gases, estrelas, supernovas é tamanha que buracos negros se alimentam e crescem aproveitando todo o material à sua volta (incluindo aí, o canibalismo). Essa é uma hipótese da formação e origem dos buracos negros supermassivos. Se o processo for suficientemente rápido, seria pouco provável observar buracos negros intermediários.

Não poderia deixar de mencionar aqui, a primeira imagem direta de um buraco negro supermassivo, feita em 2019, pela equipe12 internacional que operava o telescópio Event Horizon (Figura 8). Esse buraco se encontra no centro da galáxia Messier 87. Ela é uma galáxia elíptica supergigante, tem trilhões de estrelas, fica na direção da constelação de Virgem, a uma distância de aproximadamente, 53 milhões da anos-luz da Terra. O impacto dessa façanha foi enorme, com incrível repercussão mundial.

E, finalmente, algumas palavras sobre a hipótese dos buracos negros primordiais. Eles teriam se formado no primeiro segundo do universo, logo após o Big-Bang. Portanto, muito antes da existência de qualquer estrela e consequentemente, não teriam origem no colapso gravitacional estelar. Sua formação é atribuída a efeitos quânticos de flutuação da densidade do universo. De composição não bariônica, os buracos negros primordiais têm atraído físicos teóricos pela possibilidade de serem a tão procurada matéria escura. Até o momento, não houve nenhuma comprovação experimental da sua existência.

A Astronomia é uma ciência com forte apelo popular, uma paixão de todo ser humano. O interesse por ela está presente desde as civilizações mais antigas. Nesta última década, testemunhamos avanços inacreditáveis nas observações astronômicas. Seus resultados, instigam nossa imaginação tentando entender onde estamos – o que é o nosso universo?

Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto
A Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.

Olavo Bilac, soneto que se encontra no livro “Poesias”, publicado em 1888.

*Físico, Professor Sênior do IFSC – USP

e-mail: onody@ifsc.usp.br

(Agradecimento: ao Sr. Rui Sintra da Assessoria de Comunicação)

Referências:

2 B. P. Abbot et al. Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016)

https://doi.org/10.1103/PhysRevLett.116.061102

3 https://youtu.be/1DmCkeK_YU4

4 https://youtu.be/QyDcTbR-kEA

5 https://www.ligo.org/

6 https://www.virgo-gw.eu/

7 https://gwcenter.icrr.u-tokyo.ac.jp/en/

8 R. Abbott et alApJL 915 L5 2021

https://iopscience.iop.org/article/10.3847/2041-8213/ac082e\

9 B. P. Abbott et al. Phys. Rev. Lett. 119, 161101 – 2017

https://doi.org/10.1103/PhysRevLett.119.161101

10 https://youtu.be/-iaviqwMfJ0

11 https://chandra.harvard.edu/blog/node/772 (2020)

12 K. Akyiama et al. The Event Horizon Telescope Collaboration et al 2019 ApJL 875 L1

https://doi.org/10.3847/2041-8213/ab0ec7

Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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