
(Figura-1) Impressão artística dos pequenos dispositivos (discos) flutuando na mesosfera como se fossem paraquedas e suportando pequenas cargas, sem precisar de motor ou combustível. No artigo é feito um estudo detalhado que leva em consideração o diâmetro do disco, sua altitude na mesosfera, o peso da carga e a intensidade da luz solar em cada época do ano
*Por: Prof. Roberto N. Onody
Cientistas da Universidade de Harvard construíram recentemente, via nanoengenharia, um dispositivo com cerca de 1 cm de diâmetro que, sob a ação de luz artificial, é capaz de flutuar no ar em baixa pressão atmosférica. Feito de material relativamente barato, ele é capaz de flutuar na camada da mesosfera (que fica entre 50 kms e 80 kms de altura) apenas sob a ação da luz solar (Figura 1).
A mesosfera é a camada da atmosfera terrestre menos conhecida, tanto assim, que é ela muitas vezes chamada de “ignosfera”. Nela, não há satélites, posto que a altitude é muito baixa; também não há balões ou aviões, posto que a altitude é muito alta.
O mecanismo utilizado para a flutuação é o da fotoforese. Chamamos de fotoforese à movimentação de partículas ou pequenos objetos pela ação da luz e suas consequência térmicas ao redor do objeto. Ela vem sendo estudada há mais de cem anos, mas só agora, com novos materiais e a nano industrialização, está sendo possível encontrar aplicações práticas.
Não devemos confundir a força fotoforética com aquela produzida pela pressão da radiação eletromagnética. As forças fotoforéticas são bem maiores que as da radiação e desaparecem quando aumentamos o vácuo.
Basicamente, na fotoforese a luz incidente permite que o sistema opere como uma máquina térmica. As forças fotoforéticas podem superar a força gravitacional e, dessa maneira, levitar pequenas partículas como grãos de poeira, fuligem, aerossóis e pluma vulcânica (veja vídeo).

Figura 2 – O moinho de luz ou radiômetro de Crookes. A explicação da causa de seu movimento cativou muitos cientistas, incluindo J. Maxwell e A. Einstein. Várias explicações incorretas foram apresentadas sobre o seu funcionamento e, mesmo hoje em dia, estão ainda presentes como é o caso do verbete “radiometer” da Enciclopédia Britânica
A descoberta da fotoforese é atribuída a Felix Ehrenhaft ao longo de pesquisas que ele realizou na década de 1920. O fenômeno, entretanto, já estava presente no radiômetro de Crookes (Figura 2).
Inventado por Sir Williams Crookes em 1873, o radiômetro de Crookes consiste num bulbo de vidro (com vácuo parcial do ar) que tem no seu interior 4 palhetas giratórias montadas sobre um eixo rotor vertical com muito pouco atrito. Cada uma dessas palhetas têm uma face pintada na cor preta e a outra na cor prata.
Quando iluminado por luz solar ou artificial as palhetas giram. Elas giram no sentido da face preta para a face prateada. O radiômetro de Crookes é um moinho de luz!
Ambas as faces absorvem parte da energia da luz incidente aumentando a temperatura de suas superfícies. Como a face preta absorve mais luz, ela atingirá uma temperatura maior do que a face prateada, o mesmo acontecendo com o ar em contacto com elas.
No artigo de Crookes, que foi publicado em 1874, ele atribuiu, incorretamente, a rotação das palhetas como sendo um resultado da pressão de radiação eletromagnética. O revisor que aceitou o artigo foi ninguém menos do que James Clerk Maxwell, o formulador das leis do eletromagnetismo.
Foi muito fácil provar que a explicação dada era equivocada. Para isso, bastou constatar que a rotação das palhetas cessa quando a pressão do ar no interior do bulbo é: maior do que 1000 Pa (~10-2 atm), devido ao aumento da força de atrito com um ar mais denso, ou menor do que 0,0001 Pa (~10-9 atm). O fato de haver uma pressão mínima do ar para operar o radiômetro de Crookes mostra que a pressão de radiação eletromagnética (que existe mesmo no vácuo) não é a responsável pela rotação das palhetas.
Naturalmente, a pressão de radiação também está presente só que não tem força suficiente para girar as palhetas e, se tivesse, as giraria no sentido contrário (da face prata para a face preta). O radiômetro de Crookes é uma máquina térmica e precisa do ar em baixa pressão para operar.
A explicação correta do funcionamento do radiômetro de Crookes veio com Osborne Reynolds (sim, o mesmo do número de Reynolds da hidrodinâmica) em 1879. Ele estudou o fluxo de gás por um tubo isolado termicamente e que tem no meio uma placa porosa e fixa. As duas faces da placa foram mantidas em temperaturas diferentes e fixas, TA e TB. Inicialmente a pressão e a temperatura do gás são as mesmas dos dois lados da placa. Ele observou que o gás fluía através dos poros, indo do lado da face mais fria para o lado da face mais quente. Quando esse sistema atingia o equilíbrio, a razão das pressões PA/PB era igual a raiz quadrada da razão das temperaturas TA/TB . Ou seja, o lado mais quente tem também pressão maior e, se a placa porosa não estivesse fixa, ela se movimentaria no sentido da temperatura mais alta para a mais baixa. Essa forma de equilíbrio térmico por convecção do gás pelos poros, Reynolds denominou “transpiração térmica”.
Muito embora as palhetas do radiômetro de Crookes não tenham poros, elas têm bordas por onde o ar flui e, não sendo fixas, elas acabam girando. Albert Einstein chegou a calcular as forças na borda que, embora suficientes para movimentar as palhetas não lhes imprimia a aceleração correta. A força fotoforética no radiômetro de Crookes é, em geral, cem vezes menor do que o peso das palhetas, o que inviabiliza sua sustentação gravitacional e levitação.
Como é difícil miniaturizar o radiômetro de Crookes, em 2010 foi construído um micromotor com palhetas curvas (com tamanho aproximado de 1 mm). Tanto a superfície côncava quanto a convexa foram recobertas com nanocristais de ouro. O sistema todo é montado num rotor e colocado no interior de um bulbo de vidro com vácuo parcial. Quando iluminado, a superfície convexa se aquece mais do que a superfície côncava, de sorte que o motor gira do convexo para o côncavo. Na pressão de 0,00052 atm, o motor consegue rodar a 5.000 rpm!
A transpiração térmica que acabamos de discutir é uma das três dinâmicas de fotoforese – movimentação de pequenos objetos pela ação da luz e suas consequências térmicas ao redor do objeto. Elas geram forças fotoforéticas. Para detalhes, veja H. Horvath, no artigo: “Photophoresis – a forgotten force?”

Figura 3 – Os 3 tipos de fotoforese: (a)Temperatura constante, mas, com diferentes coeficientes de acomodação; (b) Diferentes temperaturas; (c) transpiração térmica. Na Figura, vemos também as condições necessárias para a levitação, relacionando as dimensões típicas do corpo (r), do buraco perfurado na estrutura (rh) e do livre caminho médio λ do ar
Seriam essas forças capazes de se equiparar à força gravitacional e levitar os objetos?
As 3 formas de fotoforese estão mostradas na Figura 3. Elas são responsáveis pela movimentação do aerossol na atmosfera sob a ação da luz solar. O aerossol pode ter origem natural, como as gotas de ácido sulfúrico emitidas pelos vulcões (que podem flutuar na atmosfera por até 2 anos) e a poeira dos desertos ou de origem humana, como as fumaças produzidas pela queima do petróleo, do carvão e por indústrias poluidoras.
Uma partícula, seja ela sólida ou líquida, em suspensão num gás é constantemente bombardeada pelas moléculas do próprio gás. Se, além disso, sobre ela estiver incidindo luz, seu movimento dependerá de uma complexa relação entre o aumento da temperatura de sua superfície (pela absorção de luz) e a interação desta superfície aquecida com as moléculas do gás.
Analisemos a primeira forma de fotoforese – uma partícula com temperatura constante em todo o seu corpo, mas, com diferentes valores do seu coeficiente de acomodação α nas superfícies (Figura 3a). Essa forma de fotoforese surge quando a estrutura (espessura) da partícula é muito fina. Devido à rápida condução de calor, as temperaturas das superfícies se igualam.
Seja T0 a temperatura do gás e Ts a temperatura das superfícies aquecidas da partícula (Ts > T0). As moléculas do gás, ao abandonarem a superfície aquecida da partícula, adquirem uma energia cinética adicional que corresponde a uma temperatura T (menor ou igual a Ts). Definimos o coeficiente de acomodação α por α = (T – T0)/(Ts – T0).
O valor desse coeficiente depende do tipo de gás, da sua temperatura, da frequência e intensidade da luz incidente e o quanto dessa luz é absorvida ou refletida pela partícula.
Se uma partícula aquecida tem, em sua superfície, diferentes valores do coeficiente de acomodação, ela sentirá uma força fotoforética Δα, no sentido da face que tem o maior de α para a que tem o menor valor de (Figura 3a). Se a força fotoforética for suficiente para superar a força gravitacional, a partícula flutuará.
Na Figura abaixo, mostramos o comportamento da força fotoforética Δα dividida pelo peso da partícula (em escala logarítmica) como função da pressão e das dimensões da partícula.

(Figura-4)
Os gases do efeito estufa como o CO2, aumentam a temperatura da Terra. A Terra tem um mecanismo natural – a erupção vulcânica, que se contrapõe a esse aumento de temperatura, ao lançar na atmosfera sulfato na forma de aerossol. Em 1991, a erupção do monte Pinatubo lançou 9 milhões de toneladas de enxofre na estratosfera, criando aerossóis de sulfato que, por um ano, aumentaram o albedo da Terra (albedo é a proporção da radiação solar que é refletida de volta ao espaço) diminuindo a temperatura terrestre em 0,5 oC.
Existem propostas de nanoengenharia para a produção de aerossóis que, lançados um pouco acima da estratosfera (para não prejudicar a camada de ozônio), aumentem o albedo terrestre amenizando o efeito estufa. Esses aerossóis flutuariam por alguns anos graças à força fotoforética.

(Figura-5)
A segunda forma de fotoforese aparece quando a partícula, ao ser iluminada pela luz, desenvolve temperaturas diferentes nas suas superfícies (Figura 3b). São partículas com baixa condutividade térmica. Com a acomodação, as moléculas do gás são refletidas com maior velocidade da superfície mais quente, gerando uma força fotoforética ΔT no sentido da superfície com maior temperatura para a de menor temperatura.
Na Figura abaixo, mostramos o comportamento da força fotoforética ΔT dividida pelo peso da partícula (em escala logarítmica) como função da pressão (em escala logarítmica) e das dimensões da partícula.
Quando a luz que incide sobre uma partícula aquece mais a face anterior do que a face posterior, a força fotoforética ΔT tem a direção e o sentido da radiação eletromagnética. É a fotoforese positiva. Para partículas que absorvem fracamente a luz, a face mais aquecida é aquela oposta sobre a qual incide a radiação, de modo que a partícula se movimenta no sentido contrário ao da luz. É a fotoforese negativa. É o que acontece, por exemplo, com as partículas de enxofre, bismuto, selênio, fósforo e tabaco.

(Figura-6)
Uma aplicação interessante da força fotoforética ΔT é a sua utilização na construção de telas tridimensionais que formam imagens de alta resolução utilizando um mecanismo de armadilhas óticas fotoforéticas. Essa é a técnica que forma imagens 3D mais próximas daquelas que vemos em filmes de ficção científica.
A terceira forma de fotoforese é a da transpiração térmica (como a do radiômetro de Crookes). Na Figura 3c vemos que (como no experimento de Osborne de 1879) podemos aumentar a força fotoforética criando pequenos furos com diâmetros rh bem menores do que do que o livre caminho médio λ do gás.
Na atmosfera terrestre, à medida que a aumentamos a altitude: o livre caminho médio aumenta, a pressão atmosférica diminui, a temperatura flutua e a radiação solar aumenta. A atmosfera da Terra é sistematicamente dividida em 5 camadas. Segue, ao lado, um quadro para entendermos melhor o que acontece acima de nossas cabeças.
Descrevemos acima os 3 tipos de fotoforese, mas, qual deles é melhor, mais eficiente, na atmosfera terrestre? Para responder a essa pergunta, temos que definir o parâmetro de rarefação δ = r/λ, onde r é o diâmetro do objeto e λ o livre caminho médio das moléculas do ar (que depende da altitude).

Figura 7 – A estrutura nano fabricada consiste em duas membranas com espessuras de 0,1 µm separadas entre si por 125 µm e com cerca de 0,5 cm de diâmetro. A alumina é um material cristalino bastante duro que funde a 2.072oC. Um número rigorosamente controlado de ligamentos cilíndricos de alumina (cada um com 0,25 µm de diâmetro) conecta essas duas membranas para lhes dar rigidez. Essas duas membranas são também perfuradas com poros de 25 µm (1 µm corresponde a milionésima parte de 1 metro).
Se 0,1 < δ < 10 , as forças fotoforéticas Δα e ΔT são maiores do que a da transpiração térmica, se δ > 10, a força fotoforética por transpiração térmica através dos poros é dominante. Um estudo de 2024 mostrou que materiais porosos nanoestruturados com dimensão de 10 m, posicionados na mesosfera numa altura de 80 km, pode levitar objetos de até 1 kg. As forças por unidade de área da fotoforese são de dez mil a milhão de vezes maiores do que aquelas produzidas pela pressão de radiação!
Analisemos agora os experimentos realizados por Schafer et al em 2025. Eles montaram uma estrutura composta por duas membranas: uma membrana de alumina ou óxido de alumínio (Al2O3) e a outra de alumina e cromo. Essas membranas estão conectadas por ligamentos (as ´paredes´ da estrutura) que lhe dão rigidez e são perfuradas para permitir o escoamento do ar. Quando iluminada, a camada inferior (com alumina e cromo) aquece mais do que a superior (que tem somente alumina). O ar flui para baixo através das perfurações, diminuindo a pressão na parte superior de forma a permitir a levitação da estrutura (veja Figura 7).
Schafer et al fizeram um estudo pormenorizado dessa estrutura, analisando-a tanto experimentalmente quanto através de modelos teóricos e numéricos. Os parâmetros de controle utilizados foram a fração superficial dos furos e a fração volumétrica dos ligamentos. Eles calcularam que uma estrutura assim fabricada, com 80 cm de diâmetro e colocada a uma altura de 73 km, suportaria uma carga de 0,9 kg, durante o dia e na latitude zero (equador). Para latitudes maiores, o valor da carga suportada diminui. No círculo polar, ela seria de 0,2 kg.
Eles projetaram um dispositivo com 3 cm de raio e que tem o formato de um paraquedas (Figura 8). Ele é capaz de levitar cargas de 10 mg a uma altitude de 75 km na mesosfera e suportar ventos com velocidade de até 10 m/s.
Assim, sem utilizar nenhum tipo de combustão, mas, simplesmente a força silenciosa de ar rarefeito fluindo por um gradiente de temperatura, nós poderemos ter, em breve, uma nova tecnologia espacial. Schafer é cofundador de uma empresa que pretende construir e lançar seus primeiros flutuadores fotoforéticos na mesosfera em 2026.

Figura 8 – Visão futurista dos pesquisadores da Universidade de Harvard. Na próxima década, um enxame de flutuadores fotoforéticos poderá coletar, com alta precisão, dados da temperatura, pressão, composição química e velocidade dos ventos na mesosfera
*Físico, Professor Sênior do IFSC/USP
e-mail: onody@ifsc.usp.br
Meus agradecimentos ao Sr. Rui Sintra da Assessoria de Comunicação do IFSC/USP
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Assessoria de Comunicação – IFSC/USP



