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14 de novembro de 2021

“Ora, direis, ouvir estrelas!” (parte-1)

Figura 1 – A anã vermelha Proxima Centauri, a estrela mais próxima do nosso Sol, atualmente (cerca de 4,2 anos-luz). Fonte: Telescópio Hubble (NASA)

Por: Prof. Roberto N. Onody *

Após a sua formação, no interior de uma nebulosa, o destino de uma estrela dependerá essencialmente de sua massa. Quanto menor for o valor da sua massa, tanto maior será sua expectativa de vida. Outro fator que regulará o destino dessa estrela, é o seu entorno estelar. A dinâmica dos astros em nosso universo (desde o Big Bang) é controlada pelas interações (gravitacionais e de matéria e energia escura) com explosões e muitas, muitas colisões.

Se a estrela tiver massa entre 1,3 % e 8 % da massa do nosso Sol, a estrela (ou subestrela, pois faz fusão de deutério e não de hidrogênio) é uma anã marrom (para mais detalhes, veja ref. 1).

No intervalo de 8 % a 60 % da massa do Sol, a estrela é uma anã vermelha (que já faz fusão de hidrogênio). A estrela mais próxima do Sol, a Proxima Centauri, é uma anã vermelha (Figura 1). Durante os últimos 32.000 anos, ela foi a estrela mais próxima do Sol, e continuará a sê-lo por mais 25.000 anos!

A maior parte das estrelas que compõem o universo são anãs vermelhas. Estima-se que, na nossa Via-Láctea, dois terços das estrelas sejam anãs vermelhas! Muitas anãs vermelhas são orbitadas por exoplanetas. Para uma anã vermelha, modelos teóricos preveem que, a zona habitável estaria numa órbita muito próxima da estrela. E isso é um problema, pois a atuação do efeito maré faria com que sempre a mesma face do exoplaneta estivesse voltada para estrela. Num hemisfério teríamos sempre alta temperatura e no outro baixa temperatura. Na superfície, de uma anã vermelha, as temperaturas variam entre 2.000 e 3.500 oC (no Sol, a temperatura da fotosfera é cerca de 6.000 oC).

Figura 2 – A nebulosa planetária do Esquimó (NGC2392), ganhou esse nome em 1787 quando foi visualizada por W. Herschel, pois lembra um capuz de pele de um esquimó. O material (hidrogênio, hélio, nitrogênio e oxigênio) é ejetado em alta velocidade, em todas as direções, formando uma espécie de bolha. Outrora, esse material formava as camadas externas de uma estrela gigante vermelha. A nebulosa Esquimó está há cerca de 2.870 anos-luz do Sol. Fonte: Telescópio Hubble (NASA)

Na faixa entre 6 e 10 vezes a massa solar, teremos as estrelas parecidas com o nosso Sol. No seu núcleo, elas transformam hidrogênio em hélio. A temperatura necessária para essa fusão é de 15 milhões de graus Celsius (na superfície da estrela, porém, ela é bem menor). Quando o hidrogênio se esgota no núcleo, este se contrai pela força da gravidade, a temperatura sobe e as camadas externas da estrela se expandem. A estrela se torna, então, uma gigante vermelha. É o que acontecerá com o nosso Sol, daqui há alguns bilhões de anos. Estima-se que a expansão do Sol irá engolfar os planetas Mercúrio, Vênus, Terra e, quem sabe, Marte.

Na temperatura de 170 milhões de graus Celsius, a estrela passa a fundir núcleos de hélio para formar o carbono. O processo continua, com o núcleo estelar produzindo elementos químicos cada vez mais pesados. A partir do ferro, a fusão nuclear ao invés de produzir energia, consome energia. Quando a fusão nuclear cessa, o núcleo então, colapsa gravitacionalmente, pois era a fusão nuclear que se contrapunha à contração gravitacional, gerando energia, aumentando a temperatura e a pressão. O colapso, porém, não é total, e será contido pela ‘força’ de Fermi (veja próximo parágrafo). Como as camadas internas se contraem, por conservação de momento, as camadas externas da estrela se expandem, são ejetadas e se descolam, formando a chamada nebulosa planetária (Figura 2). A má escolha desse nome se deve ao fato que, para telescópios mais antigos, elas se pareciam muito com o planeta Urano. O núcleo, muito denso e quente, é agora uma estrela chamada anã branca (Figura 3).

Mas, por que a anã branca se formou? O que conteve a contração gravitacional? A resposta é que, devido à enorme densidade do núcleo estelar, surge uma força de repulsão que é de natureza quântica, uma manifestação do princípio de exclusão de Pauli (válido para todos os férmions como prótons, nêutrons e elétrons). Ele afirma que dois férmions não podem ter o mesmo conjunto de números quânticos. Em outras palavras, a contração gravitacional preenche os níveis mais baixos de energia e, novos férmions, são obrigados a ocupar energias mais altas, como se houvera uma ‘força’ de repulsão. Ela resiste à atração gravitacional provocada por massas menores ou iguais a 1,4 vezes a massa do Sol. É o chamado limite de Chandrasekhar. Não podem existir anãs brancas com massa maior do que a desse limite.

Em geral, a composição química das anãs brancas envolve carbono e oxigênio, mas, dependendo da massa inicial, também pode conter neônio e magnésio. Em geral, uma anã branca tem um diâmetro um pouco maior que o da Terra e uma densidade da ordem de 1×109 kg/m3 (duzentas mil vezes maior que a densidade da Terra). Como não há mais fusão (de nenhuma espécie) no interior da anã branca, ela deverá se esfriar, se cristalizar e, em algumas dezenas de bilhões de anos, tornar-se uma anã preta. Como a idade estimada do universo é de 13,8 bilhões de anos, não deve haver nenhuma anã preta aí fora.

Figura 3 – O sistema binário Sirius é composto pela estrela Sirius A (a mais brilhante estrela no céu noturno) e a anã branca Sirius B (o pontinho indicado pela seta). Está há cerca de 8,2 anos-luz do Sol. Fonte: Telescópio Hubble (NASA)

Se uma anã branca pertence a um sistema binário (em geral, com outra estrela tipo Sol ou gigante vermelha) e a rotação entre as estrelas diminui para um período de cerca de 1 dia, a anã branca ficará tão próxima que roubará material da sua parceira, acretando hidrogênio na sua superfície.  À medida que essa camada superficial de hidrogênio fica mais espessa, sua temperatura sobe até atingir um valor crítico (da ordem de 15 milhões de graus Celsius), a fusão nuclear tem início de forma explosiva – é uma nova. Muitas dessas explosões de novas podem ser vistas a olho nu e podem brilhar por várias semanas ou meses. Ao juntar mais material na superfície da anã branca, o fenômeno pode se repetir. Aproximadamente, ocorrem 50 novas por ano em galáxias como a nossa Via Láctea. As novas têm brilho dez milhões de vezes menor do que o de uma supernova (veja mais adiante).

Se a massa inicial da estrela estiver entre 10 e 25 vezes a massa solar, ela evoluirá para uma estrela de nêutron. Até o colapso do núcleo, o desenvolvimento de uma estrela de nêutron é muito semelhante ao de uma anã branca. No processo de expansão, a estrela se transforma numa supergigante vermelha. Como o tamanho e a massa do núcleo são maiores, quando cessa a fusão, prótons e elétrons se aniquilam formando nêutrons, liberando neutrinos e muita radiação eletromagnética de alta frequência – os raios-gama. O colapso do núcleo ocorre em menos de um segundo! Uma cataclísmica onda de choque se forma nas camadas exteriores, liberando ao espaço elementos químicos pesados. Futuros planetas, que se formem nas redondezas, muito se beneficiarão desse material!

Essa explosão catastrófica é chamada de supernova. É tão poderosa, que a luminosidade gerada por ela pode superar a de uma galáxia inteira! Muitas supernovas podem e já foram vistas a olho nu. Essa extraordinária luminosidade pode durar semanas, meses ou anos. Os astrônomos investigam as supernovas em vários comprimentos de onda eletromagnética – rádio, infravermelho, visível, ultravioleta, raios-x e raios-gama (Figura 4). O colapso gravitacional total agora é contido por nêutrons degenerados (repulsão nêutron-nêutron). Aqui, novamente, entra em ação a ‘força’ de Pauli. Estimativas calculam que a maior massa possível de uma estrela de nêutron deve estar entre 1,5 e 3,0 vezes a massa solar.

Figura 4 – O material ejetado na supernova (chamados de remanescentes da explosão) fertilizará a composição química de futuros planetas. Na imagem, a nebulosa do Caranguejo após a explosão da supernova SN 1054 (ano que ela explodiu). Está a 6.500 anos-luz de distância, na direção do centro da Via-Láctea. Fonte: NASA/ESA

Quando o núcleo de uma supergigante vermelha colapsa, a conservação do momento angular e do fluxo magnético fazem com que a estrela de nêutron gire muito rapidamente e tenha um campo magnético extraordinariamente intenso (cerca de 1012 vezes o valor do campo magnético da Terra!). Ao nascer, uma estrela de nêutron isolada gira a pelo menos 60 voltas por segundo. Se nascer num sistema binário, a rotação pode chegar a 600 voltas por segundo. Ao longo do eixo norte-sul magnético, a estrela de nêutron emite partículas e muita radiação eletromagnética. Essa estrela de nêutron, que gira tão rapidamente, passou a ser conhecida como Pulsar! (Figura 5)

Em geral, o eixo de rotação de uma estrela de nêutron não coincide com o seu eixo magnético. Se acontecer que a nossa linha de visão aqui da Terra, se cruze com o jato de radiação (ao longo do eixo magnético) detectaremos sinais periódicos. Algo parecido com o que acontece quando um navio aproxima de um farol. Foi assim, que se encontrou a primeira estrela de nêutrons em 1967 (em comprimento de ondas de rádio). À época, chegou-se a especular que se tratava de uma tentativa de comunicação com a Terra de seres inteligentes extraterrestres.

O brilho das supernovas é utilizado para medir a distância da estrela de nêutron até a Terra.  Sabe-se que o tempo de decaimento do seu brilho está relacionado com a luminosidade da estrela. Uma vez conhecida a sua luminosidade, obtém-se a magnitude absoluta. Em seguida, determinando-se (aqui na Terra) a magnitude aparente da estrela, pode-se calcular a distância da estrela à Terra.

As estrelas de nêutrons são muito pequenas, do tamanho de uma cidade, com diâmetro em torno de 10 a 20 km! Mas, sua densidade é absurda, cerca 1017 kg/m3. São os objetos conhecidos mais densos do universo (excluindo-se os buracos negros). Para se escapar da atração gravitacional de uma estrela de nêutron, a velocidade de um corpo tem que ser maior do que 50% da velocidade da luz!

Na nossa Via-Láctea, já foram detectadas cerca de 1.300 estrelas de nêutrons. Mas, a quantidade de poeira e gás ao longo do disco galáctico, dificulta muito a sua observação.  Estima-se que a Via-Láctea contenha cem mil estrelas de nêutrons ao longo do seu disco. A estrela de nêutron detectada (até agora) mais próxima da Terra está há cerca de 420 anos-luz.

Figura 5 – O pulsar existente no interior da nebulosa do Caranguejo (veja Figura 4) detectado, em raios-x, pelo telescópio Chandra. Fonte: NASA

Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto
A Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.

Olavo Bilac, soneto que se encontra no livro “Poesias”, publicado em 1888.

(Continua)

*Físico, Professor Sênior do IFSC – USP

e-mail: onody@ifsc.usp.br

(Agradecimento: ao Sr. Rui Sintra da Assessoria de Comunicação)

Referências:

1 Anã Marrom – um objeto subestelar, Roberto N. Onody

https://www2.ifsc.usp.br/portal-ifsc/ana-marrom/

Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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